18/10/2025
O Luto: Quando a Ausência se Torna PalavraPor Dr. Ivanilson SilvaPsicanalista, Professor Universitário, EscritorIntroduçãoEm tempos em que o sofrimento é silenciado e o luto precisa ser apressado para caber nas pressões da vida moderna, a psicanálise nos convida a parar.Afinal, o luto não é doença, nem fraqueza — é uma linguagem da alma.É o modo como o inconsciente escreve o que a realidade nos arrancou.Nas linhas que seguem, convido você a uma travessia pelas vozes de Freud, Lacan, Winnicott, André Green, Bollas, Lou Andreas-Salomé, Melanie Klein, Sabina Spielrein, Karen Horney e outros pensadores da alma humana.Cada um deles, à sua maneira, nos ensina que o luto é mais do que dor: é um ato de fidelidade ao amor e ao desejo que nos constituem.1. A Dor que se Torna Trabalho“O luto é o preço que pagamos por amar.” — Sigmund Freud, 1917.Freud nos ensina que o luto é um trabalho psíquico, uma lenta travessia em que o sujeito, ferido pela perda, tenta recuperar as partes de si que ficaram presas ao objeto amado.É um labor da alma, em que a libido — antes dirigida ao outro — precisa encontrar novo destino dentro do eu.O luto, nesse sentido, não é uma simples reação emocional.É um processo de elaboração simbólica, onde o sujeito luta entre o desejo de conservar o objeto e a necessidade de aceitar sua ausência.2. Lacan e a Falta que Estrutura o DesejoPara Jacques Lacan, o luto revela o coração do desejo humano.“A perda é constitutiva do sujeito”, diria ele.Toda perda reatualiza a falta originária — aquela que nos constitui como seres desejantes.Assim, o luto não é uma exceção, mas uma condição existencial:viver é perder continuamente o que nos funda, e ainda assim, continuar desejando.O luto é, portanto, o lugar onde a ausência fala, onde o desejo se reinscreve no simbólico.3. André Green e o Objeto MortoAndré Green descreve um luto que se petrifica.Em sua teoria do objeto morto, ele nos fala do sujeito que, incapaz de elaborar a perda, incorpora a morte dentro de si.O vazio torna-se presença, e o pensamento se cala.Esse é o risco do luto não simbolizado: a vida psíquica entra em colapso, e o sujeito passa a habitar um espaço deserto — um inconsciente que já não sonha.O trabalho analítico, então, é o de reanimar o morto interior, restituir à palavra seu poder de criação.4. Bollas e a Criação do Novo EuChristopher Bollas oferece outra perspectiva: o luto como movimento criativo.Em seu conceito de transformação no objeto, ele mostra que a dor pode gerar novas formas de ser.O sujeito, ao perder, inventa uma nova maneira de amar e de existir.O luto, nessa leitura, é uma obra estética do inconsciente:a tentativa de encontrar uma nova linguagem para o afeto que já não tem destinatário.A perda, assim, não é o fim — é o início de uma nova organização simbólica.5. Winnicott: A Presença que Permanece na AusênciaDonald Winnicott, com sua ternura clínica, diria que o luto é o lugar onde aprendemos a estar sós.Ele pertence ao campo da transicionalidade — esse espaço entre o real e o imaginário em que podemos brincar com o ausente.Somente quem pôde “usar o objeto”, destruí-lo simbolicamente e ainda assim preservá-lo internamente, pode elaborar o luto.É na ausência que nasce a criatividade.O luto é, portanto, um gesto de maturidade emocional: o amor que aprende a existir sem o corpo amado.6. Lou Andreas-Salomé: O Luto como Erotismo da AlmaPara Lou Andreas-Salomé, o luto é uma forma de eros.Ela via o amor e a morte como duas expressões da mesma busca: a de tocar o infinito.“O luto é o eco da presença que continua a ressoar quando o corpo amado se cala.”Há, no luto, um erotismo sutil — o movimento de quem continua a amar no tempo da ausência.É o amor que persiste como energia simbólica, não mais carnal, mas poética.7. Melanie Klein e a Posição DepressivaMelanie Klein nos mostra que a capacidade de sofrer a perda é uma conquista da infância.A criança, ao perceber que o seio materno amado é também o mesmo que frustra, aprende a integrar amor e ódio num mesmo objeto.Esse é o nascimento da posição depressiva — a base da capacidade de elaborar o luto.Quando choramos um amor perdido, refazemos esse movimento infantil:reconhecemos que o objeto bom e o objeto mau são um só.O luto é, assim, uma forma de maturidade emocional: aceitar a ambiguidade do amor humano.8. Sabina Spielrein: A Destruição que Cria“A destruição é o começo da transformação.” — Sabina Spielrein.Spielrein compreendeu que a pulsão de morte é também criadora.No luto, algo em nós morre, mas é justamente dessa morte que nasce a possibilidade de um novo modo de ser.O luto é, portanto, uma experiência erótica e trágica ao mesmo tempo — destrói e fecunda, mata e cria.9. Karen Horney e a Vulnerabilidade da PerdaKaren Horney desloca o luto do campo individual para o social.Em sua visão, o sofrimento diante da perda revela nossa resistência à vulnerabilidade.O sujeito moderno, acostumado à ilusão da autonomia, sofre duplamente: pela perda do outro e pela perda da própria onipotência.O luto, então, nos humaniza.Ele nos devolve à verdade de nossa condição dependente, frágil e, por isso mesmo, capaz de amar.10. A Ética do LutoDalton, entre os pensadores contemporâneos, afirma que o luto é um ato ético.Num mundo de descartabilidade afetiva, o luto é resistência: é permanecer fiel ao que não pode ser substituído.Sofrer a perda é afirmar que algo teve valor — que houve encontro, vínculo, sentido.O luto é, assim, o testemunho de que amamos verdadeiramente.E amar é sempre correr o risco da perda.11. O Silêncio que se Torna PalavraNo fim, o luto é o espaço entre o fim e o recomeço.É o intervalo em que o sujeito recolhe os pedaços do sentido e os reconfigura em forma de palavra.O luto é o ponto onde o inconsciente se põe a escrever — transformando dor em símbolo, ausência em poesia.Elaborar o luto é dizer:“Aquilo que perdi ainda me habita. O amor não morreu — apenas mudou de forma.EnceElaborar o luto é mais do que sobreviver à perda — é permitir que a ausência ganhe voz.É fazer do silêncio uma linguagem e da dor, um lugar de criação.A psicanálise nos lembra: o que se perde no real pode renascer no simbólico.E é nessa passagem — entre a morte e a palavra — que reencontramos o pulsar da vida.
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