12/11/2025
O Contra-Ego - "Eu" Existo ?
O ego é uma das instâncias da estrutura psíquica que reúne funções conscientes e inconscientes. É nele que se forma a imagem de si e se organizam as representações que sustentam o sentimento de identidade.
O contra-ego é uma subestrutura intrapsíquica que se opõe às partes sadias do ego.
O termo foi desenvolvido por Pierre Marty,
Michel Fain e Michel de M’Uzan, integrantes da Escola Psicossomática de Paris, para descrever uma organização interna patológica, proveniente do próprio ego, que atua contra as forças de ligação, simbolização e vitalidade psíquica.
Ao contrário das defesas que buscam preservar o equilíbrio psíquico, o contra-ego opera como uma instância que sabota: ele transforma a energia do próprio eu em obstáculo ao desejo e à criação.
Trata-se de uma estrutura autodestrutiva, sutil e persistente, que o sujeito mantém como se fosse uma forma de proteção, mas que, na verdade, impede o crescimento e o contato com a própria vida psíquica.
Marty (1980) descreve essa formação como uma espécie de “engenharia interna da autossabotagem”, um jogo entre forças psíquicas que utilizam os recursos do ego para agir contra ele mesmo.
Essa dinâmica é resultado de um modo de funcionamento mental rígido, com pouca mobilidade pulsional e escassa capacidade de simbolizar.
Quando o ego perde sua plasticidade e a vida psíquica se empobrece, uma parte dele passa a exercer funções destrutivas, o que Pierre Marty denominou de “funcionamento operatório”: uma organização psíquica empobrecida, onde as palavras deixam de ter densidade simbólica e a energia é desviada para a repetição e a somatização.
O contra-ego, então, se manifesta como um jogo interno de boicote e resistência, no qual o sujeito se torna ao mesmo tempo autor e vítima.
O sofrimento se mantém por fidelidade inconsciente a comandos internos ideais, culpas e proibições gravadas na estrutura egoica, às vezes desde a infância, que o sujeito já não consegue renunciar.
Ele acredita estar se protegendo de algo, quando na verdade está sendo dominado por uma parte de si que teme o risco de viver.
Na prática clínica, o contra-ego aparece quando o paciente, diante da iminência de mudança, se paralisa, abandona o tratamento ou retorna aos mesmos padrões de fracasso, culpa e autodesvalorização.
Pierre Marty e Michel Fain observaram que essa força não é mera resistência, mas uma organização coerente do funcionamento psíquico o próprio ego transformado em força contrária à sua expansão.
O contra-ego é, portanto, uma organização interna de autossabotagem, uma forma de coerência patológica que preserva o sofrimento para evitar o desamparo.
Ele não apenas resiste à mudança, mas impede o sujeito de se encontrar com a própria subjetividade.
Entre as formas mais comuns de sua ação, destacam-se:
1. A existência narcisista em que o sujeito permanece aprisionado a objetos internos idealizados ou ameaçadores, que prometem segurança, mas o afastam da autenticidade e da espontaneidade.
Isso se manifesta, por exemplo, em pessoas que precisam parecer fortes o tempo todo, incapazes de pedir ajuda ou mostrar fragilidade; ou naquelas que vivem em função da aparência e da performance, buscando aprovação constante, mas sentindo um vazio crescente.
Em outros casos, o contra-ego aparece quando o sujeito sabota oportunidades de alegria ou descanso, por acreditar que relaxar é sinal de fraqueza como se o sofrimento fosse o único modo legítimo de existir.
2. A obediência ao ideal herdado quando o sujeito permanece fiel a papéis e expectativas que já não lhe pertencem, perpetuando identif**ações que o impedem de viver de forma criativa e singular.
Isso acontece, por exemplo, com o adulto que ainda se sente responsável pela felicidade dos pais, o profissional que escolheu uma carreira apenas para corresponder ao ideal familiar, ou a mulher que se culpa por desejar uma vida diferente da que aprendeu a servir.
São formas de lealdade inconsciente que aprisionam o sujeito ao passado e o afastam do próprio desejo.
O contra-ego descreve, em última instância, o ponto em que o sujeito se confunde com o próprio ideal, perdendo a capacidade de se diferenciar do olhar do outro.
A tarefa analítica consiste em permitir que o sujeito reconheça essa estrutura interna, restitua o movimento simbólico e recupere a autoria sobre a própria história psíquica.
Psicóloga/Psicanalista Francinéia Fabrizzio
*** Nota teórica
O termo “contra-ego” (contre-moi) foi formulado por Pierre Marty, Michel Fain e Michel de M’Uzan (Escola Psicossomática de Paris, década de 1970–1980), para designar uma organização intrapsíquica de caráter autodestrutivo.
Segundo Marty (L’Ordre Psychosomatique, 1980), trata-se de uma instância do próprio ego que trabalha contra o ego, limitando a simbolização e a energia vital do sujeito, e contribuindo para o desenvolvimento de sintomas repetitivos e somatizações.