21/01/2020
Janeiro Branco: Cuidar da mente é cuidar da vida ou cuidar da vida é cuidar da mente?
Campanhas de conscientização muitas vezes são feitas com as melhores das intenções. Setembro amarelo, outubro rosa, novembro azul são exemplo disso. Não sei dizer se, na intenção, a campanha Janeiro Branco também é assim. O problema é que aquilo que a embasa é bastante frágil, ao meu ver. Sendo assim, gera discursos rasos e uma ideia incompleta.
Mas Amanda, como assim? O que tem de tão errado em uma campanha para a saúde mental? Bem, vamos lá. A campanha é centrada no cuidado com a mente, especificamente, na necessidade da psicoterapia. Eu como psicoterapeuta sei da importância que tem o acompanhamento psicológico para a saúde mental, mas a questão é mais profunda do que isso e o problema é o foco tão pequeno em algo tão complexo.
A psicoterapia, além de fornecer autoconhecimento e um olhar aprofundado sobre as questões pessoais do paciente, tem como objetivo cuidar da subjetividade para lidar com os problemas do dia-a-dia. Isso sim, auxilia na saúde mental. Só que se a gente coloca a saúde mental enquanto encargo exclusivo de pessoas enquanto pacientes e de psicólogos clínicos, não cabe.
Não cabe por que? Porque saúde mental tem a ver com uma série de coisas que extrapolam o campo da atuação da psicologia clínica. Pra termos saúde mental precisamos de direitos básicos assegurados: moradia, educação, saúde, alimentação, lazer. Será que um psicólogo clínico dá cabo de restaurar a saúde mental de alguém que está sofrendo sem acesso a saúde de qualidade, sem emprego e quase sendo despejado por falta de aluguel? Será que a psicologia clínica dá cabo de fazer com que uma pessoa negra que sinta discriminação em seu ambiente restaure sua autoestima que já foi construída num local que o ser negro não é padrão digno?
A psicologia é vasta e hoje sabemos, mais que nunca, do compromisso social. Sabemos que num país latino-americano, as práticas de psicologia tem de extrapolar e muito as práticas clínicas. É necessário estar e fortalecer as comunidades, hospitais, escolas. É necessário propor debates de ampliação de consciência sobre temas que ferem a dignidade humana. E nada disso é feito sozinho. Precisamos de profissionais outras áreas pra assegurar a saúde mental. E além disso, precisamos de políticas públicas de qualidade.
E aí entra o mote da campanha: “quem cuida da mente cuida da vida”. Será? Será que não temos que estar mais atentos para que quem nos fornece condições de via os forneça com qualidade para que possamos cuidar da nossa mente? Em suma: seria ótimo se todos nós pudessemos fazer psicoterapia, mas embora as relações fossem mais saudáveis e conseguissemos lidar melhor com as questões que nos atravessam, o mundo não seria restaurado e com plenitude em saúde mental. Precisamos de mais. Precisamos construir um mundo em que, talvez, não precisemos de estratégias subjetivas para lidar com sofrimentos materiais. Embora o sofrimento psíquico causado por questões de falta de acesso e igualdade social apareça na clínica e lidemos com ele, não é lá que conseguimos cortar suas raízes.
Esse Janeiro Branco - cor da assepsia, do silêncio, da neutralidade - ainda precisa de muitas cores, de muitas bandeiras. Lutar pela conscientização da psicoterapia não adianta se não lutemos juntos por um Estado que forneça o básico para a população.
Arte: