08/06/2018
O quarto: lugar onde seus filhos estão sendo “sequestrados”
Assisti a um vídeo em que o jornalista e pesquisador da relação da criança com a natureza Richard Louv tratava do Transtorno de Déficit de Natureza. Esse transtorno, grosso modo, significa a falta de contato da criança com o mundo real. Considerei a matéria muito interessante, de modo que resolvi desenvolver alguns questionamentos sobre esse assunto tão importante, que nos convida a parar um pouco e refletir.
Louv afirma que “estamos criando um ambiente para nossos filhos que, por definição, as crianças estão menos vivas”. Então, lembrei-me de muitos pais que recebo em meu consultório: pais completamente “perdidos”, agitados, nervosos. A maioria chega dizendo, quase invariavelmente: “Não sei mais o que fazer com esse menino(a).” Reclamam que os filhos não conversam, não obedecem, não se alimentam bem, não querem ir à escola, não desejam participar dos encontros da família, não visitam mais os primos, e tantas outras coisas mais.
Diante desse quadro assim delineado, há a pergunta que sempre faço a eles: “O que seu(sua) filho(a) gosta de fazer?” E a resposta é praticamente unânime: “Gosta de ficar no quarto jogando videogame, ou ao computador, ou usando o celular.” E complementam: “ Não sei o que aconteceu: montamos um lindo quarto para ele(a), do jeito que ele(a) pediu, com tevê, computador, tablet... compramos o último celular lançado, fazemos tudo por ele(a), e é assim que ele(a) tem nos tratado.”
Acontece que os pais estão permitindo que os filhos sejam “sequestrados” pelo quarto. Ou seja, “o cativeiro” dos filhos é montado pelos próprios pais, que acreditam que o fato de as crianças estarem em casa, embaixo do mesmo teto que eles seja garantia de que estão seguras, felizes, livres de qualquer intervenção maldosa. E mais: é aí que se dá o que os pais costumam chamar de “folga”. Por causa de seu exaustivo dia no trabalho a construção de vínculo afetivo é cada vez mais distante, o que tem sido um conveniente que na maioria dos casos têm custado bem caro, porque “abandonar” os filhos na “segurança” do quarto está fazendo com que os pais paguem um preço alto demais.
É nisso que os adultos se enganam: no lugar preparado e projetado por eles com todo o esforço e carinho é que os filhos “vão embora”, “perdem-se”. Essa é a trágica realidade que vive, hoje, a maioria dos pais, diante da concorrência dos videogames, das tevês e da internet, com seus mirabolantes jogos e programas que fazem com que os “pequenos” passem horas e horas entretidos nesse mundo virtual, totalmente fora da realidade. Mundo este que os deixa tão fascinados, que muita vezes acontece uma idolatria capaz de fazê-los achar que é possível viver a vida do personagem. E se o personagem consegue agir de forma irreal, eles igualmente acham que assim podem fazer... São incentivados ao consumo exacerbado, ao desperdício, à violência, à falta de limites, de referências e de relações de convivência efetiva, tornando-se pessoas irritadas, introspectivas, arredias, agressivas e infelizes, sem noção de como enfrentar o mundo real. E, o pior de tudo: esse quadro pode dar lugar à carência afetiva, de admiração, de consideração, de respeito pelo outro. Isso é o que desencadeia o processo que, nos dias atuais, tem gerado culpa, arrependimento e incapacidade em ambos os lados da relação familiar: pais e filhos.
Link do vídeo do Jornalista Richard Louv: https://www.youtube.com/watch?v=UBa06WUZ7a4
Kaligia Teixeira
Psicóloga CRP 13|7730