23/03/2020
NOTA PÚBLICA
Sorocaba, 22 de março de 2020.
Nota Pública dirigida a síndicos de condomínios (residenciais e comerciais), diretores das associações gestoras de loteamentos fechados, aos condôminos e moradores de loteamentos fechados, e gestores condominiais em geral (administradoras de condomínios e loteamentos fechados)
A Ordem dos Advogados do Brasil, por meio da sua Comissão de Direito Condominial da 24ª Subseção de Sorocaba/SP, diante da pandemia do novo Coronavírus (COVID-19) que assola nossa sociedade, levando em consideração as últimas medidas governamentais em sede federal, estadual e municipal, e ainda, levando em consideração as últimas informações médicas sobre o estado geral da saúde pública, divulga nota pública com orientações jurídicas que entende pertinentes, especialmente dirigidas a todos aqueles que atuam direta ou indiretamente nos condomínios e associações gestoras de loteamentos fechados da região.
O objetivo deste documento é dirimir dúvidas e auxiliar na tomada de decisões dos síndicos e gestores, no sentido de mitigar os riscos de disseminação da doença e manter o normal e harmonioso funcionamento dos condomínios (residenciais e comerciais) e loteamentos fechados, tão necessário nesse momento crítico em que passa nosso país e o mundo.
Inicialmente importante destacar que os síndicos e presidentes de associações têm poderes executivos para que, em situações extremas como a que estamos vivendo, tomem medidas extremas, mesmo sem a realização de assembleia e aprovação de todos ou da maioria dos condôminos ou associados.
Não se trata de uma faculdade, mas de um PODER/DEVER previsto no artigo 1.348, inciso V do Código Civil, que trata das atribuições do síndico perante a coletividade que representa, bem como nos artigos 53 e ss. do Código Civil, e nos respectivos Estatutos Sociais, os quais preveem as atribuições dos administradores das associações que regem os loteamentos fechados.
Neste sentido, medidas como as citadas abaixo são muito mais do que precauções, são ações de saúde pública as quais visam a proteção ao direito a vida, contido no artigo 5º da Constituição Federal.
Assim sendo, passamos a dispor abaixo recomendações essenciais, em consonância com as determinações constantes das normatizações Municipais, Estaduais e Federais em vigor:
1 – Da não-realização e cancelamento de assembleias, e seus efeitos sobre os mandatos eletivos
Diante da situação emergencial, onde toda e qualquer aglomeração de pessoas está proibida, as previsões normativas que determinam a realização das assembleias, em especial as com finalidade de eleição, poderão, excepcionalmente, ficar com eficácia “suspensa”.
Considerando a impossibilidade física e involuntária da realização de assembleia, o atual síndico deverá continuar no mandato até que ocorra a possibilidade de nova reunião assemblear.
Assembleias já designadas deverão ser canceladas, contudo, mediante ampla divulgação aos moradores por meio de todos os canais possíveis, tais como: murais, elevadores, e-mails e aplicativos de mensagens (“Whatsapp”).
Todavia, assim que houver condições e permissão legal para realização de assembleias, recomenda-se que uma vez designada, conste um item específico no edital de convocação para convalidação dos atos praticados durante o prazo que suplantou o mandato em decorrência da pandemia.
Recomenda-se, ainda, que os síndicos e diretores de associações verifiquem junto às instituições financeiras, nas quais possuem conta bancária, a possibilidade de prorrogação do prazo para apresentação da nova ata de eleição, a fim de evitar a suspenção das atividades financeiras regulares e mensais dos condomínios e associações, pois se trata de um caso fortuito ou força maior. Tem-se notícias que algumas instituições financeiras estão se mostrando flexíveis, elastecendo em até 90 (noventa) dias a regularização.
2 – Medidas restritivas para utilização de áreas comuns de uso coletivo: piscinas, salões de jogos, brinquedotecas, espaços “teen”, academias, quadras poliesportivas, playground e outros semelhantes
Os síndicos e presidentes de associações devem cumprir as decisões tomadas em assembleia, e todas as regras contidas nas Convenções, Estatutos, Regimentos Internos e nas leis.
Porém, diante da situação atual e peculiar, e em cumprimento ao interesse coletivo (que neste caso se sobrepõe ao interesse particular), os representantes (síndicos e presidentes das associações) devem e podem agir em nome da sua comunidade, restringir, e até proibir, a utilização das áreas comuns, justificando-se no risco iminente e real de contaminação pela pandemia que assola o país e o mundo.
Orienta-se, ainda, que as crianças, como agentes de disseminação de doenças virais, devem permanecer dentro de suas casas até que o poder público libere o funcionamento de escolas e creches.
3 – Medidas restritivas para utilização de áreas comuns de uso privativo: salões de festa, churrasqueira, salão gourmet e afins
Tratando-se também de ambientes onde há aglomeração de pessoas em espaço fechado, recomenda-se a proibição de uso total, pelo menos até segunda orientação da OMS (Organização Mundial de Saúde) e autoridades públicas competentes, evitando-se que seja colocada em risco a saúde de toda a coletividade local.
Neste caso, o interesse público se sobrepõe ao interesse particular e caso não surta efeito, recomenda-se que não seja aplicada multa punitiva, já que não há infração convencional, estatutária e/ou regimental, mas descumprimento de norma pública, e neste caso, o sindico deverá acionar as autoridades policiais, já que não detém poder de polícia.
4 – Elevadores, garagens e demais áreas comuns de circulação
Recomenda-se que a circulação dentro dos elevadores seja realizada somente uma família por vez, devendo o condomínio disponibilizar álcool em gel (70%) em seu interior, bem como nos “halls” de entrada e garagens.
A circulação pelos elevadores não pode ser impedida pelo síndico, contudo recomenda-se que seja feita pelas escadas, e o serviço de limpeza mantenha os corrimãos sempre higienizados.
A utilização das garagens deve ser o mais breve possível, pelo tempo necessário de entrar e sair com os veículos.
5 – Limpeza das áreas comuns
Deverá haver orientação às empresas terceirizadas e pessoas responsáveis e envolvidas com a limpeza, para que se protejam, bem como aumentem a constância e limpeza em geral, em especial, de corrimões, balcões, eletrodomésticos, bebedouros, maçanetas, elevadores, controles de acesso, pois uma das formas de transmissão do vírus é pelas mãos.
Recomenda-se que serviços não essenciais sejam suspensos, a fim de que as áreas comuns permaneçam mais limpas, bem como para diminuição de circulação de pessoas.
Caso seja possível, orienta-se pela disponibilização de álcool em gel por todas as áreas comuns e de circulação.
Além do reforço da limpeza, recomenda-se que todas a portas e janelas fiquem constantemente abertas, a fim de que os ambientes fiquem arejados, evitando-se assim a propagação do vírus.
6 – Serviços essenciais. Portaria e controles de acesso digital
A entrada e saída de moradores por biometria ou digitação devem ser evitadas, devendo ser substituídas por cartões de acesso ou crachás de identificação de veículos.
Porém, se não houver opção, orientar a todos o uso de álcool em gel 70% antes e após o uso dos equipamentos de biometria e de digitação numérica. Ressalta-se que os condomínios e associações devem promover a limpeza dos equipamentos constantemente.
A mesma providência deve ser tomada quanto aos equipamentos internos de controle de acesso pelos colaboradores. Computadores, botões, mouse, telas, canetas, livros e escaninhos devem ser higienizados a cada troca de plantão.
Com relação a proibição de entrada de Visitantes, Moradores e Entregadores, os síndicos e presidentes de associações, somente poderão atuar nesse sentido no caso de “quarentena” determinada pelos gestores públicos. Caso haja pessoas infectadas, deve-se procurar os órgãos de saúde municipal e solicitar orientações específicas.
7 – Serviços de hospedagem – “AIRBNB” OU “BOOKING”
Recomenda-se pela restrição desta prática, pois coloca toda a coletividade em exposição pela rotatividade e circulação de pessoas.
8 – Realização de obras e entrada de prestadores de serviços.
Como já dito acima, recomenda-se que todos os serviços não essenciais contratados por moradores, ou pelo próprio condomínio ou associação, sejam “suspensos” temporariamente, mesmo que já iniciadas.
9 – Dos colaboradores e terceirizados
Todos aqueles que prestam serviços dentro das dependências dos condomínios e loteamentos fechados, deverão estar atentos às medidas necessárias de limpeza e assepsia.
Os colaboradores que estiverem com sintomas de gripe, devem ser substituídos, e aqueles que apresentarem os sintomas próprios do Covid19, devem procurar o hospital ou posto de saúde a fim de terem as faltas justificadas, não incorrendo em abandono de emprego ou comprometendo seus rendimentos.
Quanto aos funcionários que pertencem a algum grupo de risco ou sejam portadores de doenças crônicas, é necessária cautela redobrada, e não sendo possível que se afastem de suas funções, recomendamos que negociem com os seus empregadores, mediante acordo individual escrito, condições mais seguras de trabalho, nos termos da MEDIDA PROVISÓRIA Nº 927, DE 22 DE MARÇO DE 2020, a qual dispõe sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19).
Prevê o art. 3º da referida Medida Provisória, que, para enfrentamento dos efeitos econômicos decorrentes do estado de calamidade pública e para preservação do emprego e da renda, poderão ser adotadas pelos empregadores, dentre outras, as seguintes medidas: I - o teletrabalho; II - a antecipação de férias individuais; III - a concessão de férias coletivas; IV - o aproveitamento e a antecipação de feriados; V - o banco de horas; VI - a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho; VII - o direcionamento do trabalhador para qualificação; e VIII - o diferimento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS.
No mais, recomenda-se aguardar futuras deliberações das autoridades públicas competentes, quanto às eventuais flexibilizações e adequações das normas trabalhistas, a fim de atender às necessidades da atual conjuntura.
10 – Obrigatoriedade e informação de contágio ou quarentena
É dever legal e moral dos moradores comunicarem aos síndicos e representantes legais das associações, quanto à necessidade de cumprimento do período de quarentena (somente em relação aos moradores que estiverem nesta condição) ou sobre o contágio de sua unidade, para a não propagação da doença ou que toda coletividade seja colocada em risco. Além disso, pessoas em quarentena quando circularem na área comum, devem ser pontuais e utilizarem máscaras e luvas descartáveis.
11 - Condomínios com finalidades comerciais ou médica
Condomínios onde as unidades tenham finalidade exclusivamente comercial ou médica, deverão seguir estritamente as orientações médicas das autoridades públicas e órgãos de saúde, bem como às ordens de fechamento e interrupção das atividades comerciais e de serviços não essenciais. Estão isentos da ordem de fechamento no município de Sorocaba/SP (Decreto Municipal 25.663/2020): I - farmácias; II - hipermercados, supermercados e mercados; III - feiras livres; IV - lojas de materiais de higiene pessoal e limpeza; V - lojas de venda de alimentação para animais; VI - padarias; VII - açougues; VIII - peixarias; IX - hortifrutis granjeiros; X - quitandas; XI - centro de abastecimento de alimentos; XII - postos de combustíveis; XIII - pontos de venda de água e gás.
Importante ressaltar que não cabe ao síndico ou ao representante legal de associação, proibir o funcionamento de determinado estabelecimento, devendo eventual descumprimento da obrigação legal de fechamento ser reportado à autoridade pública competente.
12 – Prestadores de serviços administrativos
Aos colaboradores diretos ou terceirizados, que atuem no âmbito administrativo, recomenda-se a adoção da prestação de seus serviços via “home office”, bem como sejam observadas as disposições contidas na já citada MEDIDA PROVISÓRIA Nº 927, DE 22 DE MARÇO DE 2020, a qual dispõe sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19).
Conclusões
Diante da atual conjuntura, recomenda-se que todas as medidas tomadas pelos síndicos e representantes legais das associações, sejam reportadas aos moradores através de todos os meios de comunicação possíveis, quais sejam: mural, elevador, “e-mail”, “WhatsApp”, “Telegram”, telegrama (proprietários que não residam no imóvel), estando todos embasados juridicamente por motivo de caso fortuito ou força maior.
Recomenda-se, ainda, que todas as medidas adotadas durante esse período sejam registradas em Livro de Atas, para que haja um histórico desses eventos excepcionais, inclusive as ocorrências e suas consequências, que eventualmente ocorram.
As medidas excepcionais aqui defendidas, encontram respaldo no princípio da precaução, previsto no artigo 226 da Constituição Federal: “Todos têm direito ao meio, vejamos ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Referidas medidas visam o cuidado com a saúde e o bem estar de todos, tendo sempre como objetivo os tanto os interesses coletivos quanto os individuais.
Ressalte-se que o descumprimento de regras que visam proteger a saúde dos ocupantes, estará sujeito à multa, ou ainda, a outras medidas judiciais, destacando-se ainda que são crimes contra a saúde pública propagar doenças (artigo 267 do Código Penal) e descumprir determinações do poder público para evitar propagação de doença contagiosas (artigo 268 do Código Penal).
Por fim, recomenda-se que os síndicos e representantes legais das associações tenham a cautela de solicitar parecer do seu departamento jurídico antes de praticar qualquer dos atos mencionados ou recomendados nesta nota.
E acima de tudo, que possamos aproveitar essa oportunidade para nos unirmos, sermos solidários entre nós e ajudarmos aqueles moradores que pertencem ao grupo de risco, auxiliando-os com compras essenciais, bem como evitando o contato direto com os mesmos.
Cleber Simão - Advogado. Presidente da Comissão de Direito Condominial da 24ª Subseção da OAB de Sorocaba/SP
Vanessa Sanson – Advogada. Membro da Comissão de Direito Condominial na Comissão de Direito Imobiliário da OAB/SP