08/04/2020
Era 2016 quando Jair Bolsonaro e Dilma Rousseff juntaram forças para aprovar um dos capítulos mais vergonhosos da ciência brasileira: a liberação do uso de fosfoetanolamina como medicamento contra o câncer, ao arrepio da medicina.
Sobre a medicação, Bolsonaro afirmou em vídeo postado em seu canal no YouTube dia 25/fev/2016 (ainda disponível): “a fosfoetanolamina (...) tem levado muitos brasileiros à cura do câncer". Nesse mesmo vídeo, usa-se a imagem do oncologista Dr Drauzio Varela afirmando que a droga seria interessante.
Com o tempo, os estudos demonstraram que a fosfoetanolamina era ineficaz para o tratamento de qualquer tipo de câncer e nunca saberemos o tamanho dos prejuízos causados pelo seu uso em larga escala forçada pela aprovação da lei e por decisões judiciais irresponsáveis.
Agora em 2020, como em 2016, vejo a pulsão em querer ajudar os brasileiros no presidente Jair Bolsonaro. O problema é que essa vontade por ajudar acaba colocando todos os complexos protocolos da medicina baseada em evidência em segundo plano.
Me perguntaram o que acho sobre a Hidroxidocloroquina para o uso contra a COVID-19 e eu vou usar exatamente as mesmas palavras que o Dr Drauzio Varela usou para se referir à fosfoetanolamina em 2016: “eu acho que é uma droga interessante, é uma droga que precisa ser estuda em seres humanos", e é isso, ela ainda precisa ser muito estudada e testada para a COVID-19.
O editorial do The BMJ, o periódico médico mais respeitado do mundo, afirmou hoje, 08/abril/2020, no título que “O uso desses medicamentos é prematuro e potencialmente prejudicial” e conclui: “por enquanto, exceto por medidas de suporte, a infecção pelo SARS-CoV-2 é ‘essencialmente intratável’”. Porém, como disse Paul Sax, editor de infectologia do NEJM, “quase tudo que sabemos sobre COVID-19 tem prazo validade de iogurte”. Assim, precisamos ficar atentos aos estudos que estão surgindo, mas jamais gastar tanta energia e depositar todas nossas fichas numa medicação que apesar de promissora ainda não conseguiu se estabelecer como eficaz e segura.
https://www.bmj.com/content/369/bmj.m1432