01/12/2025
"Ao empreender uma análise podemos supor que vamos apenas em direção ao autoconhecimento - mantra de dez entre dez ofertas de terapias, coachings e outras formas de tentar controlar o universo com o poder da mente. Mas, se dermos um passo à frente, iremos rumo ao autodesconhecimento.
Para a psicanálise, o outro, que nos assusta tanto - a ponto de fazermos muros e leis que nos protejam de sua suposta ameaça -, está, antes de tudo, em nós mesmos. Somos nós mesmos a nos assombrar com o nosso autodesconhecimento...Reconhecer nosso autodesconhecimento estrutural e insolúvel é o que há de mais libertador em uma análise. Mas reconhecer não é justificar. É assumir integralmente a responsabilidade por esse ato que emerge do desejo.
O curioso é que, ao dar ao gesto a dignidade de um desejo que não pôde ser assumido até então, deixamos de ser vítimas das circunstâncias e passamos a ser sujeitos. A ética da psicanálise implica que cada um assuma o que fazer com suas mazelas e alegrias, não cabendo ao analista vestir a camisa da torcida organizada.
Se temos algo a conhecer sobre nós em análise, é que seremos sempre desconhecidos para nós mesmos. Daí a possibilidade de se espantar, por vezes, e se encantar, por outras, com o que nunca saberemos de nós, levando uma vida tão empolgante quanto arriscada, e sem chance de superioridade."
"Felicidade Ordinária"
___Vera Iaconelli - Rio de Janeiro, Zahar, 2024