13/07/2019
ANÁLISE DE UM TRIÂNGULO AMOROSO (Os caminhos da traição)
Ele transitava por entre três vértices: ela, a outra e sua confusão. Os relacionamentos humanos contêm naturalmente a sua gama de complexidade. O par formado entre dois seres já carrega consigo atração e repulsão, em diversos níveis. Um terceiro vértice potencializa a divisão, muito embora, sob certo aspecto, componha a tentativa enviesada de equilíbrio proposta pelo complexo e pela dificuldade de integração da sombra e das contrapartes se***is inconscientes.
Gostaria de trazer esse tema, mas não para comentar em torno da traição; tenho em mente outro aspecto inerente à questão que gostaria de explorar em meu raciocínio: uma faceta do triângulo na psiquê masculina tomada pela Anima. Penso em diversos casos que acompanhei e alguns detalhes de suas dinâmicas chegam à minha mente para compor esse pensar. O enamoramento do começo despistara o olhar crítico e as teias movediças iam se encorpando mais e mais. Entretanto, o tempo traz de volta a subjetividade natural do indivíduo e, aos poucos, ele vai voltando a ser ele mesmo, a ver mais, a se incomodar mais.
O controle feminino recebe a capa lustrosa das leis herdadas e da moral, nos formatos sociais de relação e ele precisa obedecer. Seu trajeto deverá ser estritamente relativo ao trabalho, à família e às coisas do casal. Ele cedeu por muito tempo e, tardiamente, deu-se conta do ressequido cárcere em que se viu privado de seus amigos, seus momentos, sua individualidade, claro que tudo em nome do amor, do casal e da família. Mas, no fundo, não era exatamente assim que ele se sentia e desejava. Atendendo ao chamado da contenção e do medo, amoldou-se anuladamente a um formato que pertencia ao outro e nunca soube discordar ou expressar diretamente seu desejo.
Certamente, podemos hipotetizar que essa estrutura de mente poderia carregar consigo alguns aspectos importantes para marcar sua sujeição. Uma autoimagem e autoestima comprometidas, a dificuldade de impor limites e tomar decisões, a inabilidade em fazer cortes e expressar sua vontade, o medo da perda e da solidão, os sentimentos de culpa. Aspectos possivelmente construídos através de um complexo materno negativo, onde esse filho desenvolveu necessidade de aprovação constante, muitas vezes com um duplo vínculo com a mãe e uma figura paterna isenta de força, também dominada por ela e, portanto, inerte. Da mãe devoradora e potente derivou uma anima semelhante, projetada na esposa que o domina e substitui a mãe em alguns aspectos, reafirmando a impotência do filho.
Um belo dia, ele se depara com alguém diante de quem consegue se expressar com naturalidade e leveza e subtrai-se a um envolvimento que, antes de qualquer coisa, é a sua forma inconsciente de recuperar o poder perdido pelas vias da transgressão conjugal. Logicamente, que não devemos desconsiderar o desgaste acumulado pelo sentimento de submissão e raiva ao qual se rendeu por não incorporar na consciência a virilidade necessária para definir claramente seu espaço. É como se esse psiquismo estivesse possuído por aquela anima que, ao tempo em que lhe resgata o poder, lhe escraviza no esconderijo da covardia e da confusão, incapacitando-o de escolher.
Deparamo-nos com um ego cuja estrutura fragilizada sucumbe ao medo de perder algo que já não tem e calcula suas escolhas pela régua desse medo, preferindo manter tudo sem possuir nada por inteiro e sem estar integralmente em nenhum dos lugares. Todavia, escolher tanto é perder quanto é ganhar. Sem escolha, o indivíduo se vê aprisionado, não mais nas três pontas do triângulo, mas no desejo de retê-las todas para sentir-se seguro, meio dentro e meio fora, sem ser feliz, sem levar felicidade a ninguém e sem resolver sua angústia.
Quando flagrado em suas múltiplas pistas, entra no lugar de marido culpado que tudo quer fazer para sanear o casamento e tende a submeter-se às regras ainda mais duras da esposa ferida. Esta, por sua vez, não tem fibras para sair de um casamento destroçado e se mantém dentro dele, compensando seu sentimento de fraqueza interior através da punição constante do marido, da culpa relembrada a todos os instantes e da impossibilidade de entrega. Diante dessa pressão, ele compensa o peso, resvalando nos braços da outra e permanece no limbo de não saber qual escolha fazer, querendo garantias de sucesso ilusórias, sem enxergar claramente que algo já havia desandado há muito tempo. Ambos estão juntos e separados pelo mesmo motivo.
Vale dizer que não exercemos aqui nenhum juízo de valor e nem de caráter. Entretanto, diante da delicadeza dessas questões, entendemos a necessidade de integrar a sombra escondida nas cobertas alheias, pois ambos os vértices representam tensões importantes para esse ego. Uma lhe provoca a entrada no exercício do masculino e o outro representa os aspectos projetados que ele ainda é incapaz de perceber e vivenciar em si mesmo de maneira direta. A via da transgressão é a sua porta de saída, mas também sua entrada no labirinto. Ele poderá sustentar por muito tempo ou poderá ser deflagrado pelo próprio inconsciente, que sempre trata de deixar rastros para ser descoberto e ter que lidar face a face com os incômodos e as questões que nunca soube abordar. Aprofundamento requer restrição e escolha, da mesma forma que acatar-se e respeitar-se passa pelo ato de saber demonstrar ao outro até onde ele pode interferir em sua vida, quando você assim o permitir.
Silêncios forçados produzem a bactéria psíquica do desafeto e do rancor, levando o indivíduo a contrabalançar isso em ações passivo-agressivas, em ataques ou em atos clandestinos. Diante do triângulo sombrio, é preciso trazer a sombra à tona para educá-la e dar-lhe expressões sadias, criando quaternidade e integrando o bom e o ruim que vemos e buscamos em nós mesmos.
Qualquer escolha tem suas consequências. Amadurecer também implica em assumí-las, aprendendo com elas e definindo para si mesmo que linha de vida você deseja adotar. Aprender a opor e a confrontar é essencial nesse processo de fixação da individualidade para além daquilo que os outros pensam sobre nós ou querem que façamos. Mais que isso, resta-nos o fato de que é impossível não escolher. Quando não fazemos isso da forma adequada, a Vida o faz com a potência necessária para nos retirar da inércia.