03/06/2018
CRISE DE VALORES E PSICOTERAPIA
Uma das características do mundo pós-moderno é o que chamamos de crise de valores. Não se trata aqui de falar que vivemos uma época com escassez de valores, pois não é este o caso.
A crise que vivemos na contemporaneidade é justamente pela multiplicidade de valores presentes na sociedade e os conflitos internos e externos que as pessoas vivem em função disso.
Basta olharmos ao nosso redor para percebermos uma diversidade de propostas: em um mesmo ambiente estão presentes pessoas de diferentes crenças religiosas, posicionamentos políticos, crenças em relação ao trabalho, família, amor, sexualidade e uma variedade enorme de temas.
Essa multiplicidade não é um fenômeno recente. Mesmo na idade média, que carrega o estereótipo de mundo estratificado e estável, já com as cruzadas e posterior ascensão da burguesia, novos valores foram instaurados em contraposição aos antigos.
A Renascença, que marca a entrada para o período moderno, também é marcada por uma revolução nos costumes e valores advinda das mudanças sociais, econômicas e culturais do período.
No entanto, o apogeu desta crise acontece no século XX com o avanço tecnológico e a presença do rádio, da televisão e posteriormente da internet na residência das pessoas. A aldeia global, termo cunhado por McLuhan, fez com que diversos credos e culturas, antes afastados, tivessem um contato nunca antes visto.
Toda esta multiplicidade carrega duas grandes consequências: a flexibilidade e amplitude de escolhas de estilos de vida, mas ao mesmo tempo a instabilidade, a insegurança e os conflitos mediante tantas perspectivas opostas.
Este contexto sociocultural tem impacto direto nas quiexas e demandas que aparecem nos consultórios de psicologia no início do século XXI. Não é raro as pessoas se queixarem de uma falta de sentido ou uma falta de referência segura do que é certo ou errado, do que devem escolher para suas vidas.
Por si só esta já é uma grande questão: o psicoterapeuta é convidado a auxiliar seu cliente numa busca, ou numa síntese dos próprios valores. Vale lembrar que esta busca não é algo simples, pois diante de tantas referências, o terapeuta também poderá ser convocado a ocupar o lugar de legislador dos valores. Lugar este que, a meu ver, não lhe cabe ocupar, pois a busca ou a síntese deve ser do cliente, sendo o terapeuta apenas um catalisador, um facilitador deste processo.
Mesmo a pessoa que tenha bem firmado tais valores, isso não a isenta de viver conflitos internos, pois a afirmação destes valores não acontece de forma automática, como aconteceria em uma sociedade mais fechada. Viver os valores escolhidos na sociedade contemporânea envolve ter que afirmar os próprios valores diante de uma multiplicidade de outros, o que não é uma tarefa fácil.
Outra dimensão aqui apontada são os conflitos interpessoais. Estes conflitos advém também de uma falta de concordância referente aos valores. Aqui se desenha um grande papel que o terapeuta também pode exercer. Acompanhar seu cliente não apenas a reconhecer os próprios valores, mas ajudá-lo no processo, nem sempre fácil, de conviver com pessoas com valores diferentes.
Penso que neste ponto cabe um trabalho que abrange a criação de um espaço seguro, onde o cliente possa viver seus sentimentos - muitas vezes hostis - em relação a outros grupos e valores. Além disso, também é necessário a criação de um espaço de aprendizado de formas de convivência pacífica e construtiva com as diferenças, já que as mesmas são uma característica de nossa época.
Luis Maciel
Psicólogo, Psicoterapeuta
Professor, Supervisor e Palestrante