Psicólogo Anderson Magalhães Presa

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26/02/2022

Sob o Viés Psicanalítico [197]
Olá pessoal! O texto de hoje tem como tema “Melanie Klein: Ainda Hoje”.

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Ainda hoje, depois de Freud, Melanie Klein é a psicanalista mais importante e mais influente, tanto no campo da teoria quanto no da técnica. Trouxe para a psicanálise uma fidelidade inicial às teorias freudianas, depois uma ampliação e expansão original dessas para, afinal, criar um corpo teórico e técnico próprio, um legado rico e signif**ativo, que permitiu aos psicanalistas compreender e tratar pacientes anteriormente considerados não analisáveis, ou com aspectos narcisistas e regressivos que, antes dela, não seriam passíveis de análise com as ferramentas originais oferecidas pelo criador.

Ela deu origem a um pensamento psicanalítico de grande riqueza e profundidade, no qual a teoria das relações entre objetos foi formulada e desenvolvida por alguns de seus discípulos mais próximos, como Ronald Fairbairn, Hanna Segal, Paula Heimann, Wilfred Bion, Donald Meltzer, Herbert Rosenfeld, entre outros. Suas teorias modif**aram as concepções de ansiedade, introduziram a riqueza da fantasia inconsciente, da presença e das relações entre objetos internos, a teoria das posições mentais (posição esquizoparanoide e posição depressiva), a revisão da teoria dos instintos (a serviço não mais da descarga, mas da busca do objeto) e do conflito edípico, com a descoberta de um complexo de Édipo anterior à época descrita por Freud, assim como a existência de um superego precoce, o conceito de inveja associado à pulsão de morte, e a noção teórica e técnica fundamental da identif**ação projetiva. Todos esses conceitos, tão inovadores quanto fundamentais, foram retomados e ampliados pelos que se seguiram, enriquecendo o acervo das ideias psicanalíticas e o alcance da técnica.

Por ter entendido mais claramente do que qualquer pessoa a angústia, e por ter elegido a transferência, os afetos e a fantasia como territórios privilegiados da experiência analítica, ela fez da psicanálise uma arte de cuidar da capacidade de pensar.

Melanie Klein é considerada a criadora da psicanálise de crianças, fato que por si só a coloca num patamar diferenciado. Não bastasse essa importância, ela refundou, depois de Freud, a psicanálise de adultos, permitindo com sua teoria e técnica, a análise dos aspectos mais primitivos da mente, inacessíveis até então, o famoso leito de rochas intransponível das neuroses narcísicas, referidas por Freud, abrindo um campo fecundo para o tratamento dos pacientes com patologias graves, para os quais antes sequer havia indicação de análise.

É considerada por muitos como a inovadora mais original da psicanálise, a mais genial de todos os discípulos Freud e, talvez por isso, adorada até as raias do fanatismo dogmático por seus discípulos, e difamada na mesma medida por seus detratores, o que sua teoria descreve como uma posição mental própria da posição esquizoparanoide, ela enquanto objeto idealizado para alguns e objeto persecutório para outros. Em termos kleinianos, tentaremos fazer uma integração, própria da posição depressiva, que nos permita avaliar de forma ampla a importância de sua obra para a psicanálise, não a de hoje, mas a de sempre.

Usando de uma capacidade intuitiva poucas vezes vista, ela introduziu uma nova compreensão psicanalítica do ser humano, não mais apenas um condensado de pulsões, mas um condensado de afetos, relações objetais e fantasias inconscientes.

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Uma Breve Revisão Histórica:

Não é nosso objetivo fazer uma revisão extensa ou minuciosa da biografia e obra de Melanie Klein, que pode ser encontrada em diversos autores e textos disponíveis, muito especialmente em “O Mundo e a Obra de Melanie Klein”, de Phyllis Grosskurth. Mas, para melhor situá-la em nosso trabalho, é importante contextualizar que numa época conturbada como o início do século XX, ela era mulher, judia e de família com poucos recursos econômicos, que passou por perdas importantes de familiares próximos desde a infância. Era uma estudante brilhante, mas que não pôde fazer a medicina que sonhava, por não ter recursos econômicos para cursar. Passou também por um casamento infeliz com um homem sombrio e tirânico, de quem mais tarde se divorciou, não pôde aproveitar melhor a convivência com os filhos por ter episódios depressivos frequentes; tinha uma mãe intrusiva e dominadora, uma figura ambivalente, mas central em sua vida, ela também tendo sido uma mãe ambivalente para seus filhos. Não bastasse isso, na vida pessoal, atravessou duas grandes guerras, em meio a hostilidades e perseguições aos judeus. Não fosse uma predisposição inata para lutar, sobreviver e sobressair, teria sido condenada a uma vida medíocre e infeliz, da qual foi resgatada já com mais de 30 anos ao encontrar a psicanálise, que a salvou da depressão, a ajudou como mãe e lhe abriu possibilidades profissionais nunca antes sonhadas.

Por tudo isso, ela não teve da psicanálise uma experiência meramente intelectual. O seu envolvimento com o processo analítico não foi teórico, mas visceral e afetivo, o que veio a dar o tom de toda sua obra e, mais tarde, sua participação polêmica e combativa no movimento psicanalítico internacional.

De acordo com seus biógrafos, aos 32 anos de idade ela se encontrou com a psicanálise ao ler o texto “Sobre os Sonhos”, de Sigmund Freud, e provavelmente na mesma época iniciou sua análise com Sándor Ferenczi, buscando livrar-se da depressão.

Iniciou sua carreira como psicanalista no ano de 1918, quando foi realizado em Budapeste o quinto Congresso Internacional de Psicanálise, para o qual Ferenczi havia sido escolhido para a presidência. Durante o Congresso Klein ouviu Freud ler “Linhas de Avanço em Terapia Psicanalítica”, que a encantou. Já́ no ano seguinte, em julho, ela apresentou à Sociedade Húngara de Psicanálise seu primeiro artigo, “Relato da análise de uma criança”, depois do qual foi admitida como membro.

Em 1919 precisou sair de Budapeste para morar com os sogros em outra cidade, porque os psicanalistas judeus foram expulsos e a Sociedade Psicanalítica da cidade dissolvida. Em 1921 mudou-se para Berlim, onde em 1922, aos 40 anos, tornou-se membro associado da Sociedade Psicanalítica. Insatisfeita com sua análise com Ferenczi trocou de analista e, em 1924, iniciou sua segunda análise, com Karl Abraham, cuja morte precoce em 1925 a privaria não só de seu analista, mas também de seu protetor, encorajando seus detratores a se declararem abertamente contra ela, mostrando desprezo pela ascendência polonesa, ênfase na falta de estudos universitários e ironia perante uma mulher que se pretendia mestra e, além disso, analista de crianças. Isso a fazia ser atacada por ninguém menos que Anna Freud, por isso seu trabalho foi considerado fora da ortodoxia psicanalítica, apesar de hoje sabermos ser mais fiel a ela do que o da a própria Anna.

Em 1925 conheceu Ernest Jones, já avisado de suas qualidades por James Strachey, o célebre tradutor e editor de texto da Standard Edition das Obras de Freud, que ficou impressionado com seu trabalho sobre a técnica da análise infantil. Ele, assim como Abraham, considerou que ali estava o futuro da psicanálise, e a convidou para fazer uma série de conferências em Londres, que foram um sucesso, e a base para seu futuro livro sobre a psicanálise de crianças. Essa acolhida fez com que se mudasse para a Inglaterra em 1926, onde, em 1927, tornou-se membro da Sociedade Psicanalítica Britânica, tendo permanecido em Londres até sua morte, em 1960.

Seu trabalho na Inglaterra dividiu a sociedade britânica de psicanálise, em decorrência da natureza revolucionária de sua obra, época bem documentada no volume sobre as controvérsias com Anna Freud e os freudianos ingleses. Essa divisão deu origem a três grupos, os freudianos, os kleinianos e um grupo independente, que se intitulou de “middle group”.

Na época em que foi morar na Inglaterra sua inovadora técnica de análise infantil já estava plenamente elaborada. Consistia em compreender que o brincar para a criança era algo mais que o brincar, expressava preocupações, ansiedades e conflitos inconscientes, assim como também era uma maneira de resolvê-los através dos jogos e das fantasias. A atividade lúdica, o brincar para a criança, equivalia ao associar livremente para o adulto.

Assim como Freud foi atacado pela sociedade médica vienense, ao dizer que as crianças tinham sexualidade, Melanie também foi criticada e estigmatizada por ousar dizer que as crianças também tinham agressividade, e que esta era inata. Tanto um quanto outro ousaram perturbar a visão idílica e falaciosa sobre a inocência infantil.

Ambos descobriram e descreveram que tanto a sexualidade quanto a agressividade existiam na vida psíquica da criança, no entanto Klein ousou recuá-las no tempo, até uma fase em que Freud acreditava que ainda não havia relações de troca signif**ativa com o mundo externo, e seus primeiros representantes, o casal parental.

Para Klein a agressividade era inata, o ego primitivo, os objetos e as relações objetais estavam presentes desde o início da vida, a princípio de forma parcial, tendo mais tarde suas diversas partes integradas, dando origem a um objeto total.

Como era de se esperar uma obra desse porte não nasceu pronta, foi sendo construída e compreendida à medida em que novos insights foram surgindo, enriquecidos pela visão de novos colaboradores e pelas críticas dos detratores.

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Principais Contribuições À Psicanálise:

De acordo com Segal (1975),

“As contribuições de Melanie Klein para a teoria e a técnica psicanalíticas podem ser claramente divididas em três fases distintas. A primeira fase tem início com seu artigo “On the Development of the Child” e culmina com a publicação de The Psycho-Analysis of Children, em 1932. Durante essa fase, estabeleceu os fundamentos da análise de crianças e delineou o complexo de Édipo e o superego até as raízes primitivas de seu desenvolvimento.

A segunda fase conduziu à formulação do conceito da posição depressiva e dos mecanismos de defesa maníaca, descritos principalmente em seus artigos “A Contribution to the Psychogenesis of the Manic Depressive States” (1934), um texto visceral, escrito no ano da morte do filho, talvez como tentativa de ressignif**ar e reparar essa perda, e “Mourning and its Relation to Manic Depressive States” (1940).”

Se Freud teve seus “turning points” teóricos, o de Melanie Klein aconteceu em meados da década de 30. Diz Segal que essa mudança signif**ativa em seu ponto de vista teórico, se deu a partir de sua formulação do conceito de posições em 1934. Até essa época, seguiu Freud e Abraham, descrevendo suas descobertas originais em termos de estágios libidinais e da teoria estrutural do ego, superego e id. Contudo, desse ano em diante, formulou suas descobertas principalmente em termos de seu próprio conceito estrutural de posições mentais. Em sua obra o conceito de “posição” não entra em conflito com o conceito de ego, superego e id, mas ajuda a definir a estrutura real do superego e do ego, bem como o caráter de seus relacionamentos nos termos das posições esquizoparanoide e depressiva.

“A terceira fase ocupou-se do estágio mais primitivo, que ela chamou de posição esquizoparanoide, formulada principalmente em seu artigo “Notes on Some Schizoid Mechanisms” (1946) e em seu livro Envy and Gratitude (1957).”

Este foi um trabalho belíssimo e de importância transcendental para a psicanálise. Nele consegue condensar seus principais insights de toda uma vida: a teoria das posições, a existência de um superego precoce e cruel, o papel da depressão, a reparação, a pulsão de morte e suas expressões na clínica, como a reação terapêutica negativa, p.ex.

Para Neves (2007), é preciso conhecermos os componentes do sistema kleiniano que são essenciais, específicos e definidores de uma escola de psicanálise. Por sistema, ele se refere a uma resultante da integração entre a teoria e a prática clínica, tal como Melanie Klein e seus seguidores concebem e exercem a psicanálise.

Ele cita a famosa uma passagem, quando em conversa com Betty Joseph, uma das mais importantes analistas inglesas contemporâneas, Klein protestou ao ser chamada de “kleiniana”, visto que se considerava “freudiana”. Ao que Joseph respondeu: “Tarde demais, você é uma kleiniana, queira ou não queira”.

Freud não criou todo o pensamento psicanalítico, mas suas bases principais. Muito ainda ficou por ser descoberto e desenvolvido, e nisso Melanie Klein e a escola kleiniana tem méritos inegáveis, assim como todos os demais pós-freudianos.

Para caracterizar a escola kleiniana de psicanálise, temos que precisar quais são seus componentes específicos. Classicamente, são consideradas como as principais contribuições de Klein à psicanálise as seguintes formulações:

1. Conceitos sobre as etapas mais primitivas do desenvolvimento psicossexual, à luz da segunda teoria dos instintos de Freud, sobre as fantasias inconscientes e as primeiras defesas contra a angústia.

2. O conceito de posições.

3. Os conceitos sobre a formação do ego, do superego e sobre a situação edipiana precoce.

4. O conceito de mundo interno.

5. O novo status dado ao objeto e, sobretudo, às relações internas de objeto.

6. O conceito dos mecanismos de introjeção e projeção como atuantes desde o início da vida psíquica em bebês. A interação entre introjeção e projeção foi posteriormente desenvolvida nos estudos que culminaram na conceituação da identif**ação projetiva.

Segall (1982) define as características próprias da psicanálise kleiniana:

“A técnica kleiniana é psicanalítica e se fundamenta rigorosamente em conceitos psicanalíticos freudianos, sendo seu contexto formal o mesmo da análise freudiana... Não é só o cenário formal que é o mesmo da análise clássica, respeita-se também, em todos os aspectos essenciais, os princípios psicanalíticos tal como foram apresentados por Freud”.

Vamos nos deter em alguns deles, começando pela interpretação dentro do sistema kleiniano, que deve buscar e possibilitar contato emocionalmente vivo com relação a experiências vivenciadas pelo analisando. A importância conferida às emoções inconscientes, como fator central da vida psíquica dos indivíduos, que a organiza e lhe dá signif**ado, é uma característica básica do sistema kleiniano que o diferencia de outras linhas de psicanálise. As fantasias inconscientes devem ser valorizadas, interpretadas e trabalhadas no aqui e agora dentro da sessão e as interpretações devem abranger a situação transferencial global, ou seja, as fantasias relacionadas ao analista, à análise, e ao setting.

O segundo ponto importante diz respeito ao mundo interno, uma descoberta essencial de Freud, que visualiza uma realidade psíquica interna, inconsciente e subjetiva, diferente da realidade externa, consciente e objetiva. Este conceito Melanie Klein toma diretamente de Freud e o amplia de modo genial.

De acordo com Neves (2007), para Klein o mundo interno é um espaço povoado por objetos e carregado de pulsões, instintos, funções e relações. Com os objetos internos, totais ou parciais, o sujeito vive relações pessoais marcadas pelas identif**ações. É um lugar onde predomina a onipotência do pensamento mágico infantil primitivo, o que lhe confere ora os mais deslumbrantes aspectos de magia, ora o mais intenso colorido de terror.

No que diz respeito às pulsões,

“Melanie Klein não admitia a possibilidade de serem consideradas dissociadas de um objeto. Ao longo de toda a sua obra, ela nunca se refere às pulsões como tendo vida e atividade isoladas de um objeto ao qual se dirigem. Segundo Klein, a pulsão atua sobre o objeto, criando, assim, tanto uma relação com este como uma experiência emocional inconsciente.

Isto tem uma consequência importante, tanto teórica como clínica: ao não colocar a pulsão como foco primordial de seu interesse, ela toma a experiência emocional como elemento privilegiado do trabalho psicanalítico, atribuindo à ansiedade um papel preponderante na estruturação da vida psíquica do indivíduo. Daí, surgem algumas diferenças fundamentais entre os dois sistemas, o freudiano e o kleiniano: para Freud, a emoção é uma derivação da atividade pulsional, constituindo-se como uma vivência consciente, isto é, um elemento indicador da presença de um conflito pulsional inconsciente. Para Klein a emoção é a base da vida mental, aquilo que lhe dá signif**ado e que existe tanto no consciente como no inconsciente.”

A forma como Klein considera a transferência, sendo o resultado da externalização de relações internas de objeto, sob a pressão exercida pela ansiedade, e cujas origens remontam aos mesmos processos que, no passado, promoveram as primeiras relações objetais, ou seja, introjeção e projeção, cisão, identif**ação projetiva, idealização, etc. Para os analistas kleinianos o essencial na transferência não reside na relação entre passado e presente, mas sim na relação existente entre mundo interno e mundo externo.

Em relação à contratransferência, que Klein não aprofundou e até mesmo contestou, seus seguidores aprofundaram o estudo do conceito, especialmente Paula Heinmann, a primeira psicanalista a apresentar esta nova visão (a contratransferência como ferramenta para entender o paciente) em um congresso internacional da IPA, causando surpresa e até mesmo reações violentas de analistas conservadores, e atraiu a discordância também de Klein.

O ponto novo passou a ser: se o analista experimenta algo, é porque algo do paciente o atingiu, via identif**ação projetiva. Se o analista é capaz de perceber o que ele experimenta, e se é capaz de compreender o que viveu, separar o que é dele do que é do paciente, ou até mesmo do que não é dele, ele passa a ter uma visão de alguma coisa do paciente espelhada por sua própria introspecção. Algo como se acontecesse uma visão em duas direções, servindo para detectar aspectos internos que se passam na relação e que causam impacto no analista. Esse uso da contratransferência faz com que o analista deva ser capaz de utilizar o que ele experimenta, não apenas dizer ao paciente o que ele percebeu e identificou.

A identif**ação projetiva, proposta por Klein como um mecanismo de defesa, teve importantes desenvolvimentos para a função do pensamento e a função continente do analista, através de Wilfred Bion, discípulo dela e a maior referência para grande número de analistas kleinianos contemporâneos.

De forma resumida Neves (2007) diz que

“Bion introduz e começa a desenvolver a ideia da identif**ação projetiva como meio de comunicação na relação de alguém (bebê ou paciente) com um objeto do tipo recipiente, que ele denomina continente. A situação é descrita em termos de uma relação entre conteúdo e continente, ou em uma terminologia mais atual, entre continente e contido. Enquanto continente, o analista deve exercer ativamente uma função de receber, processar, elaborar e devolver aquilo que o paciente projeta para dentro de sua mente, modelo baseado na relação mãe-bebê.”

Nesse sentido, a relação da dupla analítica repete a relação primitiva do bebê com sua mãe, na qual a forma de comunicação era essencialmente pré-verbal.

Esse autor conclui que

“A psicanálise kleiniana tem como objetivo proporcionar aos analisandos um meio de obtenção de mudança psíquica. Somente através do trabalho reiterado das fantasias inconscientes, das vivências transferenciais e da redução das dissociações internas, com a consequente integração do ego e melhor capacidade para lidar com a realidade, torna-se possível um ganho de qualidade no viver, nas relações com as pessoas, no trabalho e na criatividade. Em outras palavras, a análise visa proporcionar o predomínio de Eros sobre Thanatos. Isto é crescimento pessoal, e só pode ser conseguido com muito trabalho e não sem sofrimento. Porque na vida nada é de graça.”

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Controvérsias e Críticas ao Pensamento Kleiniano na Psicanálise:

Não há gênio que não seja contestado, em sua época ou pelos que vem depois. Isso aconteceu e acontece com Freud até os dias de hoje. E ela foi considerada, por muitos, um gênio feminino. Julia Kristeva (2002), dedicou a ela o segundo volume dos livros de sua série sobre o gênio feminino, ou mulheres geniais. No entanto, como todos os gênios criativos, se ela despertou paixões, expressas como admiração, valorização e reconhecimento, também suscitou críticas igualmente apaixonadas, expressas em forma de oposição, recusa e desqualif**ação de suas ideias inovadoras.

No dizer de Rocha Barros (2006), o sistema kleiniano é muito rico e está em constante abertura e desenvolvimento, em contraponto a uma outra visão, simplif**adora e estereotipada, da psicanálise kleiniana, como um sistema fechado, compreendido apenas pelos seus seguidores.

O que poderia manter, nos dias atuais, tantas críticas e resistências às ideias de Melanie Klein? Suas ideias, e o estilo como foram redigidas, nem sempre foram bem aceitas por muitos psicanalistas, a começar por Freud, tendo sofrido muitas críticas de diferentes autores. Estas foram muito bem organizadas e sistematizadas por André Green (2010): “Que dizer, a título de conclusão, desta breve revisão das ideias de Melanie Klein? Se elas despertaram entusiasmo e fervor, também deram origem a objeções e críticas radicais. Sem voltar até Edward Glover, exporemos algumas delas.” Abaixo descrevemos as críticas de Green, em itálico, acompanhadas de um exame de cada uma, da forma como as compreendemos, tentando esclarecer possíveis mal-entendidos e controvérsias.

1. A ênfase muito predominante no papel das pulsões destrutivas mais desnatura do que prolonga a teoria freudiana. Para Freud, o que importava era a intricação e desintricação das pulsões de amor e de vida com a libido. Em Melanie Klein, já não se respeita nenhum equilíbrio, o campo f**a todo ocupado pelas pulsões destrutivas.

Para ela não há uma separação completa entre as duas pulsões, elas estão sempre interagindo, de forma dialética. A ênfase que ela pôs na presença, compreensão e interpretação da pulsão de morte no diálogo analítico, foi justamente para poder, uma vez que esta fosse compreendida e analisada, liberar a pulsão de vida, dominada pela de morte, quando esta desempenhasse um papel maior no equilíbrio psíquico.

Tinha, no início, a ideia de ser uma continuadora de Freud, um prolongamento de suas ideias. Depois se livrou dessas amarras teóricas e se lançou em voo solo. Portanto, a ideia que a nova teoria desnatura, isto é, modif**a a natureza da teoria freudiana, está certa e não é algo negativo, pois é justamente para isso que surgem as novas teorias, para iluminar aspectos ainda na sombra da teoria anterior, e modif**ar a técnica necessária para a abordagem de conteúdos, que não seriam acessíveis pela outra teoria.

Em estados mentais mais primitivos, com repercussões destrutivas sobre o self e as relações de objeto, o que predomina e precisa ser tratado é a pulsão de morte, isso não signif**a que seja o único tema abordado nas sessões. Precisa-se sempre levar em conta os aspectos saudáveis e construtivos do self, numa tentativa de integração entre as partes cindidas, para recriar ou recuperar as capacidades de criar, amar e ser grato.

Na verdade, a visão kleiniana sobre a agressividade e a destrutividade é fonte de grandes equívocos, tanto dos detratores de Klein quanto de alguns seguidores que leram sua obra de forma distorcida. O predomínio do foco sobre a destrutividade vai até 1934, quando começa a elaborar os conceitos de posição depressiva, a preocupação com o outro e a reparação dos objetos amados que foram atacados em fantasia.

Para Klein o instinto de morte adquire o mesmo status do instinto de vida (libido). Ela modificou a concepção biológica de Freud sobre o instinto de morte, dando-lhe um componente psicológico, propondo que este devia ser considerado como uma tendência autodestrutiva ativa, em operação desde o início da vida, do qual são derivados afetos específicos: ódio, inveja e destrutividade em relação a objetos específicos.

Embora jamais a negasse a fonte somática dos instintos, conforme Freud propunha, para ela o corpo era o veículo para a satisfação dos instintos. De acordo com De Paola (1995), para Freud o objeto era a característica menos importante e mais mutável do instinto, e é dele derivado, servindo apenas para a descarga instintiva. Aos poucos, com as experiências de satisfação e frustração, vai se formando uma imagem do que seja satisfação. A associação dessas satisfações com as condições nas quais elas existem leva à formação da representação de objetos. Ainda para Freud o instinto de morte sempre permaneceu uma força biológica, que tendia a levar o organismo de volta ao estado inorgânico. Ele nunca deixou muito claro a ligação deste instinto com a destrutividade humana.

Diz esse autor que para Klein o objeto é mais básico e essencial, impulsos instintivos são inerente e inseparavelmente direcionados ao objeto, não havendo, portanto, uma fase anobjetal, pois os instintos sempre buscam os objetos, desde o nascimento. A libido narcísica de Freud é reinterpretada como libido voltada aos objetos internalizados. Thanatos também é reinterpretado como a fonte de toda a agressividade, inclusive aquela derivada da frustração.

2. Para muitos analistas, os kleinianos ignoram a noção de inconsciente, pois apenas traduzem para os termos de sua teoria os efeitos conscientemente percebidos da destrutividade.

Além de carecer de qualquer fundamento teórico que a sustente, essa crítica é ofensiva, ainda mais quando dirigida a psicanalistas, como se os kleinianos fossem analistas de segunda linha, que não acreditam no inconsciente. No entanto Green tem razão em parte, ao dizer que há analistas que, de fato, não acreditam em inconsciente, independente de escola teórica.

Essa crítica só pode ser feita por quem nunca leu Klein ou ao menos o trabalho de Susan Isaacs, sobre a natureza e a função da fantasia. Inclusive a maior acusação à teoria kleiniana, como veremos no item 4 abaixo, é justamente de não levar em conta a realidade externa, o que também não é verdade. A própria teoria sobre as fantasias, em Freud se refere muito mais a processos pré-conscientes e conscientes do que em Klein, e de seu sistema teórico é que surgiu a própria noção de fantasia inconsciente, como o representante mental da pulsão.

Oliveira (2007) faz uma excelente síntese ao dizer que:

“De acordo com a teorização kleiniana e de suas seguidoras – Heimann (1986), Isaacs (1986) e Segal (1966) – as fantasias são inatas no sujeito, uma vez que são as representantes dos instintos, tanto os libidinais quanto os agressivos, os quais agem na vida desde o nascimento. Elas apresentam componentes somáticos e psíquicos, dando origem a processos pré-conscientes e conscientes, e acabam por determinar, desta forma, a personalidade. Pode-se concluir que as fantasias são a forma de funcionamento mental primária, de extrema importância neste período inicial da vida.”

Neves (2007) diz que

“Melanie Klein considera a experiência emocional como a base da vida psíquica, como o que lhe dá signif**ado e que existe e acontece tanto no consciente como no inconsciente. Para Freud, a emoção é um subproduto da vida pulsional, constituindo-se como uma vivência consciente, isto é, um elemento que indica a presença de um conflito pulsional inconsciente. A importância conferida às emoções inconscientes como fator central da vida psíquica dos indivíduos, que a organiza e lhe dá signif**ado, é uma característica básica do sistema kleiniano que o diferencia de outras linhas de psicanálise (itálico nosso). Depois de Klein, Bion enfatizou o fato de que, para que a mente possa desenvolver-se, é necessário que a experiência emocional das relações seja pensada.”

A noção da existência de um mundo interno, onde se dão relações de objeto internalizadas, das mais primitivas às mais evoluídas, é baseada toda ela na existência de que esse mundo é inconsciente. Klein considera a experiência emocional como a base da vida psíquica, como o que lhe dá signif**ado e que existe e acontece tanto no consciente quanto no inconsciente.

3. A insistência exagerada nos estados precoces desemboca numa teoria em que o anterior sempre explica o posterior e leva a recuar constantemente os pontos de fixação para a oralidade e até mesmo antes.

“Exagerada” é uma palavra que parece se referir a uma mensuração quantitativa de algo tão qualitativo quanto “estados precoces”, mas podemos interrogar sob qual critério quantitativo então há um exagero na abordagem desses estados? Podemos considerar exagerada a teoria da libido porque Freud insistia na existência dela, mesmo quando ela claramente não dava mais conta de todas as nuances da clínica?

Klein começou sua vida analítica trabalhando com crianças. Ela partiu da observação clínica de uma etapa da vida anterior àquela vista e trabalhada por Freud, e pôde ver e compreender manifestações muito precoces do inconsciente, desde o nascimento. A análise kleiniana lida com as angústias e fantasias mais precoces do sujeito, tomando por base que, sem a análise dessas, não haverá progresso possível nas áreas mais desenvolvidas da mente.

Não se pode mais negar o infantil dentro do adulto, expressão usada por Florence Guignard, e foi justamente essa compreensão dos estados mais precoces que permitiu o surgimento de um campo inteiramente novo, de observação e pesquisa, tanto de bebês quanto de crianças muito pequenas, com seus reflexos na vida adulta. A teoria de Melanie Klein não guarda relação com pontos de fixação da libido, como descritos por Freud, por mais que ela tenha tentado se manter fiel a eles no princípio, até por ser analisada de Abraham. Mais do que uma libido invisível, cuja finalidade é ser descarregada pelo aparelho psíquico, ela se apoia em afetos, experimentados muito precocemente, que se dirigem a objetos que irão interagir com a mente da criança. Na teoria kleiniana o objeto não é fonte de descarga, objeto de prazer, ele é objeto de uma relação, e a finalidade da libido, como descreve Fairbairn, é buscar o objeto, não apenas se descarregar.

4. A realidade externa não desempenha nenhum papel por si só. Depende exclusivamente da aceitação da realidade interna. Isso será objeto da contestação winnicottiana.

Klein deu prioridade à existência e ao entendimento de um mundo interno, povoado de objetos que se relacionam, entre si e com os objetos do mundo externo. Mas o próprio analista é o representante, na sessão, de um aspecto do mundo externo, dos objetos que são dialeticamente externos e internos ao mesmo tempo, graças aos movimentos projetivos e introjetivos, e à identif**ação projetiva, que na teoria kleiniana é o motor da transferência. Em Klein esta não é feita de meras repetições para não lembrar, é a lembrança vivida de forma muito realística, atual, no aqui-e-agora da sessão analítica. O analista é identif**ado, projetivamente, com as relações objetais internas do paciente, a transferência é vivenciada em tempo real mais do que como repetição.

Em termos de uma teoria da técnica o paciente é visto como o principal elemento da dupla, mas nada justif**a a ideia generalizada de que para os kleinianos o analista real não existe, não se insere no processo, sendo tudo “transferencial”. É fato que ela raramente abordou a contratransferência, mas seus seguidores (Heimann, Rosenfeld, Bion, Segal, etc.) se caracterizaram pelo estudo aprofundado da parte do analista no processo, atribuindo ao mesmo, variados graus de influência.

5. O édipo desaparece, pois não pode se resumir ao que dele diz Melanie Klein, e o pai é algo mais que sua representação enquanto "p***s do pai no ventre da mãe".

No sistema teórico kleiniano, o Édipo não desaparece, pelo contrário, o que ela diz é que ele surge e está presente muito antes do que imaginava Freud. O tratamento de crianças pequenas mostrou, na clínica – e não apenas na teoria – que o Édipo surge muito antes do que Freud havia proposto, mas não por observações clínicas diretas da parte dele, tal como feitas posteriormente por Klein e seus seguidores. Isso não é um ataque à teoria freudiana, nem diminui Freud em nada, uma vez que ele próprio pediu acréscimos à sua obra, dada por ele mesmo como incompleta e em constante evolução. Assim como a criança evolui mentalmente, de estados mais primitivos para estados mais evoluídos de mente, e nas suas relações de objeto, assim também evolui a relação com o pai, que pode começar como um “p***s do pai no ventre da mãe”, mas vai progressivamente se tornando um objeto altamente valorizado no mundo interno e externo da criança, exercendo funções estruturantes da vida psíquica.

6. Existe um Superego precoce antes do édipo, ponto contestado pelo próprio Freud.

Se, para Freud, o superego era o herdeiro do Complexo de Édipo, em sua teoria ele só poderia mesmo aparecer após sua resolução ou dissolução. Graças à clínica o que sabemos hoje é que, em primeiro lugar, o Édipo jamais se resolve ou desaparece, continua ativo pelo resto da vida como um estruturante psíquico de primeira grandeza, influenciando todas as relações de objeto, que repetem, em alguma medida, essa triangulação infantil, ou suas vicissitudes. Em segundo lugar, Freud creditava o superego aos interditos paternos, sem levar em conta a participação da mãe na formação do superego infantil. A clínica nos mostra que há mulheres muito mais castradoras e superegoicas do que muitos homens, fato ignorado por Freud uma vez que ele acreditava que as mulheres não tinham superego, ou o tinham de forma muito deficitária.

7. O ego f**a reduzido a seus mecanismos primitivos. A clivagem tal como concebida por Freud desaparece em prol de uma interpretação kleiniana desse conceito; a cisão separa essencialmente os aspectos subjetivos do objeto mau daqueles relativos ao objeto bom.

Na teoria kleiniana o ego não f**a preso a esse primitivismo, mas isso pode se tratar do clássico viés do especialista. Aqueles que trataram pacientes muito regredidos ou mesmo psicóticos, caso de muitos kleinianos contemporâneos, como Rosenfeld p.ex., se detiveram muito na descoberta e na análise minuciosa desses mecanismos, causadores das patologias mentais mais graves e severas.

No entanto, em nenhum momento os aspectos maduros do ego foram negados ou depreciados pelos kleinianos. Pelo contrário, é graças ao contato com eles que se pode eventualmente formar uma aliança terapêutica, alicerçada na pulsão de vida e nesses aspectos maduros do ego, para poder se contrapor aos aspectos primitivos e destrutivos.

A nosso ver, a noção kleiniana de clivagem é muito mais ampla e esclarecedora que a de Freud, pois implica na cisão do ego, mas também na cisão do objeto, que a princípio é sempre parcial. Os mecanismos de integração do ego é que diminuem essa dupla clivagem, tanto do ego quanto do objeto, até a percepção do objeto total, que a mãe que vai embora e não sacia a fome (objeto mau) e a mãe que volta e amamenta (objeto bom) são a mesma pessoa. Da mesma forma, o bebê que ama e o bebê que odeia também são um só, mas essa descoberta precisa de um tempo de amadurecimento por parte dele.

Uma interpretação kleiniana do conceito de clivagem não faz com este desapareça, na verdade o amplia e enriquece.

8. As relações de objeto estão presentes desde o começo. A evolução das relações entre self e objeto praticamente não desempenha nenhum papel.

Os estudos de observação de bebês, inclusive alguns estudos de psicologia fetal, e a clínica com crianças muito pequenas, torna indesmentível a presença das relações de objeto desde o começo da vida, mas jamais negando sua evolução em estágios posteriores de desenvolvimento. Já não se pode negar que há o conhecimento inato, filogenético, da existência de um objeto, como muitos estudiosos da primeira infância já o demonstraram. O feto, dentro do útero, “sabe” (seu DNA sabe) que está dentro de uma mãe, que irá alimentá-lo, e que há um pai lá fora. Em segundo lugar, como já foi dito acima, a observação clínica, advinda do tratamento de crianças muito pequenas, confirmou esses achados. E a evolução da relação do ego, consigo mesmo e com seus objetos, é a verdadeira essência de um aspecto da teoria, e da prática, kleiniana. Ogden (1989) bem o demonstra, quando fala da produção de experiência no modo esquizoparanoide e no modo depressivo, onde as relações do ego com os objetos tem particularidades bem diferentes, e evoluem através de um constante interjogo dialético.

É graças a esse conhecimento filogenético que hoje se tem outra ideia das origens da identidade e da sexualidade masculina e feminina, que não advém apenas do complexo de Édipo ou do complexo de castração. A menina sabe que não é apenas um menino sem o p***s, ela sabe que tem uma va**na, e para o que esta serve, para acolher o p***s no seu interior.

9. Os kleinianos apenas leem, citam e levam em conta o que escrevem os outros kleinianos. As bibliografias de seus artigos são de um sectarismo caricatural.

Não temos dados para saber se essa crítica é verdadeira ou falsa, teríamos que conferir artigo por artigo, citação por citação, mas também não vemos nela nenhum pecado mortal que comprometa o corpo de conhecimentos gerado pelas teorias de Melanie Klein. Não temos nenhuma objeção, por exemplo, aos freudianos citarem ou se referirem a um único autor praticamente o tempo todo.

Mas não deixa de ser curioso como alguém pode ser refratário a uma teoria psicanalítica, que extrai seus achados da prática clínica. É como refutar, sem conhecer a fundo, a experiência vivida pelos colegas na sala de análise, às vezes em nome de especulações teóricas sem conexão com a vida real dos pacientes.

Em contraponto às críticas de Green, Quinodoz (2018) descreve a forma como Florence Guignard (2012) vê a importância atual da obra de Klein, num trabalho intitulado “E se Melanie Klein não tivesse existido?”. Diz ele que, sob este título marcante, ela analisa o fato de que décadas de esforços para tornar as ideias inovadoras de Melanie Klein conhecidas na França têm tido pouco efeito. Para Guignard, este desconhecimento do trabalho de Klein está relacionado a um fenômeno de alucinação negativa, um processo defensivo que é mais poderoso do que a desvalorização da percepção de uma realidade intolerável. No que diz respeito a Klein, este tipo de cegueira psíquica diz respeito a suas ideias psicanalíticas, e às vezes à realidade de seu papel dentro do movimento psicanalítico: às vezes ignora-se a ponto de não se saber mais que se é ignorante. Isto pode ser visto quando os colegas imaginam que entendem o pensamento de Bion, apesar de rejeitarem suas fundações kleinianas. Na origem deste tipo de alucinação negativa, Guignard vê um possível ataque de inveja por parte de certos homens contra a fertilidade e a criatividade da mãe, em um fanatismo inconsciente saboroso de rivalidade fálica com ela.

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Considerações Finais:

Na Europa do fim do século XIX e primórdios do século XX, Freud entendeu – de maneira genial – que alguns problemas de saúde mental, para os quais a medicina tradicional não possuía explicação nem tratamento ef**az, tinham sua origem no inconsciente, onde pulsões em busca de descarga e conflitos neuróticos produzidos pelos seus recalcamentos, causavam sofrimento mental e sintomas, principalmente ansiedade. Inventou uma forma de estudar e abordar essa outra dimensão da existência humana, tratar essa formação de sintomas e suas expressões nas neuroses. Para isso formulou um corpo teórico inédito, que chamou de Psicanálise, acompanhada de recomendações técnicas nunca antes aplicadas, a quem fosse exercê-la.

Isso já seria suficiente para colocá-lo entre os gênios da humanidade. Freud tinha noção da novidade e da importância de sua obra, mas nunca considerou sua criação como pronta e acabada. Com o passar dos anos ele mesmo foi modif**ando e incrementando alguns aspectos (abandono da teoria da sedução, descrição da pulsão de morte, segunda tópica, etc.), e mantendo outros, processo evolutivo que foi contestado por colegas, mas também acompanhado de seguidores que se beneficiaram de seu método, e contribuíram para novas e importantes descobertas.

Esse foi o caso de Melanie Klein, que se interessou pela psicanálise ao ler Freud e foi salva por ela ao se analisar com Ferenczi e Abraham, tornando-se uma seguidora e praticante do método do fundador no início, depois trazendo novos insights, ideias e técnicas ao campo analítico e, por serem diferentes das do criador, enriquecendo-o para os que viriam depois.

Se Freud é atual ainda hoje, por que Klein não seria? Ela não atacou nem destruiu o edifício freudiano, pelo contrário. Depois dela as pulsões seguiram existindo, mas agora entendidas não só como buscando a descarga, mas com a finalidade da busca do objeto, o recalcado seguiu existindo, mas Klein revelou a existência de aspectos mentais anteriores, presentes num ego primitivo, que eram cindidos e projetados, não recalcados. Sua intuição e descrição da agressividade inata, da inveja enquanto expressão da pulsão de morte e da identif**ação projetiva, revolucionaram a teoria e a técnica, este último conceito posteriormente enriquecido e ampliado por Bion, discípulo dela, entre tantos outros teóricos inovadores que foram surgindo.

Olhando retrospectivamente, em busca de uma integração, nesses mais de cem anos de psicanálise, vemos como as teorias se foram se somando, se interpenetrando, se complementando, dialogando entre si. Analistas com diferentes influências em suas formações, têm entre si mais pontos de concordância do que de discordância, e há estudos que mostram que os pacientes melhoram mais pela experiência e bondade de seus analistas, do que pelas suas filiações a escolas teóricas.

Essa bondade a que nos referimos não é uma bondade natural, ética ou moral, mas aquela que, para Klein, é característica dos que tiveram uma boa relação inicial com o seio, internalizado como bom objeto e que, mesmo em face das adversidades, são capazes de manter acesa a chama da vida, o amor, a solidariedade e a gratidão. Para termos e promovermos saúde mental, é preciso buscar no mundo – interno e externo – sempre cindido e polarizado, as fontes existentes de reparação, integração e gratidão.

Como ela mesmo diz, “prazer é sempre ligado à gratidão: se esta gratidão é profundamente sentida, inclui o desejo de devolver a bondade recebida e é, portanto, a base da generosidade. Há sempre uma ligação estreita entre ser capaz de aceitar e dar, e ambos fazem parte da relação com o bom objeto e, portanto, ser capaz de combater a solidão. Além disso, a sensação de generosidade é subjacente à criatividade, e isto se aplica às atividades construtivas mais primitivas do lactente, assim como a criatividade do adulto.”

Todos que tiveram a sorte de ter essa base sólida, ou que a encontraram numa boa análise, são capazes de buscar com a criatividade própria, sem invejar e atacar a alheia, recursos para sobreviver física e psiquicamente em ambientes e tempos hostis, encontrando no mundo aspectos desse seio bom internalizado, que reforçam o caráter, a esperança e a capacidade de amar.

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Por: Marco A C Albuquerque

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