30/03/2020
Orientações aos pais durante a quarentena
Como dizia Raquel de Queiróz: ”Cada coisa tem sua hora, e cada hora, o seu cuidado”.
Estamos vivendo tempos de rara excepcionalidade. Uma experiência sem precedentes, que deixará marcas em diversos setores de nossas vidas. É fundamental que possamos transpor esta fase com os devidos cuidados com a nossa saúde, dos nossos e de todos à nossa volta. É preciso traduzir também, neste cenário, os aspectos emocionais que envolvem as famílias com crianças, de todas as idades, para que possamos sair desta fase mantendo também nossa saúde mental.
Nestes tempos de incertezas em nossa comunidade, assim como globalmente, ficamos preocupados em como as crianças estão vivenciando os níveis de ansiedade à sua volta. Como estariam se sentindo? Quanto eles entenderiam sobre a extensão das mudanças que estão acontecendo, à sua volta, na sua família, na sua rotina, na sua cidade, em seu país, no mundo? Cada criança vivencia isso de acordo com sua idade e alcance das informações, mas não há quem passe alheio ao que se passa neste momento, nem mesmo um bebê de colo, que alcança níveis de percepção sensoriais para além do imaginado.
Em geral, as crianças e os adolescentes olham para seus pais, familiares e outras figuras de apego adultas para ter uma ideia do quão sério um evento é. Nestes dias, tenho ouvido pais e crianças online, que estão com seu senso de alerta totalmente voltados para compreender quão séria a pandemia é verdadeiramente, em meio a tantas informações que escutam ou assistem nos meios de comunicação, a que tiveram acesso nas escolas e através de todos os ensinamentos veementes de cuidados e higiene.
Vou aqui sugerir alguns cuidados com os pequenos e grandinhos neste primeiro momento de quarentena, que espero, os ajudem a aliviar.
• Considero importante que, seja em qualquer idade, falem com as crianças sobre estas mudanças na rotina; a cada situação peculiar de cada família, deixem claro como a nova rotina acontecerá para dar-lhes uma segurança. Naturalmente, novas mudanças sempre poderão acontecer, já que o futuro anda incerto, mas procurem não adicionar esta ansiedade; apenas lhes digam que confiem em vocês, que estarão sempre lhes falando as novidades para que saibam de tudo. Atribuam mente aos filhos, em qualquer idade!
• Não estamos em férias. Não escolhemos estar em casa sem ver nossos parentes e amigos, mas não estamos aprisionados. Estamos protegidos, em segurança. Trata-se de um momento peculiar, diferente mesmo; os pais têm que trabalhar, estão sem o apoio costumeiro das escolas, ajudantes em casa. Não se exijam tanto, nem exijam tanto das crianças. Como Winnicott dizia, este é o momento ideal para aprender a ser suficientemente bons.
• Dividam as tarefas. Em todas as idades, é possível colocar as crianças para colaborar com o espaço de casa. Além do senso de partilha, e de obter cada colaboração efetivamente neste momento, é mais uma atividade (embora alguns em certas idades não entendam assim neste momento), que muito vai lhes ensinar dali para a frente. Aproveitem para plantar algo que colherão positivamente quando isso tudo acabar.
• As crianças estão se aproveitando para achar que podem ficar muito mais tempo nos eletrônicos? Na Tv? Sem dúvida, sem tantas opções este é um efeito colateral que teremos desta pandemia. Já pararam para pensar que os recursos que hoje nos salvam, tecnológicos, para trabalhar, estudar, manter contato, entreter, são os mesmos que nos aprisionam em outros tempos? Então vamos tratar de inverter a cena. Equilíbrio e bom senso neste momento, as crianças vão usar um pouco mais, como todos nós neste momento para dar conta da nossa rotina remota; renegociem com sensatez com eles, entre as tantas outras coisas. Dormir o tempo todo não é saudável durante a quarentena, comer o tempo todo também não, o mesmo vale para os eletrônicos.
• Lembrem os grandinhos que a quarentena é obrigatória por responsabilidade, mas o isolamento é uma escolha, e neste momento, é a pior delas. Ficar imerso em jogos eletrônicos ou em conversas intermináveis de whatsapp não fará bem a ninguém neste momento. É preciso dosar cada tarefa e atividade para o período passe sem maiores sequelas.
• Limite exposição aos jornais e noticiários que podem ser extenuantes e levar as crianças a maior ansiedade. Isso não servirá para aliená-los. Filtrem e os informem adequadamente para sua idade.
• Aproveitem o tempo para conhecer como seu filho estuda, há muito o que se observar neste período.
• Fazer um simples diário da quarentena pode ser interessante para algumas crianças e para conversas entre pais e filhos. Deixem isso com eles, se tiverem idade suficiente.
• Falar com avós e parentes com frequência é como brincar todos os dias: salva psiquicamente. A vocês, às crianças e certamente vai fazer toda a diferença aos avós que estão no grupo de risco com incertezas ainda maiores.
• Os bebês e pequeninos irão alterar seus horários de sono. Tentem seguir a regrinha de pequenas sonecas para manter o bom humor e não virar a noite. Lancem mão das contações de histórias e deixem os livrinhos à mão, perto da cama.
• E por favor, não se esqueçam do ócio! É preciso comer com calma, tomar um banho relaxante, deixar brincar na água, parar quietos um pouco, largar o celular de lado, ouvir a família, fazer refeição juntos e fazer nada com o gato ou com o cachorro. Pode ser uma experiência melhor ou pior, dependendo de nossas escolhas também. Não adianta nada seguir a estrita rotina online escolar e pressionar demais as crianças neste momento. É possível que estejam dando apenas um passo atrás, para dar dois à frente em seguida. Os professores saberão organizar a recuperação deste período adiante; confiem nas escolas que escolheram criteriosamente.
• É possível que, a despeito destas orientações e outras tantas saídas criativas que as famílias inventem, através dos dias e semanas vocês acompanhem um incremento nos problemas de comportamento das crianças. Seja maior ansiedade, zanga, protestos por perderem sua “normalidade” poderão acontecer. É normal e esperado diante das circunstâncias. O que as crianças precisam é ser reassegurados que vai ficar tudo bem, se sentir amados e confortados nesta fase. Se precisarem de apoio psicológico, não hesitem em pedir.
Se eu posso deixar algo certo a vocês nestes dias difíceis, é isto: ao final disto tudo, a saúde mental de nossos filhos será muito mais importante do que suas habilidades acadêmicas. Como se sentirão durante este período vai ficar em suas memórias para além das 3 semanas de quarentena. Mantenham isso em mente, todos os dias.
Finalmente e não menos importante, este é um momento raro de se praticar a compaixão, o espírito de união e fraternidade. Demonstrem com exemplos e atitudes generosas com as pessoas, na medida em que surjam as oportunidades e desenvolverão empatia como nenhuma outra oportunidade fará pelos seus filhos e pelo bem da sua família.
Fernanda Roche
Mestre em Saúde Mental Infantil pelo Tavistock Centre – Reino Unido
Diretora Geral do Espaço de Desenvolvimento Criança em Foco
Psicóloga clínica especializada em crianças e adultos; orientação familiar e casal.
Supervisões clínicas com crianças
Orientação escolar
www.criancaemfoco.com.br
fernandasroche@gmail.com
(41) 996300364 – Espaço Clínico – Atendimento Online durante a quarentena.
Trabalhamos com crianças de zero a cinco anos, respeitando as fases do desenvolvimento individual, utilizando a Metodologia 1, 2, 3 e Já.