27/11/2015
"A vida é só um instante. Tudo o que temos é só esse instante."
Alguns de nossos vozinhos tem Alzheimer e sempre que podemos ajudamos eles a lembrar dos lindos instantes que marcaram sua vida... Eles adoram conversar, tentando lembrar de histórias do passado pra nos contar!
SOMOS INSTANTES...
Minha avó está com Alzheimer. Outro dia, fiz um passeio com ela: fomos a uma exposição de arte, ao parque do museu, onde ela frequentou durante muitos anos de sua juventude, e tomamos um cafezinho com bolo ao final da tarde num lugarzinho charmoso e aconchegante. Foram horas de muito carinho e bom papo. Minha avó é falante e alegre, gosta de arte e natureza, adora contar casos e conversar sobre todos os assuntos. Uma delícia estar com ela e seu humor inteligente e mineiro. Naquele mesmo dia à noite, ela não se lembrava de mais nada. Puf! Apagou tudo!
Semanas depois, organizamos um grande almoço de família. Primos, tios, sobrinhos, netos… Quase 80 pessoas reunidas em torno dela e por ela. Minha avó participou de tudo, sorridente e espirituosa, como de costume. Recebeu homenagens, dezenas de beijos e abraços, precisou fazer pose para muitas fotos, e ficamos todos imensamente felizes. Ela também estava feliz e emocionada. No dia seguinte: puf! Quando fiz menção ao almoço, ela me disse: “Mas que almoço? Que encontro?”.
Passaram-se dias, e eu estava na casa dela, vendo seus livros, e me deparei com um de seus preferidos: “O morro dos ventos uivantes”. Tenho nas minhas lembranças de início da adolescência as várias vezes em que minha avó me falou dele. Então, me apressei logo em dizer a ela que queria finalmente ler o livro e, naturalmente, perguntei: “Vó, como é mesmo a história desse livro?”. Ela me olhou por alguns segundos e me disse: “Não sei, Nathália. Sei que eu gostava dele, mas não me lembro de mais nada”.
F**amos nos olhando, emocionadas e cúmplices. Amei minha avó com toda força naquele instante. À noite, não consegui dormir muito bem, porque fiquei pensando em como seria esquecer todos os livros que eu já havia lido, os lugares onde estive. Pensei em como seria perder tanto: perder minhas memórias! Acho injusto isso. Mas já faz um tempo que entendi que a vida não é justa.
A vida é só um instante. Tudo o que temos é só esse instante. E pela possibilidade de viver cada um desses instantes: o instante do beijo com amor, do abraço saudoso, do olhar de cumplicidade. É pelo instante do encontro que vivemos. Pelo instante da palavra que é dita e que é escutada. Nós mesmos somos isso: somos instantes! Ora uivantes, ora calados. Somos!
*Dedico esse texto às pessoas com Alzheimer, em especial, à minha avó Eni, com gratidão a todos os instantes que temos vivido com amor e coragem.
TEXTO DE NATHÁLIA MENEGHINE, PROFESSORA E PSICÓLOGA
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