10/11/2025
Há formas grosseiras de recusa da realidade: explosões, rompimentos dramáticos, ataques diretos.
E há a versão elegante, socialmente aceitável, quase sempre elogiada: a de quem nunca se decide plenamente sobre nada importante.
Esse sujeito é visto como sensato, sensível, ponderado.
Não xinga, não entra em guerra, não rompe feio.
Mas também não entra inteiro em lugar nenhum.
Mantém reservas em tudo: no amor, no trabalho, na terapia, em si mesmo.
Não é falta de inteligência.
Ao contrário: é inteligência a serviço da proteção.
Sabe prever as consequências de uma escolha mais honesta, um término, um “basta”, um “sim” que terá que sustentar depois.
Então cria um modo de vida onde tudo f**a em suspenso.
Assim, ninguém o acusa. Nem ele mesmo.
Uma clínica séria não vem desmoralizar isso, nem chamar de preguiça ou evitação barata.
Lê como sintoma de algo mais fundo: o medo legítimo de perder amor, lugar, imagem, pertencimento, caso se autorize a desejar algo que não caiba no script.
A intervenção não é grito nem sermão.
É o espelho preciso que, em algum momento, devolve:
“Percebe que, dizendo que não escolhe, você já escolheu manter tudo como está?”
Esse tipo de enunciado dói não porque humilha, mas porque arranca o conforto da inocência permanente.
Te coloca no mesmo patamar humano que você conhece nos livros, mas evita aplicar a si próprio: alguém que, ainda ferido, ainda condicionado, ainda com medo, continua produzindo efeitos pelo que faz, e pelo que se recusa a fazer.
Desestabilizar o conhecido, aqui, não signif**a mandar você largar a vida.
Signif**a retirar o truque: a ideia de que suas não-escolhas não são escolhas.
O resto é simples (e difícil): talvez não seja sobre mudar tudo, mas sobre assumir um passo mínimo, concreto, hoje, que desminta a velha história de impotência total.
Esse deslocamento é cortante, clínico, pouco vistoso.
Mas quem sente, sabe: é desse ponto seco, sem espetáculo, que começa, enfim, uma vida em que você não é só espectador, é responsável.
E isso, longe de ser condenação, é o primeiro sinal de respeito por si.