15/09/2025
Dia desses, aguardava meu último paciente, que estava um pouco atrasado.
Alguns minutos depois do horário marcado, entra esbaforido, justificando-se e dizendo odiar atrasos.
A sessão começa assim, entre a contradição e a queixa contra atrasos.
No fim, senti que a sessão se esgotava antes da hora. Olhei para o relógio de parede: 20h40. Estranhei. Ainda restavam bons vinte minutos.
Entre queixas e outras reflexões que omito por sigilo, a fala foi desenrolando sua própria lógica.
Continuamos, mas algo não batia. Olhei de novo. O ponteiro estava imóvel, congelado no mesmo instante. Pedi licença, consultei o celular: eram 20h53.
Sorri e disse:
— O relógio parou. Está preso em 20h40. Não vamos atrasar o horário, mas veja: até o relógio atrasa.
Rimos juntos. E concluímos a sessão.
Winnicott nos lembra que o amadurecimento depende da possibilidade de viver com falhas que sejam suportáveis, transformando-as em experiência criativa. Assim, o relógio parado, ao invés de ser uma falha, torna-se um gesto espontâneo do ambiente.
Naquela cena, havia mais que o acaso. Havia uma lição disfarçada: o tempo não obedece ao nosso controle, por mais que tentemos aprisioná-lo em regras, horários e exigências. E ali o tempo se revelou cúmplice de uma brincadeira silenciosa, suficientemente leve para ser vivida e elaborada.
O paciente que odiava atrasos se viu, naquele instante, lado a lado com um relógio derrotado pela própria pilha. Afinal, até o relógio, maior símbolo da pontualidade, atrasa.
Talvez o atraso não seja sempre um pecado a ser punido, mas um sintoma, uma pausa, um convite ao imprevisto. No fim, não era somente paciente que havia atrasado. Era o próprio tempo que, naquele consultório, ousou se permitir parar.