01/12/2025
Alma-no-divã:
POEMA — “O Menino Que o Sistema Não Soube Segurar”
O Vaqueirinho não nasceu para morrer na boca de uma leoa.
Ele nasceu como qualquer um de nós:
pedindo colo,
pedindo nome,
pedindo lugar.
Mas desde cedo o mundo o empurrou para fora.
Primeiro a família que não o acolheu.
Depois o Estado que não o viu.
Por fim, um sistema inteiro
que fala em saúde mental
mas não sabe segurar ninguém que está caindo.
Ele foi crescendo entre buracos.
Buracos no afeto,
buracos na mente,
buracos nos olhos de quem deveria tê-lo visto.
A esquizofrenia chegou como chega num terreno sem proteção:
rasgando, confundindo, isolando.
E ninguém — ninguém —
ergueu uma ponte até ele.
A cada surto, uma porta fechada.
A cada pedido torto, uma omissão.
A cada delírio, um carimbo.
A cada fuga, um registro policial.
O menino gritava por cuidado,
e o mundo respondia com algemas, protocolos, relatórios.
E então, um dia, cansado da jaula invisível que o sistema construiu ao redor dele,
ele entrou na jaula visível.
Não porque queria morrer, mas porque não encontrava mais lugar para existir.
Quando o humano falha, a fera vira testemunha.
E assim foi.
A leoa rugiu, o instinto falou,
e o corpo dele não resistiu.
Mas a verdadeira morte veio antes:
veio quando ninguém tratou a dor,
quando ninguém segurou o delírio,
quando ninguém escutou o menino que tremia dentro do homem.
A tragédia não está na leoa.
A tragédia está no que veio antes.
Está no sistema que larga, que rotula, que abandona.
Está na política pública que existe no papel,
mas morre na porta de entrada.
Está nos olhos treinados para julgar,
nunca para compreender.
E eu penso — e escrevo com esse nó na garganta:
quantos Vaqueirinhos caminham hoje
entre surtos, rejeições e silêncios?
Quantas crianças interiores imploram cuidado
num país que tapa os ouvidos para a dor psíquica?
Quantos clamam por tratamento
e recebem apenas repreensão?
Que a história dele seja ferida aberta,
não para o sensacionalismo,
mas para o chamado.
Que sejamos a escuta que o sistema não foi,
o acolhimento que o Estado falhou em dar,
o colo que a vida tirou.
Porque enquanto não houver cuidado,
enquanto saúde mental for luxo,
enquanto a dor for tratada...