30/04/2021
Podemos admitir que estamos todos enfrentado um luto coletivo, embora essa experiência seja diferente para cada um agora. Muitos perderam seus familiares, amigos, emprego, o direito básico à alimentação ou até pequenos prazeres que também dão muito sentido à vida. Essa experiência de privação e luto servem também para refletir sobre a própria vida. A que estamos levando, desde antes da pandemia — utilitarista, exaustiva e massacrante — nos torna objetos passivos, esvaziados de sentido, dejetos de uma engrenagem extrativista e predatória, que se sustenta a partir da força de trabalho de cada um. Quem lucra com tudo isso? Poucos. O curioso é notar que certa parcela das pessoas que também sofrem os efeitos dessa lógica cruel tende a se identificar mais com os opressores do que com a sua própria condição de oprimido. Isso explica como essa máquina se mantém viva a despeito do sofrimento da maioria e aprofundamento das desigualdades. Os explorados mais favorecidos seguem explorando os menos privilegiados. Essa não é também a história do nosso país? Ainda não tivemos coragem e força suficientes para enfrentar nossos fantasmas e esse é outro luto que se vive desde a fundação do Brasil, um país que já nasceu explorando e matando os seus. Essa lição vale também para cada um de nós. A experiência de luto nos coloca frente à nossas dores mais antigas, mas talvez estejamos alguns passos atrás, sem sequer nos permitir enlutar, agarrados à ilusão de uma felicidade plástica e perene. Não vive plenamente quem não se confronta com a certeza da morte. Enlutar não é entregar os pontos e afundar em tristeza, é assumir que a perda e a finitude são também parte natural da vida.
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