07/03/2021
"Poderão faltar psicólogos e psiquiatras": saúde mental caminha para crise após pandemia.
Aline Custódio
gauchazh.clicrbs.com.br
05/03/20021
Uma epidemia que já existia antes da covid-19 agora caminha lado a lado com a pandemia de coronavírus e preocupa autoridades e especialistas na área de saúde mental: os transtornos mentais, como depressão e ansiedade, estão impactando a população e poderão colapsar o sistema de saúde, atingindo, inclusive, a economia brasileira nos próximos anos.
O alerta amarelo surge em pesquisas realizadas por universidades e associações, durante a pandemia, e também nos dados mais atuais da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho. Em 2020, o órgão confirmou um recorde de 576,6 mil concessões de auxílio-doença e aposentadorias por invalidez devido a transtornos mentais e comportamentais. Os números são 26% a mais do que os registrados em 2019. Nos dois benefícios, os registros do primeiro ano da pandemia são os maiores da série histórica, iniciada em 2006.
Para os especialistas, os números sugerem um efeito da crise causada pela covid-19 que afeta também a saúde física e mental das pessoas de forma generalizada. A Organização Mundial da Saúde projeta que a depressão e a ansiedade serão as primeiras causas de perda de capacidade de trabalho nos próximos 10 anos em todo o mundo. No ano passado, a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) já havia identif**ado a questão da saúde mental nas Américas como uma epidemia silenciosa. Países como Brasil, México e Estados Unidos seriam os mais impactados:
— Metade dos adultos desses países estão estressados por causa da pandemia. Muitos estão usando dr**as e álcool, o que pode gerar um ciclo vicioso para as doenças mentais — alertou, na época, a diretora-geral da Opas, Carissa Etienne.
Para a psicóloga Samantha Sittart, especialista em Psicoterapia Psicanalítica e membro do Grupo de Pesquisa Envelhecimento e Saúde Mental (GPESM-CNPq) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), o impacto dos problemas envolvendo saúde mental é percebido desde o inicio da pandemia.
— A privação do ir e vir, do lidar com o desconhecido e saber que há uma ameaça invisível podem gerar sintomas ansiogênicos, tais como crises de pânico, sentir falta de ar com o uso da máscara, oscilações de humor e sintomas depressivos por conta do próprio isolamento social. Temos visto um grande aumento de procura por atendimentos psicológicos e psiquiátricos — explica.
Pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) com associados, nos primeiros meses de pandemia no país, apontou que 67% dos psiquiatras confirmaram o atendimento a pacientes novos no período, a maioria destas pessoas nunca havia apresentado sintomas psiquiátricos. Já 89,2% dos entrevistados destacaram o agravamento de quadros psiquiátricos nos pacientes devido à pandemia de covid-19.
Outro estudo, o COVIDPsiq, realizado de forma online pelo Departamento de Neuropsiquiatria da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), apontou um aumento de 40% na intensidade dos sintomas de depressão para os indivíduos que participaram das três primeiras etapas do estudo.
A última fase da pesquisa foi concluída no mês passado e os números finais serão divulgados em breve. O COVIDPsiq entrevistou 6,5 mil pessoas, maiores de 18 anos, em todo o Brasil, e a meta é avaliar como está a saúde mental dos brasileiros frente ao coronavírus.
— A comprovação do estudo nos causa uma grande preocupação porque sem pandemia já vivíamos grandes dificuldades do ponto de vista de saúde mental pública, principalmente, com acesso aos atendimentos. Com a pandemia, pessoas que não teriam estes problemas, passaram a ter. Temos um aumento dos casos de transtornos mentais, como depressão, transtornos de ansiedade (como fobia social e ataque de pânico), transtorno de estresse pós-traumático e também o uso de substâncias, como álcool e outras dr**as — comenta o psiquiatra Vitor Calegaro, professor da UFSM e coordenador do projeto.
A partir de estudos e relatórios internacionais relacionados à saúde mental, Calegaro alerta que o impacto econômico na população, causado pela pandemia, poderia durar aproximadamente sete anos. Ou seja, a pandemia pode ser solucionada, mas quem ficou endividado, os que perderam o emprego ou o empresário que precisou fechar o negócio ainda levarão tempo para reequilibrarem as contas e isso pode culminar em mais casos de depressão e de suicídios nos próximos anos.
Calegaro vai além e aponta que, assim como a pandemia de coronavírus está colapsando o sistema de saúde, os transtornos mentais colapsarão a área da saúde mental nos próximos anos.
— Em termos globais, já há indicadores de que poderão faltar psicólogos e psiquiatras em todo o mundo, incluindo países desenvolvidos. É um legado da pandemia de coronavírus. Não é uma informação alarmante. Se diz isso com base em outras epidemias, como a sars (síndrome respiratória aguda grave, doença respiratória por outro tipo de coronavírus que começou na China por volta de 2002) — justif**a Calegaro.
Para a professora de farmacologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisadora em saúde mental da universidade e do Hospital de Clínicas Adriane Rosa, a ruptura total da rotina das famílias, vacina ainda indisponível para a maioria, o período de distanciamento social, a falta de socializar, a questão econômica e as notícias ruins por meses são fatores desencadeantes de estresse crônico.
Adoecimentos psíquicos ocorrem em todas as classes sociais. Precisamos desmistif**ar o acesso a esses profissionais. Ir ao psicológo ou ir a um psiquiatra não é pra louco, são para pessoas que querem cuidar de si e de suas emoções.