18/04/2021
𝑶 𝒏𝒂𝒓𝒊𝒛 𝒑𝒆𝒓𝒂𝒏𝒕𝒆 𝒐𝒔 𝒑𝒐𝒆𝒕𝒂𝒔
“Cantem outros os olhos, os cabelos
E mil cousas gentis
Das belas suas: eu de minha amada
Cantar quero o nariz
Não sei que fado mísero e mesquinho
É este do nariz
Que poeta nenhum em prosa ou verso
Cantá-lo jamais quis.
Os dentes são pérolas,
Os lábios rubis,
As tranças lustrosas
São laços sutis
Que prendem, que enleiam
Amante feliz;
É colo de garça
A nívea cerviz;
Porém ninguém diz
O que é o nariz
Beija-se os cabelos,
E os olhos belos,
E a boca mimosa,
E a face de rosa
De fresco matiz;
E nem um só beijo
F**a de sobejo
Pro pobre nariz;
Ai! pobre nariz,
És bem infeliz!
Entretanto - notai a sem-razão
Do mundo, injusto e vão: -
Entretanto o nariz é do semblante
O ponto culminante;
No meio das demais feições do rosto
Erguido é o seu posto,
Bem como um trono, e acima dessa gente
Eleva-se eminente.
Trabalham sempre os olhos; mais ainda
A boca, o queixo, os dentes;
E - míseros plebeus - vão exercendo
Ofícios diferentes.
Mas o nariz, fidalgo de bom gosto,
Desliza brandamente
Vida voluptuosa entre as delícias
De um doce far-niente.
Sultão feliz, em seu divã sentado
A respirar perfurmes,
De bem-aventurado ócio gozando,
Não tem inveja aos numes.
(... )
E tu, pobre nariz, sofres o injusto
Silêncio dos poetas?
Sofres calado? não tocaste ainda
Da paciência as metas?
Nariz, nariz, já é tempo
De ecoar o teu queixume;
Pois, se não há poesia
Que não tenha o seu perfume,
Em que o poeta à mãos cheias
Os aromas não arrume,
Por que razão os poetas,
Por que do nariz não falam,
Do nariz, pra quem somente
Esses perfumes se exalam?
Onde, pois, ingratos vates,
Acharíeis as fragrâncias,
Os balsâmicos odores,
De que encheis vossas estâncias,
Os eflúvios, os aromas
Que nos versos espargis;
Onde acharíeis perfume,
Se não houvesse nariz?
Ó vós, que ao nariz negais
Os foros de fidalguia,
Sabei, que se por um erro
Não há nariz na poesia,
É por seu fado infeliz,
Mas não é porque não haja
Poesia no nariz.
(...)
E hoje tu deves
Te dar por feliz
Se este versinhos
Brincando te fiz.”
𝒜𝓊𝓉𝑜𝓇: 𝐵𝑒𝓇𝓃𝒶𝓇𝒹𝑜 𝒢𝓊𝒾𝓂𝒶𝓇𝒶𝑒𝓈
Rio de Janeiro, 1858