22/07/2025
São poucas as pessoas que não viveram — ou não viverão — a experiência do abandono. Ele atravessa a trajetória humana, deixando marcas que atravessam o tempo. Não é necessário ter sido literalmente deixado para se sentir abandonado: o abandono é uma ferida subjetiva, aberta por alguém em quem se depositou amor, confiança e desejo.
📚 Na psicanálise, o abandono toca a constituição do sujeito. Freud, em Luto e melancolia (1917), ressalta que a perda de um objeto amado — seja pessoa, ideia ou posição simbólica — pode desencadear dor psíquica profunda. Já Lacan nos lembra que o sujeito se estrutura a partir do desejo do Outro, em uma lógica de falta e castração simbólica — ser abandonado por alguém amado mobiliza essa falta imaginária.
A diferença entre a falta constitutiva e o abandono concreto é fundamental: enquanto a primeira faz parte da estrutura subjetiva, o segundo é violência, o rasgo da carne psíquica.
O abandono pode se manifestar de várias formas: uma ruptura amorosa abrupta, a ausência de um genitor, a partida de um filho, ou a omissão de cuidado diante da dor. Onde houve amor — e ocorre uma saída sem responsabilidade emocional — permanece a marca do abandono.
📰 O caso da cantora Preta Gil escancara esse fenômeno. Durante seu tratamento contra o câncer, houve ausência não apenas física, mas afetiva: traições, descaso, negligência emocional. É uma ferida que se soma à doença, e não um caso isolado.
📉 Um dado contundente: cerca de 70% das mulheres diagnosticadas com câncer de mama enfrentam o abandono ou término do companheiro durante o tratamento. Em muitos casos, o diagnóstico é seguido de traição, negligência ou afastamento afetivo. Em contrapartida, o abandono masculino por mulheres nesses contextos é raríssimo. Isso revela o quanto o amor, para muitas mulheres, tem sido vivido como um lugar de cuidado, enquanto para muitos homens ainda é um espaço de conforto e conveniência.
🩺 Esse fenômeno é mais frequente entre mulheres em situação de vulnerabilidade — emocional, física ou financeira — especialmente em contextos como abortos, diagnóstico psiquiátrico, amputações ou maternidade. (continua nos comentários...)