05/02/2018
Te**es Genéticos em Psiquiatria: sua utilidade no estágio atual do conhecimento
Dr Frederico Navas Demetrio
Recentemente, um repórter “global” divulgou maravilhas a respeito de te**es genéticos em psiquiatria. Segundo o repórter, ele passara por vários tratamentos inef**azes e somente após a testagem genética foi descoberto o “remédio certo” para tratar a sua Depressão, e também que todos os tratamentos que fizera anteriormente estavam “errados”. Para comentar a respeito, primeiro preciso pressupor que o diagnóstico de Depressão estava correto (já que a maior parte dos “tratamentos inef**azes” decorre de um diagnóstico errado da Depressão, ou seja, quando na verdade os sintomas depressivos fazem parte de outro Transtorno, como o Transtorno Bipolar do Humor)
Pressupondo um diagnóstico correto de Depressão, precisamos entender que o fato de um tratamento corretamente executado não funcionar não signif**a que ele tenha sido “errado”. É comum que o primeiro tratamento para um Episódio de Depressão não funcione, ou funcione apenas parcialmente, mesmo que a medicação tenha sido utilizada na dose correta pelo tempo correto. A Depressão pode ter muitas comorbidades, como Transtornos de Ansiedade ou Abuso de Substâncias, o que dificulta uma melhora completa (sendo necessária a abordagem conjunta desses Transtornos, juntamente com o tratamento da Depressão). Comorbidades clínicas também são comuns, e às vezes f**a difícil determinar se a Depressão facilita a ocorrência de problemas tais como dores crônicas, por exemplo, ou se a síndrome dolorosa crônica é que facilita a ocorrência da Depressão. Existem episódios de Depressão que são comórbidos a doenças crônicas (Diabetes, Insuficiência Cardíaca, Lúpus, entre outras) e nas quais a melhora da doença clínica é fundamental para a melhora da Depressão, e onde o tratamento correto da Depressão pode melhorar o prognóstico da doença clínica! F**a impossível determinar qual tratamento é mais importante e todos os transtornos devem ser tratados, para uma melhora global do paciente. Mesmo nos casos onde não pareça existir uma comorbidade, o tratamento pode envolver outros profissionais, além do psiquiatra; uma psicoterapia pode ser essencial em muitos casos de Depressão, e caso o paciente fique apenas na medicação, a resposta pode ser incompleta.
Então, os te**es genéticos são úteis ou não? Em psiquiatria, não dispomos de exames complementares que possam auxiliar no diagnóstico. O psiquiatra usualmente solicita vários exames complementares, mas o objetivo desses exames é afastar alguma doença que possa estar cursando com sintomas de Depressão (como o Hipotireoidismo, por exemplo) ou se antecipar a um possível efeito das medicações (ter certeza que o paciente tem os rins e o fígado funcionando perfeitamente, pois os medicamentos precisam desses órgãos em perfeita ordem para serem corretamente metabolizados). Exames de imagem são importantes para se descartar uma anormalidade na estrutura do cérebro (Tomografia ou Ressonância Magnética), mas não confirmam nem afastam o Diagnóstico de Depressão. O diagnóstico é fundamentalmente clínico, baseado no sinais e sintomas do paciente, e em seu histórico pessoal e familiar. Os te**es genéticos também podem ser úteis em algumas ocasiões, e se dividem basicamente em duas categorias:
1) Te**es de genes que podem indicar se o paciente é “metabolizador lento” ou “metabolizador rápido” de alguns fármacos: o fígado é um órgão extremamente eficiente na metabolização de medicamentos, mas mesmo diante órgão saudável, em alguns pacientes pode existir uma deficiência na metabolização e eliminação de algumas medicações. Esta deficiência pode estar ligada a alguns marcadores genéticos (chamados de polimorfismos) que podem ser detectados numa genotipagem. Caso paciente possua um gene com um polimorfismo que reduza a eficácia de uma determinada enzima do fígado, ele pode ser um “metabolizador lento” para algumas medicações que dependam daquela enzima para serem metabolizadas. É importante notar que existem te**es para detectar apenas alguns polimorfismos, ou seja, que podem explicar por que alguns pacientes são muito “sensíveis” a determinados medicamentos, se “intoxicando” com facilidade; mesmo nesses poucos pacientes que são “metabolizadores lentos” para uma determinada enzima do fígado, a medicação pode ser metabolizada por OUTRA enzima semelhante (onde não exista a tal deficiência, para a qual não haja genotipagem no momento). Ou seja, o teste explica alguns, mas não explica todos os casos de intoxicação ou sensibilidade a determinado fármaco – um teste útil mas limitado, com qualquer outro teste em medicina. Sendo assim, esse teste não é feito de rotina, e solicitado apenas naqueles pacientes onde exista uma sensibilidade exagerada a um fármaco e onde se saiba qual enzima do fígado elimine este determinado fármaco, desde que exista um teste de genotipagem para se detectar um polimorfismo que explique uma metabolização lenta daquele determinado fármaco. O teste, portanto, não deve ser solicitado para todos os pacientes indiscriminadamente, pois pode ser, além de inútil, muito caro. R Raciocínio semelhante, mas inverso, se aplica aos “metabolizadores rápidos”: alguns pacientes possuem um gene com um polimorfismo que aumenta a eficácia de uma determinada enzima, podendo existir uma metabolização exagerada e uma eliminação muito rápida de algumas medicações (que, mesmo usadas em doses elevadas, não promovem melhora da Depressão, como também não provocam efeitos colaterais esperados para aquela dose alta de medicamento). Então, em casos onde um paciente não apresente resposta terapêutica nem efeitos colaterais de um fármaco, utilizado em doses elevadas (desde que esteja tomando corretamente, é claro!), e desde que exista um teste de genotipagem para se detectar um polimorfismo que explique uma metabolização rápida daquele determinado fármaco, o teste pode ser solicitado para tentar descobrir por que esse paciente não responde ao tratamento. Novamente, temos uma situação muito específ**a, onde o exame de genotipagem pode ser útil, mas não se deve solicitar o exame indiscriminadamente (cada fármaco pode ter mais de uma enzima metabolizando-o, não existem te**es para todas as enzimas, o teste é caro e assim por diante)
2) Te**es farmacogenômicos propriamente ditos: com certeza, estes serão os te**es que irão apresentar maior utilidade no futuro. Mas veja bem, no futuro. Como a própria genética dos Transtornos Psiquiátricos ainda é, em grande parte, desconhecida (embora haja inúmeros progressos nos últimos tempos), a determinação da eficácia de um tratamento, ligada a esse ou aquele gene, também é incipiente. Farmacogenômica é isso: tentar descobrir se existe alguma variação, de algum gene (variação chamada polimorfismo) que explique por que um determinado paciente responde muito bem a um medicamento e um outro paciente, com o mesmíssimo diagnóstico, não responde em absoluto a esse mesmo medicamento (sem contar os problemas metabólicos, discutidos no item 1 acima). Para alguns diagnósticos e para a resposta (ou falta dela) em se usando alguns fármacos, existem dados mais ou menos consistentes. Entretanto, para a maior parte dos diagnósticos em Psiquiatria e para a grande massa de tratamentos existentes, esta relação entre polimorfismo genético e resposta a um fármaco ainda é, em grande parte, especulativa. Essas descobertas são importantes, sendo muito úteis em pesquisa clínica, mas muitas vezes apresentam poucos resultados práticos em se determinar se este ou aquele paciente vai responder a esta ou aquela medicação. Nós vamos chegar cada vez mais perto de “terapêutica individualizada”, onde, uma vez diagnosticado um determinado Transtorno, um teste genético poderá indicar se o tratamento-padrão para aquela condição médica é o melhor disponível para aquele paciente, ou se o paciente possui algum polimorfismo que indique o uso de uma medicação alternativa. Hoje, no momento atual do conhecimento, essas correlações são bastante fracas, e não é raro um paciente responder muito bem a um medicamento que foi “contra-indicado” pelo teste genômico! (para os te**es metabólicos, descritos no item 1, esse tipo de “surpresa” é menos frequente, mas ainda assim pode ocorrer). Mas por que isso acontece? Os genes não são “fixos”, isto é, se você nasce com uma determinada carga genética, ela está presente em todas as suas células? Se um paciente possui o mesmo polimorfismo (variação de um gene) de outro paciente que não respondeu a determinado fármaco e que possua o mesmo polimorfismo, como é possível o paciente vai responder ao tratamento contra-indicado? Tentemos algumas explicações. Primeiro, o fato do gene (na verdade a sua variação, o polimorfismo) existir, isso não quer dizer que o gene vá se expressar, ou seja, dar origem à proteína (enzima, receptor etc) que vai ao final determinar a resposta (ou falta de resposta) a determinado fármaco. O gene pode ser recessivo (só se expressa se duas cópias estiverem presentes). O gene pode ter sido “desligado” por fatores “epigenéticos”, ou seja, alterações ambientais “ensinaram” o organismo que aquela variação do gene “não é boa” e o próprio sistema de controle acaba “desligando” (metilando) aquela cópia do gene com o polimorfismo indesejado. Além da metilação do DNA, hoje se reconhece o papel do micro-RNA na modulação da expressão genética. O micro-RNA regula não a transcrição do gene (codif**ação do RNA mensageiro a partir do DNA), mas a translação do gene, que é a síntese da proteína codif**ada nos ribossomos (impede a produção da proteína codif**ada no gene, mesmo que ele esteja “ligado”). Mais além, mesmo que o polimorfismo acabe finalmente resultando na produção da proteína, outros genes podem regular o funcionamento desta proteína, sem que sejam detectados na genotipagem, ou seja, como determinados polimorfismos em geral estão relacionados a uma resposta (ou falta dela) a um determinado fármaco, se conclui que quem possui aquela variação deveria responder (ou não responder) àquele fármaco, mas para muitas pessoas o efeito do gene com polimorfismo é “cancelado” por outros genes, eventualmente ainda não conhecidos e não genotipados, e o efeito esperado pela genotipagem simplesmente não ocorre: o paciente responde maravilhosamente bem ao fármaco “contra-indicado”, ou não responde em absoluto ao fármaco recomendado pela genotipagem.
Sendo assim, podemos tirar algumas conclusões sensatas sobre os te**es genéticos em psiquiatria:
1) Genotipagem de genes relacionados ao metabolismo de fármacos podem ser indicados naqueles pacientes que têm muita sensibilidade e efeitos colaterais a um fármaco (ou família de fármacos) que são eliminados por determinada enzima do fígado e cujo gene determinante desta enzima possa sofrer polimorfismos (detectáveis numa genotipagem) que tornem o paciente um “metablizador lento”
2) Genotipagem de genes relacionados ao metabolismo de fármacos podem ser indicados naqueles pacientes que não respondem mesmo a altas doses e não têm efeitos colaterais característicos de um fármaco (ou família de fármacos), que são eliminados por determinada enzima do fígado e cujo gene determinante desta enzima possa sofrer polimorfismos (detectáveis numa genotipagem) que tornem o paciente um “metabolizador rápido”
3) Genotipagem de genes cujos polimorfismos “predizem” se o paciente vai responder (ou não) a um determinado fármaco possuem utilidade clínica bastante questionável na maioria das vezes, e podem mais atrapalhar que a ajudar no tratamento, se não forem corretamente interpretados. Estes te**es vão melhorar muito no futuro e são objeto de intensa investigação no presente, mas não devem ser prescritos de rotina, no presente estágio do conhecimento.
Sendo assim, chegamos à conclusão que os te**es de genotipagem (notadamente os metabólicos) têm sua utilidade no presente, mas só devem ser prescritos em situações específ**as. Seu uso indiscriminado e interpretação por pessoas que não conheçam as suas limitações (ainda muito grandes, por sinal) podem levar a um gasto desnecessário de recursos e não contribuírem para um melhor tratamento dos pacientes.
A CLIAD é uma empresa formada por médicos psiquiatras altamente especializados na área de transtornos do humor e de ansiedade. Contamos também com o apoio de psicólogas de formação acadêmica sólida e de grande experiência clínica.