13/01/2022
“A filha perdida”
Alerta: contém spoilers e este é um filme que vale a pena ver.
Leda é uma professora universitária inglesa que vai passar suas férias sozinha na Grécia. Surpreendida pela chegada de uma família grande e um tanto intimidadora à praia em que ela está, logo sua paz é radicalmente interrompida pelo seu envolvimento paulatino nos dramas do grupo. Leda é capturada pela sedutora Nina, ao se identif**ar com a relação ambivalente que a moça desenvolve com a filha pequena. O drama principal se desenrola quando Leda, a despeito da falta de sentido desse ato, secretamente rouba para si a boneca da menina.
Os flashes que Leda tem desde o início desse encontro deixam claro ao espectador: há uma série de grandes culpas que a professora carrega em relação à própria maternidade de suas duas filhas. A protagonista do longa inspirado no livro de Elena Ferrante, no entanto, convoca em nós uma empatia inescapável. Sua história difícil com a maternidade é posta de antemão, ao mesmo tempo que o seu irrefutável amor pelas filhas. E isso é deduzível na medida em que conseguimos acessar seu próprio ponto de vista, a existência de uma mulher sedenta de ser mulher para além de apenas mãe, o descompasso entre os deveres parentais mal distribuídos entre homens e mulheres.
Quando ela rouba a boneca, remeteu-me a uma vontade de reparar sua maternidade falha, quando ela cuida e aninha a boneca com tanto esmero: a boneca da criança que a lembrava tanto de sua pequena Bianca. Ao mesmo tempo, havia o desejo de vingança daquela família poderosa e avassaladora. Talvez, poderíamos supor também a inveja da bela, jovem, desejada e apoiada Nina. Mas, por outro lado, Leda sabia da consequência de roubá-la. A sensação de perigo circunda todas as interações de Leda com essa família, que a observam e intimidam a todo o tempo. Soma-se a isso os maus presságios e pequenas hostilidades que o ambiente parece lhe apresentar: me fizeram pensar mesmo que, se havia uma motivação para o roubo da boneca, este necessariamente também passava por uma necessidade de pagar pela culpa que ela carregava pelos momentos em que não pode ser mãe para não desaparecer como mulher, como sujeito.
Mães são pessoas. Mulheres. Que querem viver outras coisas além da maternidade, e as crianças pequenas tornam isso muito difícil se você é a única figura que realmente se ocupa do cuidado delas. O processo de separação entre uma mãe e seu bebê é sôfrego, cansativo. Eu suporia que todas (ou quase) se deparam com a vivência de esgotamento em algum ponto. Passa, mas pra isso é preciso ser cuidada, ser apoiada, ser autorizada - e se autorizar - a retomar pra si a própria vida.