11/07/2017
Hemodiálise, uma sentença de morte?
Há menos de um século no Brasil, a insuficiência renal terminal era vista como um problema de saúde irreversível, ficando condicionada a sobrevivência do indivíduo acometido a uma dieta hipoproteica e alguns cuidados gerais. Para explicar melhor o ocorrido, faço aqui um breve histórico dos fatos que levaram a descoberta deste grande feito dentro da medicina.
Em 1830 um físico Inglês chamado Thomas Graham, verificou, que separando dois líquidos com substâncias dissolvidas numa membrana celulósica, estabelecia troca entre elas. Nesta experiência ou fenômeno, o físico chamou-lhe “Diálise” e às membranas com estas características “semi- permeáveis”.
Entretanto, apenas após oitenta anos, este princípio físico foi aplicado à experiência.
Em 1913 na América, John Abel Idealizou e utilizou nos cães sem rins, o primeiro ” rim artificial”, encontrando complicações como infecções, rupturas das membranas utilizadas e coagulações.
Georg Haas em 1928 o método e começou por fazê-lo pela primeira vez com a heparina, o qual foi feito com 9 passagens pela membrana e não com uma, como anteriormente tinha sido feito.
Em meados de 1936, quando se iniciou a comercialização do celofane, houve uma melhoria da diálise. Foi neste mesmo ano que foi possível aplicar a diálise ao ser humano com alguma segurança.
Durante a segunda guerra mundial (1940), o holandês Willem J. Kolff (14/2/1911 - 11/2/2009) (considerado por alguns o pai da Hemodiálise) fez um "Rim Artificial" que consistia num tubo de 40 metros de celofane enrolado num cilindro que rodeava um tanque que continha uma solução. O sangue do doente circulava dentro do tubo e a cada rotação do cilindro mergulhava no tanque.
Por meados do ano de 1943, Prof. Kolff utilizou pela primeira vez este "Rim Artificial" num paciente com Insuficiência Renal Aguda. Este método de Diálise foi igual ao que fez inicialmente Georg Haas; 0,5 L. de sangue do doente que circulava no dito "Rim Artificial" e em seguida era reinfundido novamente.
O Rim do Prof. Kolff tinha uma inovação: o sistema de propulsão do sangue no circuito (com adaptação de uma bomba de água de um automóvel), permitiu que, pela primeira vez, fosse utilizada num doente a diálise contínua. Puncionava-se uma artéria e uma veia, e o sangue circulava continuamente.
O maior problema era que de cada vez que se fazia este tratamento era necessário uma nova artéria e nova veia.
O ano de 1945 foi o que marcou a sobrevivência do primeiro paciente do "rim artificial" do Prof. Kolff, com uma insuficiência renal aguda, conseguindo alcançar a durabilidade de uma sessão de hemodiálise de 11 horas e recuperando posteriormente a sua função renal.
Nos meados dos anos 50, a hemodiálise ainda era considerada experimental e fazia-se em meia dúzia de hospitais, com resultados duvidosos, sendo utilizada em apenas casos de insuficiência renal aguda
Em 1960 que Scribner e Quinton descreveram um dos marcos históricos, senão o maior (na altura) no tratamento da Insuficiência Renal Crônica pela hemodiálise: o "SHUNT" artério-venoso externo permanente, que consistia na implantação de duas cânulas de Teflon colocadas numa artéria e numa veia, continuadas por dois tubos Silastic que se ligavam entre si por uma conexão. O Shunt era colocado utilizando artérias periféricas que podiam ser dos membros superiores e inferiores. Este tipo de acesso podia ser temporário ou definitivo, possibilitando a repetição do procedimento dialíitico.
Foi só em 1960 que começou o primeiro doente com Insuficiência Renal Crônica a ser tratado em Hemodiálise regular, uma e duas vezes por semana.
Entre 1960 e 1965, desenvolveram-se os dialisadores "COIL" (tubo celofane enrolado em espiral) e do tipo KILL (Placas de Celofane paralelas).
Por volta de 1965, o celofane foi substituído por outro derivado celulósico - o cuprofano - com melhores características de resistência e com capacidade para dialisar as substâncias tóxicas.
Em 1966, CININO e BRESCIA criaram cirurgicamente a fístula artério-venosa interna (FAV), que consiste numa pequena comunicação, inferior a 0,5 cm, direta, entre uma veia e uma artéria. Deste modo, uma quantidade razoável de sangue arterial é desviada para a circulação venosa dessa região. Só existia uma diferença em relação ao Shunt, enquanto esta podia ser usado de imediato, a fístula de Cinino e Brescia precisavam "amadurecer" e só deveriam ser utilizadas uma semana, ou melhor ainda, três a quatro semanas após a sua confecção.
Ao longo das ultimas 5 décadas, os modelos de máquinas de hemodiálise e os materiais utlizados passaram a ser com a maior biocompatibilidade e tecnologia, possibilitando um procedimento diaíitico de alta performance e segurança.
A hemodiálise vem sendo utilizada tanto na insuficiência renal aguda quanto na crônica, salvando milhares de vidas.
Alguns pacientes quando diagnosticados com insuficiência renal , ainda sobre o impacto histórico recente, absorvem a notícia de que precisarão deste procedimento de maneira a cogitar que seria quase uma sentença de morte, pelo grau de complexidade envolvido neste procedimento, que requer um suporte familiar e hospitalar adequados para o funcionamento estruturado.
A tecnologia e o estudo da farmacologia também avançou muito nestas décadas e hoje o paciente renal recebe , além do processo de filtragem do sangue e eliminação dos metabólitos renais em grande parte, os medicamentos que substituem o funcionamento dos rins em suas outras funções equilíbrio mineral ósseo, bem como manutenção hematimétrica , devido a administração de uma substância que atua na medula óssea, a eritropoetina, responsável pela estimulação produção de células vermelhas do sangue, evitando assim a anemia.
Além da hemodiálise, podemos contar com outras modalidades de terapia renal substitutiva como o transplante renal e a diálise peritoneal. Modalidades que serão abordadas em outra oportunidade.
Portanto, não se pode afirmar que seja a indicação de terapia renal substitutiva uma sentença de morte. Cada vez mais especializado e melhor vem sendo este tratamento, havendo maiores oportunidades de sucesso terapêutico.
Nos últimos tempos , pode -se dizer que o maior fator limitante deste tratamento tem sido a falta de recursos financeiros para a cobertura via SUS, procedimento que sempre foi feito pelo Brasil de maneira igualitária,atingindo todas as camadas sociais; entretanto, com a crise financeira, vem sofrendo fortes abalos.
Mesmo com estas dificuldades, cada vez mais, a hemodiálise constitui-se, outrossim, como verdadeira SENTENÇA DE VIDA!