09/07/2021
INVEJA
"A inveja ocupa lugar nada invejável entre as emoções. Provoca sofrimento, vergonha e desconforto e, em geral, temor em quem se percebe como seu alvo. De intensidade excessiva e virulência destrutiva, associa-se a carências que ninguém gosta de mostrar.
Parece que nela estão em ação movimentos obscuros que deixam o sujeito à mercê de forças que agem dentro de si elhe são desconhecidas, mas de cuja existência tem notícias pela forte comoção que provocam. Intuimos que a inveja nos arrebata como força centrípeta para algo visceral de nós mesmos, mas qe permanece de difícil acesso no âmbito da nossa consciência. Embora como modalidade de emoção se apresente de forma mais ou menos discreta em sua expressividade corporal, não passa despercebida em suas complexas sutilezas ao interesse atento de um observdor.
Não é à toa que, quando sentimos sobre nós o olho gordo", de imediato mobilizamos uma atitude de proteção em relação a algo valioso. Essa expressão pop**ar exprime um atributo fundamental da inveja que é a sua relação proeminente com o olhar, elemento que remete às suas raízes etimológicas.
A palavra ïnveja"se origina do latim invidia, proveniente do verbo invideo, que significa olhar de modo malévolo, lançar mau-olhado.
A Bíblia está repleta de referências sobre essa emoção tão pejorativa, chamando a atenção para seus aspectos negativos, perigosos e avassaladores.
Com a importância que lhe cabe em nossa vida emocional, a inveja faz parte do patrimônio de reflexão de filósofos e teólogos da cultura ocidental e tem sido objeto de interesse da literatura desde suas origens.
Da mitologia vale a pena resgatar a descrição da inveja feita por Ovidio nas Metamorfoses, na narração do mito de Aglauros, irmã mais velha de Hersé. A história rlata que o deus Hermes se encantou pela beleza da mais nova e em troca de um punhado de moedas de ouro esperava que Aglauros o auxiliasse a se aproximar da amada. É então que a deusa Palas Atena, para quem era inconcebível que uma mortal fosse recompensada por um deus, planeja uma vingança terrível, ordenando à inveja que fosse ïnfectar com sua baba a jovem Aglauros". Escreve Ovídio nessa impressionante passagem:
"A inveja habita no fundo e um vale onde jamais se vê o Sol. Nenhum vento o atravessa; ali reinam a tristeza e o frio, jamais se acende o fogo, há sempre trevas espessas(...). A palidez cobre o seu rosto, seu corpo é descarnado, o olhar não se fixa em part alguma. Tem os dentes manchados de tártaro, o ventre esverdeado pela bile, a língua úmida de veneno. Ela ignora o sorriso, salvo aquele que é excitado pela visão da dor(...) Assiste com despeito ao sucesso dos homens e esse espetáculo a corrói; ao dilacerar os outros, ela se dilacera a si mesma, e este é o seu suplício."
O texto evidencia os aspectos amedrontadores e corrosivos da inveja e permit vislumbrar seu "verde-bile"na forma de uma gosma desagradável. Também destaca seu elemento sá**co, na fruição do prazer pela visão da dor alheia e pelo "suplício" que é dilacerar-se a si e ao outro num movimento interminável.
Na Divina Comédia, Dante Alighieri faz da inveja alvo de apurada descrição em uma variedade de situações. É o caso da fala de Peer delle Vigne, no Canto XIII do ïnferno", que condenado a se trnasformar m árvore, se refere à traição de que fora vítima em função dos invejosos de sua proximidade com o soberano:
"Porém a inveja, meretriz que do trono dos césares não desvia o torvo olhar, peste e vício dos palácios acendeu contra mim o ódio do mundo e desse fogo inflamou o imperador, o qual, retirando-me as honras, de mágoas me recobriu."
Esse trecho permite-nos destacar três pontos interessates: o papel do olhar na inveja e a conotação de "peste e vício", frequente nas reflexões de cunho religioso. Esse tipo de entendimento sobre essa emoção a coloca, de um laado, como um movimento de certa forma compulsivo quwe arremessa o sujeito de modo incontrolável em direção a seu alvo e o faz presa de uma rede emocional complexa; de outro lado, estabelece uma ideia surpreendente de uma espécie de "contágio". É assim que pode "corromper"seu entorno, o que se associa facilmente ao aspecto venenoso que a ela se atribui. Finalmente sua relação com o ódio nos adverte para o enredamento das emoções, elas se afetam umas às outras e, em geral, não emergem de modo isolado.
Esse aspecto também pode ser observado em Otelo, do dramaturgo William Shakespeare. Se o ciúme é o elemento fundamental nessa tragédia, que leva ao assassinato da amada, este se origina da inveja de Iago, que não suporta testemunhar o prazer e o poder do outro em seu posto militar e em seu amor por Desdêmona. A inveja provoca uma rede incomensurável de intrigas e mentiras que alimentam o ciúme, mobilizador do desfecho.
Além disso, estar entre os "sete pecados capitais"não é pouca coisa; assim se destaca sua tonalidade negativa e moralmente desprestigiada, tndo em visata os valores da doutrina cristã. Mas, acrescida de um porém, completa o jornalista Zuenir Ventura em seu livro Mal Sexreto-inveja: é "um sentimento inconfessável e tão insidioso que faz com que os outros seis pecados pareçam até invejáveis". Pode-se controlar a cobiça e acalmar a ira. Seria possível sublimar a luxúria e saciar a gula; o orgulho não chega a ser mortal e a preguiça não é um estado irreversível. Mas a inveja, não ela é inesgotável, um eterno descontentamento consigo mesmo."
Como podemos concluir, a inveja é uma emoção crucial, abominável em todos os sentidos.