21/08/2020
A NATUREZA DA MENTE
Sinto que qualquer questão que penso me remete a reflexão sobre a natureza da mente.
De forma paradoxal, a mente tenta explicar a mente, o que abre espaço para a questão: "o que existe além da mente?". De novo surge o paradoxo; pode a mente descobrir o que existe alem dela mesma? Se descobre caímos de novo na mente, se não descobre como ter consciência do alem mente? Creio que a resposta possa ser procurada na reflexão possível que a mente faz sobre sua própria natureza.
A mente Identifica no ser humano duas qualidades básicas, a saber: Instinto e crença. O instinto é a qualidade inata, a qualidade de todos os seres vivos que não pensam sobre o que fazem. Apenas fazem o necessário para manter a vida; a vida se mantém viva, seja lá o que for a vida. Neste sentido, o ser humano se iguala a todas as formas vivas; come, bebe, respira, procria, se transforma. Mas o que cria no ser humano, como ser humano, a capacidade de perceber ou de classificar as coisas desta maneira? Me parece que a capacidade de acreditar no que pensa e portanto pensar no que acredita. Mas o que vem a ser este ato de crer, pensar, classificar, confrontar, reconhecer, lembrar? O que vem a ser a consciência (consciousness)? Como surge esta consciência? De onde ela vem? Como ela constrói filosofia, ciência, teologia e significa todas as coisas absorvidas pelos cinco sentidos? Como ela pensa isto que está sendo pensado aqui?
Esta mente que pensa este texto, se percebe como um atributo da natureza e no caso, da natureza humana. Se percebe como um atributo desenvolvido pela transformação humana com o objetivo instintivo de manter vivo esta forma de vida que ela classifica como humana. Da mesma maneira que outras formas de vida desenvolveram atributos tais como mudar de cor, expelir odores, desenvolver garras ou cascos, crescer ou diminuir pescoços, serem mais lerdos ou extremamente velozes e assim por diante, tudo com o objetivo de obter alimento ou escapar de ser alimento, isto que a mente classifica como ser humano desenvolveu a mente, como seu atributo de obter alimento e fundamentalmente não ser alimento de outras espécies. Ou seja, a mente é um atributo desta espécie chamada de humana por ela, cujo objetivo a princípio, é o de preservar a vida desta espécie.
Curiosamente, ao fazer isto ela (mente) se transforma e desenvolve a percepção da morte deste ser, do qual é um mero atributo. Neste momento, como sua função é a de preservar a vida ela evolui na direção de negar a própria morte, construindo um conjunto explicativo de crenças que se consolidarão na religião, na razão, na ética e na estética. Como todo atributo, este atributo chamado mente se retro-alimenta, gerando, o tempo todo, centenas de novas questões para cada resposta que propõe. E se justifica com isso criando a noção de mistério, algo que deve por ela ser desvendado. Desta forma, aquilo que deveria ser um mero atributo de defesa da vida, passa a ser o centro do universo, como se fosse a consciencia de Deus.
Se a mente conseguir se perceber como atributo, talvez possamos mergulhar em nossos instintos, aquilo que era nossa percepção da existencia anterior a mente, atividade que só se possibilita na negação da própria mente. Aqui surge uma grande dificuldade; se a mente é um atributo para negação da morte, exercitar a meditação, que é a não mente, gera nesta (mente) a sensação de morte e a luz de perigo se acende. A questão que se coloca neste momento é como a mente pode se perceber em uma ação secundária, a serviço do instinto e não como feitora deste instinto.
As técnicas orientais de meditação nos indicam caminhos para aos poucos levar a mente a esta condição, permitindo que a manifestação primeira do ser, aquela que metaforicamente foi vivida por Adão e Eva no paraiso possa ser recuperada. Na metáfora bíblica, a ingestão do fruto da arvore do conhecimento do bem e do mal, corresponde a formação da mente; esta (mente) percebe a nudez. O instinto não. E aqui reside a raiz da construção mental de valores mentais básicos como medo, desejo, raiva, inveja e indiferença. Na medida em que a mente não se perceba como secundária, tende a achar que estes valores são o próprio humano, construindo todo um universo explicativo, que associado a sua unica função básica de preservação da vida, leva a uma infinidade de conceitos, leis, valores que ao invés de aproximar o ser humano de Deus o afasta cada vez mais.
No Taoismo lemos no versículo 38 que quando o tao (a idéia de tao é caminho. Em uma tradução livre poderíamos falar em fluxo do universo ou fluxo de Deus) está perdido, nos fixamos na virtude e a perdemos; então nos fixamos no amor e o perdemos; daí nos fixamos na justiça e também a perdemos; neste momento criamos regras e todos ficamos cegos.
Nos parece que quando Adão e Eva se percebem nus (formação da mente), perde-se a conexão original com a essencia divina e as regras e as leis se impõe. Mas ao cumprir as regras e as leis o ser humano não consegue mais retornar ao seu sentimento original, o sentimento da respiração de Deus. Na metáfora, o homem é pó da terra inflado e tornado vivo pela respiração de Deus e não pela "logica", "mente", ou "leis" de Deus. O homem que não se percebe nu, também não percebe sua virtuosidade, seu amor e sua justiça. Ele apenas é, como Deus.
Mas, antes que a mente que escreve este texto se irrite ou deprima com estas afirmações, é importante frisar que ser ser humano implica na existencia da mente. Não se trata de negar a mente e suas elaborações e conquistas mas sim de realocá-la em seu devido lugar; um atributo desta espécie , por ela chamada de humana, que permitiu a sobrevivencia desta espécie em um mundo no qual o humano era presa e não predador.
O que cabe nesta tomada de consciencia (awareness) é limpar a mente dos medos, que geram odios e preconceitos, dos desejos, que geram ganancia e arrogancia, das raivas e invejas que se alimentam em uma dança autodestrutiva, na qual aquele que toma o veneno deseja que o outro morra e da indiferença, sentimento sobre o qual os outros sentimentos se enraizam.
Virtude, amor e justiça são humanos naturalmente. A interpretação da mente é que os perde.
Wu Li D**g