27/09/2025
A evidência arqueológica do uso ritual do tabaco remonta ao ano 1600 a.C. na cultura nazca peruana, e provavelmente se estende muito mais além, até os primórdios da agricultura nas terras baixas da América do Sul.
Na Amazônia, o tabaco não é um vício, é uma planta mestra. Chama-se mapacho (Nicotiana rustica) e seu uso é fundamental em quase todo trabalho de cura. O tabaco é fumado, bebido, aplicado topicamente e até ingerido em pastas ou como rapé. Ele protege, purifica, revela e transforma. É uma porta para o invisível.
Entre os xamãs amazônicos, muitas vezes é descrito não apenas como medicina, mas como um ser: alto, negro, forte, uma figura paterna, um guardião.
Os indígenas costumam apontar que
a cultura ocidental tem um talento particular para corromper as plantas sagradas. «Nós lhes demos coca, e vocês fabricaram co***na e Coca-Cola: ambas prejudiciais ao corpo. Nós lhes demos tabaco, e o transformaram em ci****os: veneno embrulhado em papel». Para eles, transformamos
as antigas medicinas sagradas em monstros. Nós as despojamos de seu poder espiritual e de seu contexto ritual, as reembalamos com fins de lucro e as devolvemos ao mundo como toxinas viciantes.
Em contrapartida, o mapacho ainda é utilizado como uma potente ferramenta terapêutica. Na cura energética, sopra-se fumaça de tabaco sobre a coroa, os ombros ou os pés para diagnosticar ou eliminar interferências espirituais. A forma como a fumaça se move indica ao xamã onde o campo energético está bloqueado ou aberto. É uma arte de diagnóstico sutil e antiga.
Mas talvez mais importante que sua função protetora ou purgativa seja sua função como mestra.
O tabaco tem uma capacidade particular de trazer à luz os monstros que carregamos dentro: vícios, medos ocultos, feridas ancestrais… A cura não é apenas uma questão de moléculas, mas de relações entre o ser humano e a planta, o corpo e o espírito, os sintomas e a alma.
O tabaco não é um aliado casual. Pertence à polaridade masculina, fogo-ar. Ele desperta, centra a atenção, dissipa a névoa. Não adula. Não acalma. Confronta. Seus ensinamentos são diretos, muitas vezes agudos, às vezes brutais, mas sempre honestos.
No renascimento psicodélico moderno, todos falam de ayahuasca, psilocibina ou bufo, mas poucos mencionam o tabaco, embora esteja presente silenciosamente em muitas dessas mesmas cerimônias: sopra-se sua fumaça para proteção, oferece-se como oração, aplica-se como medicina. É o guardião invisível na beira do círculo, o purificador de energia, o gorila espiritual. E, no entanto, permanece oculto dos holofotes.
Por que será?
Talvez porque o tabaco seja a planta que as pessoas mais temem do que mal interpretam. Não porque seja tóxica, mas porque é inflexível. Exige pureza, disciplina e presença. Com o tabaco não se pode negociar. Ou se chega com respeito, ou ele se impõe.
O que está claro é que, para as culturas indígenas, o tabaco não é uma droga, é um ser. Um mestre. Um pai. Uma força.
E talvez se tema o tabaco porque ele nos reflete algo que ainda não estamos prontos para ver: nossas sombras, nossos vícios, nossa arrogância, nossa espiritualidade sem fundamento. Enquanto outras plantas nos guiam com suavidade, o tabaco nos agarra pelas costas e nos diz: «Levante-se. Aceite».
Em um mundo imerso na distração, o tabaco exige presença. Em um mundo viciado na gratificação instantânea e
na deriva espiritual, oferece disciplina.
Em uma cultura que esqueceu a reverência, ele nos lembra como orar, com fumaça, com silêncio, com humildade.
Talvez, apenas talvez, o homem negro de olhos brilhantes e chapéu branco,
o pai do tabaco, ainda esteja aí, esperando que recordemos quem
ele realmente é. Não um assassino.
Não uma maldição. Mas um guardião da verdade, portador do fogo da medicina esquecida.
Fabrizio Beverina