16/10/2025
Elucidações Sobre a Umbanda – Fundamentos Dontrinários de Umbanda
Quais são, afinal, os fundamentos da Umbanda? O fundamento de uma religião é sua base, seu alicerce, a razão fundamental de sua doutrina e seu ritual. Na Umbanda, ouvimos falar muito nesta palavra "fundamento", em contextos como; "tal coisa tem ou não fundamento", "isto é um fun damento da religião". A palavra é usada e manipulada à revelia e, neste contexto, perde-se o signif**ado de fundamento e confunde-se o funda mento do todo (coletivo) com fundamentos das partes (individuais). Para definir quais são os fundamentos da religião de Umbanda é preciso antes definir o que é Umbanda e, neste ponto, já encontramos uma dificuldade enorme para a maioria das pessoas que se apega mais à forma do que à essência. A maioria tenta definir o TODO pelas par tes, o geral pelo específico. É preciso, antes, definir quais são as linhas mestras da Umbanda, o simples e básico, para depois, então, identif**ar seus FUNDAMENTOS BÁSICOS. Sabemos que a Umbanda possui unidade e diversidade. Na unidade está o básico que faz identif**ar, ou não. Umbanda; e na diversidade está a liberdade ritual e doutrinária de cada grupo, "umbandas".
Na unidade está o todo; e na diversidade estão as partes. O todo é algo comum a todas as partes. Logo, fundamentos básicos são aqueles que estão presentes em todas as suas partes, no todo. Quando falamos de UMBANDA (singular e uma), estamos falando do todo; quando falamos em umbandas (múltipla e plural), estamos falando das partes. As partes também têm fundamentos. Em relação ao todo, esses fundamentos são parciais, fundamentos desta ou daquela parte, desta ou daquela Umbanda. Aí surgem fundamentos da Umbanda "Branca", "Tradicional", "Esotérica", "Popular", "Mista", "Trançada", "Africanista", "Omolocô", "Eclética", "Iniciática", etc. Fundamento da parte não é fundamento do todo; logo, fundamento de Umbanda é algo que deve ou pode ser aplicado ao Todo, em todas as partes e liturgias da religião. Só não podemos falar em "Verdadeira Umban da", ou "Umbanda Pura". Afirmar que algo é "o verdadeiro" é uma forma de desclassif**ar o restante e rotulá-lo de falso. Também não podemos falar em pureza dentro de uma religião que nasce com sincretismos. Aliás, não existe pureza em nenhuma religião. Todas nascem de cultos e ritos que lhes antecederam. Nada nasce do nada; nada se perde, tudo se transforma. Daí a confusão que alguns fazem entre um fundamento ancestral reli gioso humano e a religião em si, que é um conjunto de fundamentos dentro de um contexto no espaço e no tempo. Por exemplo, confunde-se a religião de Umbanda com um de seus fiindamentos que é a incorpo ração de espíritos, mais especif**amente de Caboclos ou Pretos-Velhos. Por essa confusão, passam a crer que Umbanda seja uma religião an cestral e milenar. Outros confundem a religião de Umbanda com a pa lavra Umbanda e passam a crer que a origem da religião se encontra na origem da palavra "Umbanda". Na língua quimbundo, essa palavra signif**a "arte da cura", que é a prática do xamã, o "kimbanda"; aqui no Brasil, "Umbanda" se insere em outro contexto; a palavra é resignif**ada, é um neologismo para identif**ar uma religião que, embora tenha semelhanças com práticas xamânicas de todos os povos, difere n a e s t r u t u r a .
O básico do básico na Umbanda é reconhecer que se trata de uma religião brasileira fundada no dia 15 de novembro de 1908, por Zélio de Moraes e o Caboclo das Sete Encruzilhadas. Podemos identif**ar nas palavras do Caboclo das Sete Encruzilhadas os fundamentos mais bá sicos de Umbanda: "Umbanda é a manifestação do espírito para a prática da caridade". "Aprender com quem sabe mais e ensinar a quem sabe menos, e a ninguém virar as costas". Parece pouco, mas já é muito. Atendimento caritativo é a base doutrinária da religião, sem nenhuma forma de preconceito com relação às entidades que se manifestam. Quem lançou a pedra fundamental da religião foi um espírito que teve muitas encamaçÕes e, entre elas, foi o frei Gabriel de Malagrida, que fez a opção de se apresentar como "Ca boclo". Seguido a essa manifestação, apresentou-se o Preto-Velho Pai Antônio, e ambos chamaram falanges de Caboclos e Pretos-Velhos para trabalhar na Umbanda. Logo, "Caboclo" e "Preto-Velho" são formas de se apresentar escolhidas pelos espíritos que militam na Umbanda. Aqui está um fundamento básico da Umbanda: as entidades se organizam no astral em linhas e falanges identif**adas pela forma de apresentação, as quais guardam relação com os santos. Orixás e forças da natureza.
A música é um fundamento de Umbanda . A n o s s a m ú s i c a sagrada é chamada de "pontos de Umbanda". Para executá-la, não é obrigatório o uso de atabaques, mas a cada dia vemos mais terreiros aderindo ao som dos atabaques que, quando bem tocados, auxiliam nos trabalhos espirituais. O som grave da percussão de couro, ou similar, trabalha o nosso chacra básico e a energia da terra, o que ajuda o mé dium a sintonizar com uma força primordial e desacelerar um pouco a cabeça. Voltando-se à terra, a mente para um pouco de pensar e atrapa lhar o processo mediúnico.
O uso de símbolos riscados no chão é um fundamento mági co da religião de Umbanda, magística por excelência. São os "pontos riscados", por meio dos quais as entidades espirituais traçam "espaços mágicos", abrem vórtices de energia e campos de vibração para lim peza, descarga, cortes de energia, imantação, consagração e também para evocar as forças, poderes e mistérios dos Orixás. Essa "Magia de Pemba" é presente desde o nascimento da religião e constitui um vasto campo de estudos, polêmicas e realizações. Existem muitas formas de grafias e escritas mágicas. Os guias de Umbanda têm uma forma par ticular de escrever sua magia, por meio de um giz mineral chamado de “pemba”.
O uso das velas também e um dos fundamentos de Umbanda; por mais simples que seja o trabalho espiritual, sempre existe no míni mo uma vela acesa. Acendemos velas para os Orixás e Guias de Um banda. A vela potencializa e perpetua os pedidos e orações dos adeptos das religiões. Muitos têm medo de acender velas em suas residências, no entanto, o umbandista sabe que, quando uma vela tem "dono" espiritual, nada de' mal pode ser desencadeado por meio dela, pois a força a que ela está ligada sempre se manifestará para proteger o fiel umbandista.
Entre o uso de velas está também um fundamento simples e muito presente na Umbanda, a vela para o "anjo da guarda". Cos tuma-se acender uma vela de sete dias para o anjo da guarda como forma de proteção do praticante de Umbanda. Anjo da Guarda é um mistério de Deus voltado à nossa proteção. Ter sempre acesa uma vela traz segurança mediúnica e proteção espiritual, que se estende ao campo emocional do médium. Claro que, como todas, é uma proteção que depende do merecimento e da postura desse médium diante da vida e de seu círculo de relacionamentos.
A defumação é um fundamento de Umbanda e consiste em queimar ervas secas e resinas, devidamente escolhidas, em um reci piente, turíbulo, contendo carvão em brasa, com objetivo de promover uma limpeza astral por meio da fumaça aromática e sua ação mágica.
O fumo é um fundamento de Umbanda, que muitos confundem com o vício de fumar. As entidades de Umbanda manipulam o fumo, uma erva sagrada, nas formas mais variadas, como charuto e ca****bo, promovendo uma defumação direcionada pelo sopro associado a seu poder curativo e purif**ador.
As bebidas são fundamentos de Umbanda. Assim como o fumo, confunde-se a manipulação de bebidas com o vício de beber. As entida des de Umbanda não precisam beber, elas usam a bebida como recurso de limpeza e purif**ação. As bebidas são consagradas pelas entidades e também podem ajudar na criação de um ambiente e um contexto que sejam familiares ao consulente.
Banhos de ervas são um fundamento de Umbanda. Um dos recursos mais utilizados por guias e médiuns de Umbanda é promover uma limpeza espiritual e energética pessoal com banhos feitos à base de infusões de ervas com propriedades que vão desde atrair uma força até a neutralização de energias negativas.
Oferendas na Natureza são fundamentos de Umbanda. Muitos desses fundamentos são práticas milenares, como o caso das oferendas às divindades em seus pontos de força na natureza. Por meio das oferen das, o praticante reconhece a importância do contato com a natureza e a relação da mesma com os Orixás. As divindades não se alimentam das oferendas. Esse ato de ofertar traz efeitos emocionais aliados a ações mágicas que realizam verdadeiras transformações na vida daqueles que se colocam de frente para as divindades, com respeito, humildade, de voção e reverência.
As "sete linhas de Umbanda'' são um fundamento muito polê mico e discutido desde os primórdios da religião, pois cada um cria ou inventa suas sete linhas de Umbanda particulares. No entanto, basta sa ber que o fundamento das sete linhas se refere às sete vibrações de Deus, que são sete energias básicas na criação. Existem muitos Orixás, muito mais do que sete. Cada grupo adapta as sete linhas para os Orixás que já conhece. Com um estudo mais aprofundado, é possível identif**ar todos os Orixás conhecidos nas mesmas sete vibrações, as sete linhas de Umbanda. Certa vez, um guia me falou: "Filho, quando lhe pergun tarem o que são as sete linhas de Umbanda, diga que são as sete formas que Deus tem de nos Amar".
Sacrifício animal não é um fundamento de Umbanda, o que quer dizer que para se praticar Umbanda não é necessário fazer sacri fício animal, e que a grande maioria dos terreiros de Umbanda não pratica o sacrifício animal. As práticas de sacrifício surgem, em alguns seguimentos de Umbanda, por influência do Candomblé e de outros cul tos de nação. Geralmente, os terreiros que adotam sacrifícios animais se denominam como tendas de "Umbanda Afncanista", que podem ser chamadas também de "Umbanda Mista", "Umbanda Trançada", "Um banda Omolocô", ou "Umbandomblé". Este último pode se aproximar dos terreiros de Candomblé que passaram a trabalhar com entidades de Umbanda (Caboclos, Pretos-Velhos, etc.), ou vice-versa. Nesse caso, é difícil definir se é Umbanda ou Candomblé, embora sejam duas religi ões distintas e com diferentes fundamentos.
Quanto ao ritual, é bem simples e musicado, na maioria das ve zes segue uma seqüência que pode variar um pouco, mas que em geral f**a nesta ordem: oração, saudação à esquerda, bater cabeça, abrir corti na (quando tiver), defumação, hino da Umbanda, abrir a gira, saudação às sete linhas, saudação aos Orixás e guias chefes da casa, chamada de Orixás ou guias que darão sustentação ao trabalho e chamada da linha de entidades que dará atendimento (passe e consulta); ao final dos aten dimentos, ocorre a subida das entidades, podendo, ou não, ter de'scarrego dos médiuns com esta ou outra linha que venha para tal atividade. A Umbanda não tem verdades inquestionáveis (dogmas) nem assuntos proibidos ou interditados (tabus). No entanto, para falar de fundamentos é essencial ter conhecimento de causa, conhecer profun damente o assunto e, no caso da Umbanda, conhecer sua história, doutri na, teologia, liturgia, ritualística... Caso contráno, como diria meu amigo, irmão e mestre, Rubens Saraceni: "Tudo permanece no campo de uma ciência chamada achologia, um campo de incertezas e divagações". Desejo a todos uma boa leitura, agradeço ao amigo, irmão e mes tre a oportunidade de prefaciar esta obra e, mais ainda, agradeço aos Mestres da Luz, que o inspiram por mais esclarecimento e desmistif**ação acerca dos Fundamentos de Umbanda. (Alexandre Cumino é bacharel em Ciências da Religião, médium, dirigente, sacerdote de Umbanda preparado por Rubens Saraceni e ministrante dos cursos livres de Doutrina, Teologia e Sacerdócio de Umbanda Sagrada.)
Fundamentar algo é explicar seus fundamentos basilares, sua ori gem, suas razões e seu porquê. Fundamentar uma religião é demonstrar de forma lógica seus alicerces divinos; no que ela se baseia; do que ela se originou; o que justificou sua criação e por que precisou ser criada em meio a tantas outras religiões então existentes. Isso é possível de ser feito? E, desde que quem se propõe a fazêlo dissipe-se de preconceitos e dogmas religiosos alheios, e tenha um conhecimento profundo, tanto do seu lado visível ou exotérico quanto do seu lado invisível ou esotérico. O lado visível e exotérico é o lado aberto a todos os seguidores, e mostra o que todos veem. Já o lado invisível e esotérico é o lado fechado ou oculto e só é visível, perceptível e compreensível para uma minoria conhecedora dos mistérios divinos que fluem de "dentro para fora" da religião, dando sustentação aos seus ritos e impondo-lhe uma dinâmica própria que a diferencia de todas as outras religiões existentes. Portanto, comentar os fundamentos de uma religião não é uma ta refa fácil, e quem se propõe a tanto deve estar bem assistido no lado in visível da Criação, onde estão assentados os poderes divinos que fluem como mistérios do nosso divino Criador, e deve ter um profundo conhe cimento dos dois lados da religião, senão não alcançará os objetivos a que se propõe. Já venho sendo instigado há vários anos pelo tema "Fundamen tação", e em alguns livros já foi mostrado alguns dos fundamentos da Umbanda, mas sempre de forma velada.
Há vários anos, os meus mentores vêm me cobrando um livro des sa natureza e sempre me esquivei alegando que ainda não estava prepa rado para tanto e, apesar de eles dizerem que me assistiriam do começo ao fim de um livro de fimdamentos, eu sempre deixava o assunto para outra ocasião. Mas, agora, com tantos anos de estudos e práticas umbandistas, com 56 livros publicados, com 16 anos de ensino doutrinário, teoló gico e sacerdotal umbandista, já com 13 anos de ensino da "Magia Di vina" e conhecedor dos 21 graus dela e dos seus fundamentos divinos, creio estar embasado para iniciá-lo e levar a bom termo esta obra essen cial à compreensão e ao conhecimento profundo do que fundamentou a Umbanda e lhe dá sustentação em todas as suas práticas, ritos e liturgia. Tenho certeza de que serei bem assistido e levarei a bom termo mais este compromisso com os espíritos mentores de Umbanda.
Fundação: 1. ação ou efeito de fundar; 2. alicerce. O ato de fundação da Umbanda já foi comentado muitas vezes pelos mais diversos autores e comentaristas umbandistas, mas não cus ta reavivar a memória do leitor fazendo aqui um comentário livre, mas verdadeiro. Pai Zélio Fernandino de Moraes, quando ainda jovem e com apro ximadamente 18 anos, por estar passando por uma fase difícil por causa de sua mediunidade, foi levado a um Centro Espírita Kardecista, e du rante os trabalhos espirituais foi possuído (incorporado) por um espí rito altaneiro que a todos surpreendeu pela sua desenvoltura e gestos. E, quando instado a apresentar-se, revelou-se um Caboclo (mistura de índio e português) de nome Caboclo das Sete Encruzilhadas. Educadamente, foi convidado a retirar-se, porque aquela era uma sessão espírita kardecista de estudo e prática do Espiritismo, dentro da qual ele não podia permanecer por ser um espírito de índio, com pouca evolução. Lembre-se de que o Espiritismo do início do século XX era elitis ta, objeto da curiosidade de muitas pessoas e era zeloso sobre os espíri tos que baixavam em suas sessões. Espíritos de ex-médicos, autoridades, filósofos, professores, mi litares de alta patente, sacerdotes e mais algumas classes sociais eram bem-vindos. Mas, espíritos de ex-índios, ex-escravos, de mestiços sem referencial de nobreza, ex-prostitutas, ex-"bandidos" e mais algumas "subclasses" sociais, quando baixavam nas reuniões, eram convidados a se retirar, porque ali, nas sessões de estudos e de práticas, não era o lugar deles.
O Caboclo das Sete Encruzilhadas concordou em retirar-se, mas avisou os presentes que no dia seguinte (16 de novembro de 1908), às 20 horas em ponto, incorporaria em seu médium Zélio e, na sua casa, iniciaria uma nova religião. Dito e feito! No dia 16 de novembro de 1908, já com um bom número de pessoas curiosas e com o ambiente doméstico "espiritual mente" preparado, eis que às 20 horas em ponto o Caboclo incorporou no jovem Zélio Femandino de Morais, apresentou-se como Caboclo das Sete Encruzilhadas e disse aos presentes que tinha vindo para fundar uma nova religião, denominada Umbanda, e que nela todos os espíritos que quisessem evoluir teriam a oportunidade para tanto. "Com os espíritos mais evoluídos aprenderemos. Aos mais atrasa dos ensinaremos. E a nenhum renegaremos". Foram essas as palavras do Caboclo, que também disse isto nessa manifestação histórica: "Me chamo Caboclo das Sete Encruzilhadas porque, para mim, todos os ca minhos (que levam a Deus) estão abertos!". Mais coisas foram ditas nessa primeira e genuína "sessão espírita de Umbanda". E muitas coisas foram feitas ali pelo Caboclo que, incor porado em seu médium Zélio Femandino de Moraes, curou doentes e pessoas obsedadas; deu orientações aos desorientados, cortou deman das, etc., realizando nessa primeira reunião umbandista um pouco de tudo que até hoje é feito na Umbanda pelos guias e médiuns que vieram depois, confirmando as palavras proféticas do Caboclo das Sete Encru zilhadas. Depois incorporou o espírito de um ex-escravo, um velho benzedor ou curandeiro que se apresentou como Pai Antonio. E, posteriormente, outros espíritos foram se apresentando, com todos eles afirmando ser "Guias Espirituais de Umbanda". Bom, pelo relato acima, livre, mas verdadeiro, porque foi assistido e posteriormente confirmado por todos os que assistiram à fundação da Umbanda, já é possível ter-se uma idéia da grandeza da nova religião, fundada justamente para acolher em seu seio todos os espíritos e as pessoas excluídas, as minorias, os segregados, os rejeitados, os menos favorecidos e também os mais abnegados trabalhadores dos dois lados da vida, uma vez que a Umbanda acolhe, com amor e respeito, tanto os espíritos quanto as pessoas que querem uma oportunidade para poder evoluir por meio da mediunidade.
SARACENI, Rubens. Saraceni, Rubens Fundamentos Doutrinários de Umbanda / Rubens Saraceni. São Paulo : Madras, 2012.