03/08/2014
PROCESSOS FEBRIS NA INFÂNCIA
Os quadros febris na infância são frequentes, fazem parte do desenvolvimento do sistema imunológico e na maior parte das vezes são auto-limitados, isto é, resolvem-se por si mesmos sem qualquer intervenção externa. No entanto, ver uma criança com febre geralmente é motivo de muita preocupação e ansiedade. Neste texto buscaremos esclarecer alguns dos pontos principais destes quadros febris, incluindo a discussão do uso de antitérmicos, antibióticos e a abordagem homeopática.
A temperatura normal na região axilar vai de 36,0°C até 37,2°C no adulto, porém em bebês pode chegar a 37,5°C ou até 38,0°C no fim da tarde. Mas podemos considerar 38,0°C como ponto de corte para afirmar se existe febre, sendo possível utilizar o termo febrícula quando a temperatura se encontra entre 37,3°C e 37,9°C. Dizemos que há febre quando o aumento da temperatura ocorre por alteração no ponto de regulação do Centro Termo-regulador, uma espécie de termostato interno, localizado no hipotálamo, estrutura do Sistema Nervoso.
E o que pode provocar febre?
A febre ocorre em função da liberação de substâncias chamadas de pirógenos, legítimos mensageiros que vão ao hipotálamo “solicitar” o aumento de temperatura em situações como infecções, necroses, tumores e infamações decorrentes de processos auto-imunes.
Toda febre de curso agudo nos direciona a pensar em processos infecciosos e isso é ainda mais verdadeiro quando falamos dos processos febris na infância. Por esse motivo, abordaremos neste texto a febre dentro desse contexto de reação à infecção. Diante de um quadro febril é indispensável ter o diagnóstico da origem do processo, por isso deve-se mesmo levar a criança ao médico, seja pediatra ou médico de família. O ideal é ser avaliado pelo mesmo profissional que já acompanha a criança, evitando-se ao máximo o pronto-socorro.
Funções da febre e malefícios do uso indiscriminado de antitérmicos
Nada ocorre por obra do acaso e se a febre é requisitada é porque tem um papel a cumprir. A função principal da febre é a de ativar o complexo enzimático-imunológico, ou seja, a febre faz o sistema imune trabalhar melhor. Esse é um ponto muito significativo. A febre joga a favor e não contra. É importante enfatizar isso, pois vemos no cotidiano que a maioria das pessoas enxerga a febre como inimiga, utilizando expressões como “graças a Deus não teve febre”.
Quando estamos doentes, particularmente num quadro febril agudo, necessitamos de repouso, nosso corpo necessita armazenar a energia para atravessar o quadro. Porém, o antitérmico retira esse impulso natural ao repouso, proporcionado pela febre. Após baixar a temperatura a criança se sente mais disposta e então como convencê-la a se poupar? Ela irá desperdiçar energia que dificultará a recuperação.
Como já vimos, a febre tem a função de estimular a imunidade e em decorrência disso é de se esperar que a supressão da febre com antitérmicos reduza a resposta imune. Até pouco tempo não havia comprovação científica de que o uso de antitérmicos pudesse diminuir a eficácia da resposta imunológica, porém estudos recentes mostraramm que a administração de antitérmicos antes das vacinas reduz significativamente a produção de anticorpos. Considerando que as vacinas são “infecções fictícias”, podemos avaliar que o mesmo é verdadeiro para as infecções reais, ou seja, antitérmicos podem reduzir a produção de anticorpos, o que é ruim não somente para o quadro agudo que a criança está passando, mas para o seu próprio desenvolvimento. Pois com uma produção insuficiente de anticorpos durante o processo infeccioso significa que a criança terá passado pelos desconfortos do quadro agudo sem que o seu organismo tenha aprendido a lidar com ele, sem o efeito positivo. E então o que ocorre? Duas semanas depois ela inicia um novo quadro febril agudo desencadeado pelo mesmo vírus, e o ciclo lamentavelmente se repete.
Além do estímulo imunológico, a febre também atua reduzindo diretamente a capacidade de multiplicação dos vírus ou bactérias. Ou seja, a febre é um poderoso remédio.
Pela junção dos fatores descritos acima, o que observamos na prática é que com o uso abusivo de antitérmicos que tem ocorrido na atualidade, quadros simples, como um Resfriado Comum, que geralmente se resolvem em dois ou três dias, acabam se arrastando por longos dias, ou até semanas. Mas o mais nocivo é observar que o organismo é privado de aprender com a infecção e ao invés de sair fortalecido do quadro agudo acaba saindo mais debilitado.
Convulsão Febril
Muitas pessoas temem que a febre por si só possa provocar algum malefício, porém o único efeito indesejado que a febre pode produzir é a convulsão febril. A convulsão febril é menos frequente do que se imagina. Em torno de 3 a 5 % das crianças apresentarão algum episódio na vida. É um quadro que somente pode ocorrer no intervalo entre os 3 meses e os 6 anos de vida. Geralmente as crises são de curta duração e com melhora espontânea, sem deixar qualquer tipo de sequela. A grande maioria das crianças que venham a apresentar convulsão febril terá apenas um episódio isolado.
Além disso, as crises convulsivas febris podem ocorrer tanto com febres baixas como com febres altas, porém o mais frequentes é que ocorra assim que a temperatura começa a subir, principalmente ao subir muito rápido. Uma informação de utilidade para diminuir a ocorrência de crise convulsiva febril é evitar os banhos frios e as compressas com álcool, pois resfriam rapidamente a pele, enquanto sobe rapidamente a temperatura central, aumentando a chance de convulsão febril. Os banhos ajudam a trazer conforto para a criança, porém devem ser dados em água morna, em torno de 37°C.
Dessa forma, apesar de não ser possível prever quais crianças são predispostas a apresentar convulsão febril, não é preciso temê-la, pois o quadro não é tão frequente e não traz complicações na grande maioria dos casos. Assim como não há necessidade de se apavorar pensando que se a temperatura atingir um limite X irá ocorrer convulsão.
Esse ponto é importante, pois o uso indiscriminado de antitérmicos se baseia muito no medo da crise convulsiva febril.
Antibióticos
Atualmente existe uma grande preocupação da Organização Mundial da Saúde a respeito do excesso de prescrição de antibióticos, que tem levado ao surgimento cada vez mais acelerado de bactérias super-resistentes. Isso vem ocorrendo, pois o principal motivo de prescrição de antibióticos na atualidade, infelizmente, é o “por via das dúvidas”.
Por exemplo, nas Infecções de Vias Aéreas Superiores, que incluem Gripes, Resfriados, Sinusites, Amigdalites e Otites, o uso de antibióticos deveria ser a exceção. No entanto, “de via das dúvidas em via das dúvidas”, muitas crianças acabam tomando antibióticos praticamente todos os meses do ano, na imensa maioria dos casos desnecessariamente.
Nos casos febris agudos, as infecções podem ser provocadas por vírus ou bactérias. Os antibióticos combatem apenas as bactérias e, no caso de infecções provocadas por vírus, não apresentam utilidade alguma. A questão é que as infecções por vírus são muito mais frequentes. Um bom exemplo é Amigdalite, visto que esse é o principal diagnóstico a motivar o uso de antibióticos. Até os 2 anos de idade 100% das Amigdalites são causadas por vírus (isso mesmo, 100%), enquanto entre os 2 e 3 anos 99 % são provocadas por vírus. Somente após os três anos, as Amigdalites bacterianas aumentam sua proporção, porém nunca ultrapassando 20% do total de Amigdalites. Além disso, mesmo falando exclusivamente da abordagem Alopática, não necessariamente uma infecção bacteriana é sinônimo de necessidade do uso de antibiótico. Em muitos casos, como Otites e Sinusites, podemos aguardar, pois na grande maioria ocorre resolução espontânea.
E qual o problema do uso de Antibióticos “por via das dúvidas”?
Um dos problemas é o desenvolvimento de bactérias resistentes. O outro e talvez mais importante, é que os antibióticos não combatem apenas as bactérias que estão provocando a infecção, mas combatem também as bactérias benéficas. O nosso organismo é povoado por um número enorme de bactérias, principalmente nos tratos digestivo e respiratório, que realizam inúmeras funções e são importantes para o equilíbrio do sistema como um todo. Os antibióticos alteram esse equilíbrio, deixando a pessoa mais suscetível a uma série de problemas: a começar com outras infecções, pois as bactérias que colonizam o organismo tem importante papel imunológico. Além disso, a alteração do equilíbrio das bactérias benéficas pode provocar outras desarmonias como alergias, rinites, diarreias, intolerâncias alimentares e problemas digestivos em geral.
Abordagem Homeopática
Em Homeopatia, temos muitas opções de tratamento para casos agudos, que vão auxiliar o organismo a se reequilibrar, seja em processos infecciosos virais ou bacterianos. Abaixo listamos alguns pontos que geram dúvidas sobre a abordagem homeopática dos casos agudos:
No tratamento com Homeopatia evita-se ao máximo o uso de antitérmicos, por tudo o que foi dito acima. Particularmente, utilizo apenas nos casos de crianças com histórico de convulsão febril recorrente ou nos casos em que a temperatura sobe acima de 40 graus, pois neste patamar já não há benefícios imunológicos. Porém, neste caso, deve-se dar uma dose mais baixa do antitérmico, com o objetivo de fazer a temperatura abaixar apenas um pouco, continuando acima de 37,5.
A resposta ao medicamento homeopático nos casos agudos deve ser rápida, isso significa alguma mudança em direção à cura dentro de pelo menos 12 horas de tratamento, caso contrário o medicamento não está correto e deverá ser trocado. O que chamamos de resposta inicial envolve principalmente uma melhora no estado geral. Geralmente essa melhora inicia-se com um sono reparador, seguido de melhora da disposição e do apetite. É comum que logo no início da tomada do medicamento a temperatura suba (e isso é um bom sinal, pois significa que o organismo está incrementando a resposta imune), para depois cair um pouco e então se estabilizar. Recomendamos verificar a temperatura a cada 3 horas e anotar no papel. Preferencialmente verificar a temperatura dos dois lados (nas duas axilas), pois se houver diferença significativa entre os lados isso auxiliará na individualização do caso. O contato frequente com o médico nessas primeiras horas é fundamental, mesmo por telefone, pois com isso teremos segurança em avaliar se o processo está caminhando adequadamente.
Se você optar pelo tratamento com Homeopatia, é bom que saiba que o Homeopata irá se interessar por uma série de detalhes que estão além da história clínica convencional, como diferenças de temperatura entre partes do corpo, mudanças no comportamento durante a febre, sede, características das secreções, sensibilidade ao frio e ao calor, desejos e aversões alimentares, entre outras coisas. Portanto, aguce a observação para poder informar bem.
Outras dicas: não se preocupe com perda do apetite nas febres, respeite os desejos da criança nestes momentos (mesmo se ela pedir água gelada), pois o corpo irá pedir aquilo que necessita. Perder um pouco de peso é comum e a criança recupera em seguida. Não se esqueça de ofertar líquidos, mesmo que a criança só aceite pequenos goles. Poupe a criança de atividades fisicamente ou mentalmente desgastantes durantes os quadros febris, pois a energia precisa estar focada na recuperação.
Não vamos esquecer que as febres infantis tem importante função não apenas na maturação da imunidade, mas também no desenvolvimento anímico. Estes processos estão absolutamente intrincados, uma vez que o sistema imune não apenas combate infecções, mas antes disso reconhece e diferencia o “eu” do “não eu”. Portanto, para encerrar, quero citar uma bela colocação do Dr. Nilo Gardin, médico antroposófico, sobre os processos febris na infância:
“Seguindo esse caminho, o organismo da criança terá aprendido algo durante a doença febril, por esforço próprio. Note a expressão na face de seu filho ou de sua filha após recuperar-se de uma doença febril, onde a febre não foi suprimida, mas sim auxiliada de modo consciente e natural. A criança está sutilmente diferente: um pouco menos parecida com os pais, um pouco mais parecida com ela mesma. Você deu liberdade para ela amadurecer”.
Médico formado pela Universidade Federal do Paraná, com residência médica em Medicina de Família pela UNICAMP, especialização em Medicina Chinesa - Acupuntura pela UNIFESP, especialização em Homeopatia pela Escola Homeopática de Curitiba, especialização em Psicologia Transpessoal pela UNIBEM.