05/05/2020
Se existir não é algo muito simples, quiçá narrar sobre ela. O indivíduo não é uno, tem partes, várias. É contradição, é conflito, é desejo e falta, vazio. Não só. É busca, é movimento, é processo. Processo que pode e é explorado pelo sistema que nos ilude, nos confunde e, por vezes, nos consome. Desaparecer. Consumir pra aplacar a angústia, bem ou mal, é uma trilha. Mas a angústia é potencializada, o caldo cultural está em movimento, em ritmo acelerado, os papeis definidos e o roteiro desenhado de como ser e estar, não mais. Há vários caminhos pra alcançar o desejo, pode ser múltiplo, fugaz. As possibilidades são infinitas e tudo bem. Tudo bem desde que o espelho não esteja em fragmentos. Você, em pedaços. Que haja cola, conexões com você mesma, negociações entre o desejo e a lei. Sobretudo, que haja empatia pra entender que o inferno não está nos outros, mas um pouco dentro de si. Invencíveis? Não somos. Mas o jogo de ataque e defesa são dispensáveis quando as trocas prevalecem e enriquecem. Que a multiplicidade nunca seja intrusiva, excessiva. Conflito. Que os conflitos narrativos não sejam uma ameaça. Que haja espaço para a angústia do relativismo, sem dogmas, sem mitos. Mitos glorificados pela dificuldade de suportar limites civilizatórios em defesa da vida humana, seja ela qual for. Os caminhos são muitos, mas só por meio de conflito que se é, vai se tornando, subjetivando. Assim como o debate interno, a democracia é feita com luto e luta. Talvez, o caminho seja a peleja, a disputa, a manutenção de vozes. Essencialmente, as vozes não ouvidas para o reconhecimento enquanto nós, uma sociedade que tem história e uma subjetividade coletiva. Somos. Menos fetiche, menos ofuscamento, mais movimento que nos permita sentir os contornos da nossa existência, delineados e vazados, raros, únicos. Que a beleza possa ser real, com imperfeições, não idealizada. Que o vai e vem da vida seja erros, acertos e sequência em meio aos vazios e aos elos intersubjetivos. Potência condutora que traça o mapa de cada existência.
Reflexão a partir de "Mapas da existência", ministrado por Maria Homem pela Casa do saber.
Imagem: clipe "Preciso me encontrar" Liniker e os Caramelows