03/12/2025
Gerson não entrou apenas na jaula de uma leoa.
Ele entrou na jaula que o mundo construiu ao redor dele.
Aos 10 anos, foi encontrado caminhando sozinho por uma rodovia.
Era uma criança sem colo, sem direção, sem sobrenome que o reivindicasse.
Enquanto os irmãos foram adotados, ele ficou.
Ficou porque já carregava sinais de sofrimento psíquico que ninguém quis enfrentar.
Gerson cresceu atravessado por abandono, pobreza, silêncio e esquizofrenia não tratada.
A rede olhou para ele muitas vezes, mas nunca o suficiente.
Classificaram seu sofrimento como comportamento.
E o diagnóstico só veio quando já era tarde.
Quando ele escalou o muro e entrou na jaula da leoa, não buscava espetáculo.
Buscava uma saída.
Sua dor havia ultrapassado qualquer limite emocional compreensível para quem nunca viveu o desamparo.
Para quem trabalha com saúde mental, é impossível não enxergar o que estava ali.
Um pedido de ajuda ignorado.
Uma trajetória inteira de negligência institucional.
Um jovem que carregou sozinho uma dor que deveria ter sido partilhada.
Um sistema que só age depois da tragédia.
Gerson morreu dentro de uma jaula.
Mas, de certo modo, já vivia preso desde criança.
Preso ao abandono.
Preso ao estigma.
Preso à falta de cuidado real.
Preso ao destino de quem nasce vulnerável demais para caber num sistema que não sabe acolher.
A morte dele não fala sobre a leoa.
Fala sobre nós.
Fala sobre a forma como tratamos sofrimento psíquico com julgamento.
Sobre como ainda chamamos dor de mau comportamento.
Sobre quantas vidas seguimos perdendo pela falta de políticas públicas, escuta, diagnóstico precoce e cuidado contínuo.
Que a história de Gerson não seja mais uma tragédia rapidamente esquecida.
Que seja um alerta.
Porque todos nós conhecemos alguém que está escalando o próprio muro.
E caminhando, silenciosamente, em direção a alguma jaula.
Se isso ressoa em você ou em alguém que você ama, não espere o limite chegar.
Saúde mental é urgência. É sobrevivência.