26/06/2021
O PODER DO TOQUE – II
O CONTATO PARTILHADO
“ Tocar pode significar dar vida”, dizia o mestre renascentista Michelangelo Buonarroti. Na célebre pintura do artista italiano, no teto da Capela Cistina, no Vaticano, A Criação de Adão, Deus insufla vida ao primeiro homem tocando seu dedo indicador. Para os cientistas, entretanto, o toque nunca havia despertado muito interesse. Uma tapinha nas costas ou uma carícia no braço são, em geral, colocados na relação de gestos incidentais como franzir a testa ou apoiar o queixo na mão. Na verdade, não são.
Estudos recentes demonstram que o toque é muito mais importante do que se imagina. Ele é fundamental, por exemplo, na comunicação humana, no estreitamento de relações e na saúde. “(O toque) é a primeira linguagem que aprendemos e nosso mais rico meio de expressão emocional através da vida”, diz o norte-americano Dacher Keltner, professor de psicologia da Universidade da Califórnia, Berkeley, um dos mais renomados pesquisadores da área.
O antigo menosprezo em relação ao toque provavelmente tem raízes no modo como cada cultura o vê. Os primatas passam entre 10% e 20% de seu tempo de vigília afagando a pele ou os pelos de outros membros de sua comunidade, porque o exercício é um meio importante para construírem relacionamentos de cooperação. Entre os parentes humanos, porém, esses índices são bem mais variáveis. Norte-americanos e ingleses, por exemplo, quase não se tocam, enquanto povos de origem latina, como brasileiros e italianos, tocam-se muito.Nos anos 1960, o psicólogo canadense Sidney Jourard já salientava essas diferenças ao estudar conversas entre amigos de várias partes do mundo.Animais lambidos e acariciados pelas mães, na infância, se mostram mais calmos e resilientes diante de fatores de estresse na fase adulta, além de exibirem um sistema imunológico mais forteOs ingleses que ele observou, por exemplo, não se tocaram nenhuma vez; os norte-americanos, duas. Já os franceses tocaram um ao outro 110 vezes por hora e os porto-riquenhos, 180 vezes por hora. Em inglês, a recorrente expressão “don’t touch me” (não me toque) é considerada um indicador do caráter reservado dos anglo-saxônicos.
Não tocar o outro ou tocá-lo pouco não impede, é claro, as sociedades de atingirem um estágio adiantado de desenvolvimento, como a inglesa e a norte-americana são exemplos. Mas a ciência moderna mostra que o toque é muito benéfico – algo observável já no início da vida. Segundo um estudo da médica norte-americana Tiffany Field, diretora do Instituto de Pesquisas do Toque da Universidade de Miami, bebês prematuros que receberam três sessões diárias de 15 minutos de massagem terapêutica (o processo pelo qual vários tipos de toques e carícias são aplicados no corpo para melhorar a saúde e aumentar o bem estar), por um período de cinco a dez dias, ganharam 47% de peso a mais do que aqueles cujo tratamento seguiu o roteiro tradicional.
Toque divino: detalhe de A Criação de Adão, pintura de Michelangelo no teto da Capela Sistina, no Vaticano, em Roma.
Uma pesquisa com ratos, feita pela psicóloga norte-americana Darlene Francis e pelo psiquiatra canadense Michael Meaney, revela que os animais muito lambidos e acariciados pelas mães, na infância, se mostram mais calmos e resilientes diante de fatores de estresse na fase adulta, além de exibirem um sistema imunológico mais forte.Segundo Keltner, é bem possível que esteja aí a explicação de por que os bebês humanos deixados em orfanatos e privados de contato físico não atingem as medidas esperadas de altura e peso e apresentam problemas comportamentais ao longo da vida. “Contato físico insuficiente durante o crescimento pode estar relacionado ao risco de depressão em idade adulta”, reforça o neurocientista inglês Francis McGlone.O poder calmante do toque foi documentado num estudo com mulheres conduzido pelos neurocientistas norteamericanos James Coan, Richard Davidson e Hillary Schaefer, da Universidade da Virgínia. As participantes foram colocadas num aparelho de ressonância magnética funcional e, avisadas de que ouviriam uma explosão seguida de “ruído branco” (tipo de barulho produzido pela combinação simultânea de sons de todas as frequências), apresentaram uma atividade intensa nas áreas do cérebro relacionadas a ameaça e estresse. Nada disso aconteceu, entretanto, com as participantes cuja mão era segurada por seu parceiro. O toque parece ter desativado a reação de medo nessas voluntárias. As massagens feitas entre os membros de um casal podem render ainda mais dividendos, segundo estudos de Tifany Field. Além da redução da dor, as vantagens incluem o alívio da depressão e o fortalecimento dos laços afetivos.
Uma pesquisa da Universidade da Califórnia, Berkeley, conduzida pelo nor te-americano Matt Her tenstein (hoje professor de psicologia na DePauw University) e com a participação de Keltner, investigou se os humanos podiam comunicar claramente emoções, como a compaixão, por meio do toque. Os pesquisadores montaram no laboratório uma divisória que separava dois voluntários, um desconhecido do outro. Enquanto um deles punha seu braço num espaço específico aberto na divisória, e aguardava, a pessoa do outro lado recebia uma lista de emoções, que devia transmitir uma a uma por meio de um toque de um segundo no antebraço do parceiro.
Segundo Keltner, dado o número de emoções em exame, as probabilidades de adivinhar a alternativa certa pelo acaso eram de cerca de 8%. “Mas, notavelmente, os participantes adivinharam a compaixão corretamente, cerca de 60% do tempo”, disse. Gratidão, raiva, amor e medo também tiveram índices de acerto acima dos 50%. Percebeu-se ainda que as pessoas não apenas identificam a gratidão, a compaixão e o amor transmitidos pelo toque como podem também diferenciar os tipos de toque usados com essa finalidade.
“Costumávamos pensar que o toque servia apenas para intensificar as emoções comunicadas”, afirmou Hertenstein. “Agora, nós o vemos como um sistema de sinalização muito mais diferenciado do que havíamos imaginado. ” Esse e outros estudos levaram Keltner a concluir que o toque é uma linguagem primordial da compaixão e uma ferramenta básica para disseminá-la.
Toques solidários com as mãos, abraços e peitadas são frequentes entre os campeões de basquete do Los Angeles Lakers.
Responsabilidade partilhada
Quando relaxadas, as áreas pré-frontais do cérebro tornamse liberadas para executar uma de suas funções primárias: a resolução de problemas. Segundo o psicólogo norte-americano James Coan, da Universidade da Virgínia, o toque que sugere apoio leva o cérebro a trabalhar nesse sentido, por ser entendido pelo corpo como a informação de que alguém está ali para ajudar. “Pensamos que os humanos constroem relacionamentos precisamente por essa razão, distribuir a resolução de problemas pelos cérebros”, afirmou Coan ao jornal The New York Times. “Estamos conectados para literalmente partilhar a carga de processamento. Esse é o sinal que obtemos quando recebemos apoio por meio do toque.”
Edição 466 - Julho/2011 –Revista Planeta.
Instituto do toque Miami - 2005
Universidade da Virgínia -2004