25/10/2025
O propósito e o peso do cuidado
(Entre o amor e o labor: por que a enfermagem ainda precisa provar seu valor)
“Quanto mais se fala em vocação, menos se fala em salário.” HOOKS, 2000
Um levantamento do Bureau of Labor Statistics dos Estados Unidos, publicado pelo The Washington Post, classificou a enfermagem entre as profissões mais gratificantes do mundo. O motivo? O “senso de propósito” que o ato de cuidar desperta.
À primeira vista, um elogio merecido. Mas há uma armadilha sutil aí: quando o cuidado é romantizado, o trabalho tende a ser invisibilizado.
O discurso do propósito
Ninguém pergunta se engenheiros se sentem realizados ao erguer pontes ou se economistas encontram propósito ao equilibrar planilhas.
Mas aos profissionais de enfermagem — profissão ainda majoritariamente feminina, moldada entre a devoção cristã e o dever maternal — exige-se que encontrem sentido até na exaustão.
O “dom” e a “vocação” se transformam em escudos poéticos que encobrem desigualdades concretas. O propósito, nesse contexto, funciona como uma forma de docilização — uma moralização do trabalho de cuidado.
O que se pede é reconhecimento
As lutas da categoria pelo piso salarial nacional, pela redução da jornada para 30 horas semanais e por condições dignas de trabalho são, antes de tudo, lutas por visibilidade.
O cuidado sustenta o sistema de saúde, mas ainda é tratado como extensão natural do corpo feminino — e não como trabalho especializado e essencial.
Cuidar não é dom: é trabalho
Desde Florence Nightingale e Ana Nery, a enfermagem moderna foi atravessada por discursos de abnegação.
Como observa Silvia Federici:
“O trabalho das mulheres, tanto o reprodutivo quanto o doméstico, foi naturalizado a ponto de se tornar invisível. FEDERICI, 2019.
Na enfermagem, essa invisibilidade assume forma institucional: o amor e a entrega são exaltados enquanto as condições reais de trabalho permanecem precárias.
bell hooks nos alerta:
“Quando o amor é usado como instrumento de dominação, ele deixa de ser amor.” HOOKS, 2000.
O problema não é amar o que se faz, mas ser coagido a aceitar a exploração em nome do amor.
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