02/12/2017
Luto infantil.
Desde que comecei a escrever aqui, tem um assunto que está na minha cabeça e sobre o qual eu queria muito escrever, que é o luto infantil. Acho o tema da morte e do luto muito relevante de ser discutido, sempre. A morte é vista como um assunto tabu em nossa sociedade. E quando crianças estão envolvidas, esse tabu aumenta de tamanho. Os adultos, perdidos em suas próprias dores, sentem uma imensa dificuldade em lidar com a dor das crianças. Então, vamos falar um pouquinho sobre isso?
Acho que o mais importante de se compreender é que as crianças não vivem o luto da mesma forma que nós, adultos. Elas falam pouco e se comportam muito. Esse comportamento não vem, necessariamente, acompanhado de choro e tristeza. O que pode acontecer também é que a criança se mostre agressiva, ou muito elétrica. Isso é normal. É normal também que ela oscile nos seus comportamentos. Ou seja, ora fique triste, ora alegre, ora agressiva, ora cabisbaixa. É possível que questionem, “esqueçam”, e depois, do nada, voltem a questionar sobre o ocorrido. E esse intervalo de tempo pode ser de minutos, horas, semanas, dias ou anos!
As crianças, diferentes de nós, adultos, ainda não conseguem regular muito bem suas emoções. O repertório comportamental ainda está se instalando. Por isso, as coisas ficam um pouco confusas. Mas acreditem: a confusão maior é nossa, e não delas! Isso porque somos nós que tentamos atribuir um significado para as ações delas. E fazemos isso tentando tomar por base o nosso próprio modo de agir. Mas não se esqueçam: nós já estamos “treinados” em nossas reações. Elas não! É a mesma coisa que eu exigir de uma criança de um ano que ela soletre o alfabeto. Ela ainda não tem repertório para isso. Ainda não sabe. Então, não posso exigir do outro o que ele ainda não tem para me dar.
Por exemplo, se uma criança sofreu uma perda aos três anos, fará um tipo de questionamento com essa idade e terá um tipo de reação. Quando ela tiver cinco, outras demandas surgirão. Quando tiver sete, outras ainda. Os adultos pensam: mas ela não superou! E eu digo: ela está superando. Tentando entender. E cada fase acarreta consigo um nível de maturidade e de questionamentos que são diferentes entre si.
Eu poderia dizer agora que não existem regras. E não existe mesmo! Mas, mesmo assim, vou colocar uma: adultos, não desencorajem as crianças. Não desencorajem seu sofrimento, seus questionamentos, suas reações. Se quiserem chorar, deixem que chorem. Se ficarem agressivas, tentem dar sentido a esta raiva. Se quiserem brincar, tudo bem também. O que elas mais precisam é bem mais simples do que parece: elas precisam sentir que podem contar com uma figura de confiança. Que não é errado sentir: nem tristeza, nem raiva, muito menos felicidade. Elas precisam ter seus questionamentos satisfeitos, na medida em que estes possam ser satisfeitos. E se não puderem? Ué, qual o problema? Quem é que tem resposta para tudo? Aliás, sentir que aquele adulto, que é seu protetor, também tem dúvidas costuma ser bastante reconfortante. Elas sentem que não estão sozinhas nisso...
Por outro lado: adultos, não ocultem seu choro, sua dor. Mostrem para as crianças que se emocionar é permitido. E que, neste sofrimento todo, ficar feliz com uma lembrança também pode. Ficar aliviado com o término de um sofrimento também pode. E nada disso precisa ser acompanhado de culpa.
Tudo isso é tão difícil... Mas também é tão possível...
Morte é dor. Luto é processo. Não tenhamos pressa em sua resolução. Não desencorajemos suas variadas expressões. Não determinemos um modo correto de agir e sentir. Se levado com a serenidade possível, o desfecho são as lembranças que sempre manterão vivos, em sua melhor forma, aqueles que partiram.