04/06/2020
Quanto choro temos acumulado diariamente? Quanta dor impedimos que derreta e flua? Sempre que digo que devemos permitir que as crianças chorem até suspirar alguém me diz que isso seria impossível. Que o choro jamais teria fim, que a criança passaria horas em um estado de transe, imersa em lágrimas. E sempre que escuto isso, penso em quantas lágrimas essa pessoa tem segurado. Porque no fundo, ela não está falando da criança, está falando de si. Está falando das suas lágrimas não derramadas. Do nó que f**a na garganta quando a dor vem e as vozes internas dizem: "chorar pra que? Não vai resolver nada!", "não tenho tempo pra chorar!", "Eu tenho que ser forte!", "Faço m***a e agora vou chorar? Eu mereço!"," Que coisa ridícula chorar por isso!", "Minha dor não interessa a ninguém.", " Tô reclamando de barriga cheia, não tenho motivo pra chorar". Tantas e tantas falas duras, impiedosas, secas. Aprendidas em anos e anos de "quer um motivo de verdade pra chorar?". De repente tem tanta lágrima represada que romper a represa causaria uma devastação interna. Sacudiria as estruturas. Então, fortalecemos os muros, buscando segurar o inevitável em nós. Tentamos, incessantemente, diminuir a nossa humanidade. Pensar em permitir que a criança chore até o suspiro de alívio cria uma rachadura na muralha que construí a base de muito choro engolido aos soluços. Não, ela não pode chorar porque eu não posso. Mas a pergunta é: quem te impede? Papai e mamãe já não estão ao seu lado, ameaçando um tapa se chorar. Quem te impede? Volta e meia alguém me conta que já não sabe chorar. Que simplesmente não consegue. Não se engane, isso é tão estranho quanto não conseguir fazer xixi. É anti natural, resultado da violência passada de geração a geração. A lágrima não derramada vira briga, culpa, doença. Tanta energia gasta pra criar novas camadas de reforço nessa represa podia ser direcionada a cuidar do que precisa ser cuidado. Dê espaço. Chore. A vida pede isso. Quem te impede?