Eduardo Kives

Eduardo Kives Psicólogo. Mestrado e Especialização pela Universidade Paris-Diderot Sorbonne Paris Cité
Atendimentos online e presencial (agenda aberta)

O que f**a, eventualmente, encoberto no dito “tempo é dinheiro” (“time is money”)?O dinheiro tem uma relação engraçada c...
04/12/2025

O que f**a, eventualmente, encoberto no dito “tempo é dinheiro” (“time is money”)?
O dinheiro tem uma relação engraçada com o tempo, pois não é claro que ele possa exatamente comprá-lo.
Em algum sentido, sim. No sentido do manejo cotidiano da vida, e no sentido do privilégio de classe: não precisar se submeter tanto aos caprichos (e abusos) do mercado.
Mas, para além disso, há limites. É que, ao que parece, compra-se a possibilidade de certo “uso do tempo”, e não o tempo em si. Não se compra, propriamente falando, “mais tempo”. E o tempo que alguém “compra”, ele se esvai igual, na hora, poderíamos dizer, no ato mesmo da compra.
Ao puxar esta cortina que é a palavra “money”, talvez eu me depare com este buraco em “time is ...” – buraco de aberta definição (ou indefinição). Nem mesmo o relógio poderia preenchê-lo.
Pois como conceber aquilo que é o tempo de uma relação, o tempo de um projeto, de uma questão, de um enrosco, o tempo de brincar, de estar com os amigos, o tempo de uma chegada, ou o tempo de uma despedida?
E o quanto um acontecimento particular, ou na sociedade em geral (como a pandemia), pode ser capaz de, ao subverter os encobrimentos cotidianos da finitude do tempo, colocar alguém a pensar no que quer deste tempo que resta, ou, se esta pessoa buscar uma análise, a ousar deixar falar em si algo que se expresse como um desejo?

De que maneira se orientaria um tratamento pautado pelos princípios da Black Friday?Algumas possíveis direções:1. A perg...
28/11/2025

De que maneira se orientaria um tratamento pautado pelos princípios da Black Friday?

Algumas possíveis direções:

1. A pergunta pelo desejo encontra sua resposta na existência de um objeto que se pode concretamente pegar (se se puder comprá-lo).
2. A angústia, da mesma forma, se resolve e se apazigua através da obtenção de um objeto, de uma compra.
3. O desejo é comprado em promoção. Isto é, encontra-se uma maneira de adquirir sem pagar, ou sem pagar o devido valor, aquilo que, para alguém, seria o que lhe é mais caro.

Mas corra para a loja, porque acaba hoje.

(Obs: O texto acima utiliza de ironia para tentar produzir um contraste entre a lógica do hiperconsumismo e a ideia de um tratamento psicanalítico)

A relação que uma pessoa tem com seu dito diagnóstico pode ser inclusive mais interessante do que seu próprio diagnóstic...
19/11/2025

A relação que uma pessoa tem com seu dito diagnóstico pode ser inclusive mais interessante do que seu próprio diagnóstico.
Pode ser algo como uma identidade.
Pode ser um organizador de sua percepção das coisas.
Pode ser uma desculpa.
Ou então uma validação.
Pode ser um chamado ao cuidado.
E pode ser até o Sentido da Vida. Nesse caso, o sujeito f**a maravilhado. Bom, se ele realmente achou o Sentido da Vida, como poderia ser diferente? E se não há meios de baixá-lo desse vôo nas nuvens, então ele f**ará lá, flutuando neste céu delicioso.
Pode ser que, para outra pessoa, o diagnóstico não seja lá grandes coisas.
Outro diz: “Prefiro até não saber... Não me faz tanta diferença, agora, saber ou não saber; porém, se eu vier a saber, acho que de alguma forma vou ser afetado por isto”.
Com exceção dos afortunados que encontraram o Sentido da Vida, nunca saberemos se o diagnóstico corresponde exatamente à verdade. O que podemos afirmar é que, muitas vezes, ele funciona, para um sujeito, como um saber sobre si. Um saber às vezes tão dominante (sobre os outros saberes que alguém pode ter de si), tão importante, e também tão insuficiente, tão capenga... e, em alguns casos, seria preciso mesmo dizer: tão falso.
Falso: se não conseguimos mais detectar a presença daquele sujeito que passou a ser comandado pelo diagnóstico que monopoliza a comunicação de sua verdade.

A expressão está na obra de Cícero “Sobre a Amizade”: “(...) a maioria das pessoas não reconhece nada como bom em suas v...
10/11/2025

A expressão está na obra de Cícero “Sobre a Amizade”: “(...) a maioria das pessoas não reconhece nada como bom em suas vidas, a menos que seja lucrativo. Elas veem os amigos como um investimento (...), nunca experimentam a beleza e espontaneidade da amizade genuína (...) Cada indivíduo ama a si mesmo, não por qualquer recompensa que esse amor possa trazer, mas simplesmente porque ele é estimado por si mesmo, independentemente de qualquer outra coisa. No entanto, a menos que esse sentimento seja estendido a outra pessoa, a verdadeira natureza de um amigo nunca será revelada, pois esse é como um segundo eu”.
O amigo como um segundo eu. Essa fórmula atinge por sua simplicidade.
Não se trata, me parece, de entendê-la segundo aquele modelo freudiano do enamoramento, em que a energia com que o Eu estava investido se desloca para investir o objeto amado. Na equação deste modelo, o Eu f**a, de certo modo, “negativo” em energia, ou seja, perde-a, para que o objeto amado fique “positivo”.
Mas e se o amigo, como segundo eu, fosse considerado como o caso de uma soma positiva para as duas partes?
Dois amigos se encontram para f**ar em silêncio... E aí? Quem sabe este silêncio possa se escutar como sinal da pura potência do vínculo.
O que é próprio da amizade, em sua diferença para com o amor? De que forma ela pode apresentar-se como um vínculo ainda mais incondicional do que o amor, mais livre das ambiguidades e das dinâmicas sintomáticas do campo amoroso, às vezes até mais prenhe na qualidade das experiências que a parceria torna possível?
E quantos são aqueles que configuraram sua vida de modo a se afastar das amizades ao se lançarem em um grande amor, e acabaram sentindo o preço pago no vácuo deixado por este vínculo “sagrado”? Ou mesmo que põem em questão se alguma vez em sua vida lhes ocorreu esta magia da duplicação, para falar a língua de Cícero, haverem encontrado um segundo eu?

“Ter a terapia em dia”, quando escutei pela primeira vez, achei graça. Seria algo correlato a “estar com a academia em d...
04/11/2025

“Ter a terapia em dia”, quando escutei pela primeira vez, achei graça. Seria algo correlato a “estar com a academia em dia”? Faz algum sentido, se pensarmos que a terapia se alimenta de um enquadre, frequência, regularidade – que é preciso que algo da ritualística das sessões esteja “em dia”, integrado na vida do paciente.
Depois encontrei a expressão no campo do flerte. Em um aplicativo de relacionamentos, alguém se descreve assim: “terapia em dia”. A função, aqui, deste “terapia em dia”, seria algo como uma bela roupa com que escolho me mostrar? Algo que possa constar em uma lista de atributos fálicos: casa, carro, emprego e “terapia em dia”? E o psicólogo, teria ele então descoberto que é possuidor de um item de alto valor, imaterial por certo, mas que reluz o brilho do fetiche da mercadoria?
(Quando colocamos as lentes do mercado, parece ser uma boa estratégia pensar-se a terapia como algo que precisa estar “em dia”, ou seja, que se você parar de consumir o produto “terapia”, pode ser que ele “expire”)
Casada com a expressão “terapia em dia”, está uma outra: “todo mundo precisaria fazer terapia”.
Muito se representou, historicamente, o consultório como herdeiro do confessionário. Que a terapia não se dê nos moldes de uma confissão, este parece ser um desafio passível de ser manejado tecnicamente. Mas será que encontramos um outro modo da associação terapia-religião na expressão “todo mundo precisaria fazer terapia”, transmitida como um novo e secular evangelho? Todos precisam passar pela experiência da Revelação da Verdade, ou, então, em um contexto laico, por uma terapia.
A postura da psicanálise frente a isto seria, em minha opinião: Poder reconhecer o valor que a terapia tem para alguém, as mudanças que ela, em muitas situações, produz, sem, contudo, precisar, para isto, subscrever a uma lógica totalizante. Isto é, poder também afirmar: Nem todo mundo precisa fazer terapia, e não se atribui a priori nenhum valor especial, a menos que nossas considerações se refiram ao contexto específico de um caso, a que a terapia de alguém esteja “em dia”.

A psicanálise poderia ser considerada, por alguns, como uma prática essencialmente urbana. Surgiu em Viena, e prosperou ...
02/11/2025

A psicanálise poderia ser considerada, por alguns, como uma prática essencialmente urbana. Surgiu em Viena, e prosperou em grandes cidades, Buenos Aires, Paris e Nova Iorque estando entre as mais célebres.
Questiono: O quanto esta propriedade, ser ‘urbana’, poderia ser tomada como uma de suas condições de possibilidade?
Através dos atendimentos on-line, a psicanálise chegou com mais força ao interior do Brasil, e a experiência trouxe consigo algumas percepções.
Talvez, realmente, pareça às vezes que a prática da psicanálise com a população interiorana se dê fora de seu “elemento natural”, em lugares onde, apesar de ela haver chegado (para o on-line, basta dispor-se de rede de internet e computador ou smartphone), ela o fez antes de haver adquirido certo estatuto, representação social e inserção cultural.
Porém, questiono: Existiriam fatores, no interior, que favoreceriam a experiência da psicanálise?
É possível que a cultura do interior do Brasil esteja menos tomada pelo individualismo que impregna a mentalidade das grandes cidades.
O individualismo, em si, não é um empecilho à análise, porém, quando levado a seu cúmulo, quando chega a traduzir-se na crença de um indivíduo autoproduzido, que recusa pensar-se como um indivíduo com história, bom, aí, pode ser que a coisa se complique.
“Não quero deixar pro meu filho a pampa pobre que herdei de meu pai”, diz a canção, encadeando gerações. E esta pampa, não poderia ser eventualmente terreno fértil para uma psicanálise?

06/10/2025
A idealização do objeto amado poderia muito bem ser comparada a uma compra no cartão de crédito. Pode até se dar, nessa ...
23/09/2025

A idealização do objeto amado poderia muito bem ser comparada a uma compra no cartão de crédito. Pode até se dar, nessa transação, aquilo que não se tem, se o momento é de otimismo no mercado do desejo - e o crédito está disponível. Há um porém, no entanto, quando o sujeito, por qualquer motivo que seja, vai separar-se do objeto amado. Não há como ele haver previsto, em seu ato de compra idealizada, de que forma ele faria para quitar a fatura.(Refiro-me menos à fatura da separação, do que à fatura da desidealização).

É claro que separar-se, quando a idealização do objeto amado é muito forte, é tarefa difícil. Porém, mesmo quando a separação já tenha de alguma forma se instaurado, a idealização poderá ainda fazer os seus retornos, seja de forma mais aberta, confessada sem grandes pudores, ou de forma mais sorrateira, como em um lapso em sessão de análise. Por isso a desidealização pode parecer, em alguns casos, como sendo um processo psíquico que dá um passo a mais em relação à separação; um passo que, ao mesmo tempo, confirma e consolida o fato de que o sujeito tenha se separado.

Em alguns casos, f**a a pergunta: pode o sujeito haver realmente se separado de algo/alguém sem que o tenha, também, desidealizado?

“Comer com os olhos”, expressão que vale se a tomarmos em sua literalidade. Não como “simples” metáfora. Os olhos comem ...
18/09/2025

“Comer com os olhos”, expressão que vale se a tomarmos em sua literalidade. Não como “simples” metáfora. Os olhos comem porque o que vemos - e o que nos olha - nos constitui, nutricionalmente. Um bebê se alimenta classicamente de leite. Hoje, de leite e telas. Qual será a função daqueles que estão com ele - pais, familiares, cuidadores - para ajudá-lo na tarefa de digestão (tanto do leite como da excitação das telas)? E como ele adquire, mimetiza, incorpora, os costumes e tradições alimentares de seus pais (por sua vez, consumidores de, provavelmente não leite, já que o leite tem andado em baixa, porém seguramente de telas)? Quais podem ser pensados como sendo os efeitos dessa dieta, também do ponto de vista daquilo que falta - quem sabe, uma certa qualidade não-tão-tecnológica do olhar?

Deve haver outro tipo de prudência que só se entende com uma boa risada, aquela mesma risada que tem a virtude de possib...
08/09/2025

Deve haver outro tipo de prudência que só se entende com uma boa risada, aquela mesma risada que tem a virtude de possibilitar ao sujeito certo reposicionamento na teia da grande comédia humana.

Escrevia Erasmo de Rotterdam, em O Elogio da Loucura:
“Ora, o que é a vida? É uma espécie de comédia contínua em que os homens, disfarçados de mil maneiras diferentes, aparecem em cena, desempenham seus papéis, até que o diretor, depois de tê-los feito mudar de disfarce e aparecer ora sob a púrpura soberba dos reis, ora sob os andrajos repulsivos da escravidão e da miséria, força-os finalmente a sair do palco. Em verdade, este mundo não é senão uma sombra passageira, mas assim é a comédia que nele representamos todos os dias”.

Se o valor que se dá à vida não é, também, e pelo menos em alguma medida, “valor cômico”, o risco é que o sujeito se desperte um dia e se perceba em meio a uma peça insuportavelmente, sufocantemente, torturantemente - assutadoramente chata.

Certa vez, ouvi de um colega da área da saúde que “em comparação com as outras dr**as, o álcool ao menos é uma droga mor...
21/08/2025

Certa vez, ouvi de um colega da área da saúde que “em comparação com as outras dr**as, o álcool ao menos é uma droga moralizante”.
“O que você quer dizer com isso?” indaguei.
Respondeu-me algo no sentido de que a ressaca do dia seguinte retif**ava (diga-se de forma clara: punia) o sujeito, transmitindo-lhe na carne a mensagem do excesso que havia cometido.

Não subscrevo a esta lógica obsessiva, esquemática, que quer ver no Universo um sistema que pune e recompensa. Trago este exemplo, o da Ressaca Alcoólica, para pensar um tipo de cansaço, aquele que é o mais óbvio, o “fez-cansou” (ou “fez-pagou”, na lógica de meu colega), refiro-me àquele cansaço que “vem na sequência” de um evento (por definição) cansativo.

Do ponto de vista da psicanálise, o cansaço mais interessante de analisar seria não o cansaço que é óbvio (no sentido de ser facilmente apreensível, ou referido a algum evento) mas sim o cansaço que traz consigo um Enigma - um cansaço que em seu estilo, natureza, ou proporção parece vir de um Outro Lugar.

Por que diabos isto me cansa tanto?

Ou então, às vezes a origem deste cansaço enigmático está tão apagada, recalcada, que o Enigma retrocede ainda mais um passo. A pessoa não é capaz primeiramente de relacionar, localizar seu cansaço em algum evento recente, nem que seja para a partir daí desconfiar de que o cansaço encontre nele sua origem e explicação.

Para além do modelo da Ressaca Alcoólica (imediato, evidente, unilinear), cabe apreender o cansaço de outras maneiras, por exemplo, como algo “que vem só-depois”, e não apenas na sequência imediata de um evento qualquer.

Neste último caso, pode ser útil referir-se à clínica do Trauma, aos efeitos latentes de um evento traumático, como um flashback que aparece apenas anos depois.

Talvez haja algo da natureza do cansaço que seja melhor representada por esse “depois”.

Um “depois” que não é uma conta a ser paga.
Um “depois” que não é um atraso. (Atrasado para quê, se no fim das contas o Cansaço chega no seu tempo?)

O cansaço como um simples eco a ser escutado.

(Mas cuja escuta nem sempre é simples assim).

As provas de amor, apesar de clássicas, românticas, belas, não estão imunes a se tornarem um tipo de armadilha. Isso qua...
20/08/2025

As provas de amor, apesar de clássicas, românticas, belas, não estão imunes a se tornarem um tipo de armadilha. Isso quando a ênfase recai em excesso sobre o “precisar ser provado”.
O risco é que a prova fique tanto no centro dos holofotes que o amor que estaria a ser provado acabe verdadeiramente ofuscado.
Colocar muito o amor no registro da demanda, converte-lo em provas, tarefas - em outras palavras, torná-lo chato. Parece algo até bobo, mas obstrui outras vias pelas quais a substância “amor” poderia fluir, circular.

“No peito dos desafinados também bate um coração”, diria João Gilberto.

Endereço

Porto Alegre, RS
90035-141

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