01/05/2018
Fechando o Ciclo.
Seu corpo estava fraco e cansado. Ela sentia uma necessidade maior de repousar, pois entendera o momento e precisava se preparar.
A introspecção ao longo dos dias não foi falta de gratidão com aqueles que cuidaram dela com tanto amor e zelo, mas um refúgio para seu mundo interior. Num grande exercício de desapego, aquele rosto marcado pelo tempo foi esvaziando-se da vida.
E na manhã de uma segunda-feira, no aconchego da sua cama, com serenidade, na certeza do valor de sua existência, a inspiração foi ficando cada vez mais lenta, ela expirou, fechando o ciclo de nascimento e morte.
O dualismo contraditório e doloroso entre vida e morte, nos impede de ver a morte como algo natural. Impede-nos também de admitir que os recursos para a manutenção da vida se esgotaram e com isso, muitas vezes perdemos a capacidade de perceber e compreender o outro.
Diante da morte dela, experimento a urgência da vida, aqui e agora. Já sinto saudade do cheiro familiar do café, naquela cozinha aconchegante. Vivemos e não sabemos do que vamos sentir saudade. Saudade é o preço que pagamos por ter vivido momentos maravilhosos. Saudade é gratidão, é despedida. Saudade é o amor que ela não deixa morrer em nós.
Porém, como profissional da saúde, toda morte me faz refletir sobre os cuidados no processo da terminalidade, baseando-se na qualidade de vida e não na quantidade de vida que resta à pessoa. No entanto, é preciso abrir espaço para estabelecer uma comunicação honesta e afetuosa, entre a pessoa em fase terminal e todos os envolvidos no cuidado, em um clima acolhedor, apropriando-se da empatia e da compreensão. Essa condição de se colocar no lugar do outro é puramente humana. É preciso também, sensibilidade para perceber o momento de não executar técnica alguma, simplesmente exercitar o toque, a presença e o silêncio, humanizando a morte.
Renata Andrade
Fisioterapeuta