28/03/2022
Valor Anarquista - provocação sobre o valor em psicanálise
A proposta de que se pague quanto puder e quando puder, mesmo ecoando a famosa frase de Marx na Crítica ao programa de Gotha, "a cada um segundo suas capacidades e necessidades", deve soar no mínimo estranha. Afinal, psicanálise é cara. Já se disse muito sobre o sentido dessa palavra "cara", significado que oscila entre o preço alto e a afeição. Também muito se falou sobre a distância e a diferença entre quanto analistas querem receber e quanto as pessoas podem pagar, o que torna relativo esse "caro". Quanto a nós, é uma opção ética e política, mas também investigativa. Ainda que por limitações nossas não consigamos retirar um pagamento da jogada, seja ele qual for, queremos testar uma ideia de psicanálise e confrontar uma política vigente, uma situação bem clara a todos hoje em dia: que a psicanálise seja coisa de rico. Uma certa teoria sobre a psicanálise parece ter tornado esse tipo de empreitada um tabu, ainda que hoje isso esteja se tornando algo mais palatável a pessoas de gosto refinado. O dito "valor social" parece melhor aceito, mas já carrega em si mesmo todo o peso da caridade, ou pior, do dó. E o fantasma psicanalítico retorna: se não cobrarmos caro, cultivamos algum tipo de má gratidão ou pagamos nós mesmos muito caro, carregando as cartas roubadas de nossos pacientes, expondo nossos próprios corpos, nossa carne à influência nefasta do que repete e insiste neles, assumimos a morte que assombra aquele que nos fala, tratamos, mas adoecemos no processo? Ainda que não nos coloquemos numa economia da dádiva e atuemos de forma limitada, mantendo um terceiro destacável, mediação entre analista e aquele que se dirige a ele, o pagamento, o que vemos nesse quase um ano de atividades do Lapsis é que as análises não são nem piores nem melhores que aquelas realizadas em nossas clínicas privadas. A gratidão e a resistência à elaboração surgem como em qualquer lugar, às vezes com as roupagens oferecidas pela situação; e não carregamos mais fantasmas alheios que de hábito. O que, invertendo toda a questão, apontaria talvez para o fato de que, então, recebemos pouco em qualquer circunstância, chegando ao absurdo de que nunca receberíamos o suficiente. Isso, no entanto, seria confundir aquilo que é da ordem do nosso fazer com a questão do dinheiro no regime de produção em que vivemos. Que o trabalho analítico seja possível e que a psicanálise possa responder ao seu tempo, ser questionada por ele é a nossa opção política.