13/02/2022
Depressão: Uma Luta Solitária
Vivemos numa cultura extremamente corporativista, feita de perguntas e respostas, funções e disfunções, prazer e compressão sacrificial. É uma cultura que é compatível com a indução generalizada de depressão.
Para termos ideia da problemática chamada depressão recordo da Pesquisa Nacional de Saúde realizada em 2019 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2019, p.50), 10,7% das pessoas com 18 anos de idade ou mais foram diagnosticadas com transtornos depressivos pelos profissionais de saúde mental. Estes dados representam 16,3 milhões de pessoas no Brasil, sendo que a maior prevalência foi na área urbana e com predominância no s**o feminino.
Os sintomas depressivos agem diretamente na qualidade de vida, provocando sofrimento à pessoa, família e comunidade. Associam-se a custos sociais elevados, como: absenteísmo, atendimento médico, medicamentos e suicídio. Há evidências de que pelo menos 67% das pessoas que se suicidam apresentam sintomas depressivos.
O desafio maior está nas pessoas adoecidas que não aceitam a doença e sentem-se como um peso para a família, outras vezes, os familiares não compreendem o transtorno mental e, por isso, não consegue ajudar a pessoa adoecida. Com isso, inicia-se o abuso de medicação para manter o adoecido da família quieto, dormindo preferencialmente, sem queixa (BRASIL, 2019).
O transtorno depressivo pode surgir em qualquer idade, a sua incidência aumenta na puberdade. A maioria dos casos tem seu início entre os 20 e 40 anos. O curso do transtorno varia de pessoa para pessoa, sendo que os sintomas podem durar dias, semanas ou anos. Passado esse período, a maioria dos pacientes retorna à vida normal. O triste é que, em média, 26% dos doentes chegam ao grau de cronicidade por não terem a oportunidade de fazerem um tratamento adequado, seja por falta de conhecimento básico dos recursos que existem, falta de recursos financeiros e/ou preconceito (AMERICAN PSYCHIATRY ASSOCIATION, 2015). Os motivos do desenvolvimento da depressão ainda não são completamente elucidados, tendo causas ainda não consolidadas pela ciência.
Portanto, faço o convite para que a pessoa deprimida reconheça a si como promotora do seu autocuidado, bem como, identif**ar modos de lidar e enfrentar os possíveis eventos que desencadeiam a depressão. Além disso, é importante ressaltar que cada pessoa vivencia a depressão de uma forma, o que equivale dizer que não se pode comparar casos e muito menos afirmar que é frescura ou falta do que fazer.
Como vimos, a depressão pode ser desencadeada através de vários processos e, nem sempre, no adoecido aparece todos os sintomas numa ordenação que podemos prever a sua evolução. Sendo assim, é possível que exista vários tipos de depressão e vários tipos de desencadeamentos depressivos. Muito frequentemente o que caracteriza de forma convergente esses processos é a ANEDONIA. Esta consiste na perda da capacidade de experimentar prazer ou satisfação com o que se tem. Esse processo, geralmente, começa com a suspeita de que a perda da satisfação vem do objeto, vem do outro, vem do brinquedo e não da nossa capacidade de brincar, ou seja, da nossa capacidade de estar ali e extrair de uma situação o que ela tem de mais prazeroso. Posso dizer, portanto, que a depressão, geralmente, esvazia nossa capacidade de fazer com que o desejo circule, dificultando, ou até mesmo impedindo, de que criemos um horizonte futuro, no qual, a gente aposta, de vincula, se implica, se engaja.
O tempo para o depressivo é sempre mais curto. Por ele impor a si certas condições objetivas, dizendo: não tenho tempo, não me autorizo a querer algo, não me autorizo a estar com o outro, não me autorizo a levar adiante meu desejo de ser reconhecido e, porque não, o conhecimento do meu desejo. Se não bastasse a percepção disfuncional do tempo, o depressivo “anda de sol a pino no deserto”, sem produzir sombras. Essa posição perspectiva transforma a vida do depressivo numa monotonia, numa repetição sem relevos, sem alternações. A depressão, de fato, é um mal epidêmico, uma forma de sofrer ascendente, a segunda causa de afastamento do trabalho.
Por mais de três décadas, a partir de 1990, as bases biológicas dos transtornos depressivos têm sido explicadas por meio da hipótese monoaminérgica da depressão. Essa teoria propõe que a depressão seja consequência de uma menor disponibilidade de aminas biogênicas cerebrais, em particular de serotonina, noradrenalina e/ou dopamina. Tal proposição é reforçada pelo conhecimento do mecanismo de ação dos antidepressivos, que se baseia, principalmente, no aumento da disponibilidade desses neurotransmissores na fenda sináptica, seja pela inibição (seletiva ou não) de suas recaptações, seja pela inibição da enzima responsável por suas degradações (inibidores da monoaminoxidase).
No entanto, apesar de muitos estudos nesta e em outras direções, a etiologia da depressão permanece ainda incerta. Assim, além da teoria monoaminérgica de depressão e de todos os seus desdobramentos (cascatas de sinalização intracelular, modulação da expressão dos genes, participação de fatores neurotróficos, tais como o BDNF), estão sendo discutidas, nos dias atuais, outras hipóteses; entre estas, ganha destaque aquela que enfoca a participação dos sistemas endócrino e imune.
Essas hipóteses nos ajudam perceber que o cérebro determina a linguagem, e a linguagem determina o cérebro. Noutras palavras, a forma como falo, como interpreto o que o outro está sentindo, a forma como narro meus sofrimentos, a forma como nomeio o meu mal estar, a forma como tudo isso entranha nas formas de amar e de trabalho é decisiva tanto para produzir depressão, quanto para poder revertê-la.
É comum a pessoa tomada pela depressão parecer se enamorar de uma avaliação onipresente, na qual, passa a vida revisitando cenas vividas como uma espécie de observador que faz as suas narrativas a distância. Narrativas marcadas por forte teor negativo critico, mas isto não está bom, mas isto não está certo, mas isso não vai funcionar, ou seja, se criticando, se avaliando, se medindo o tempo todo.
É curioso, para não dizer estranho, que a depressão, de certa forma, combina com uma cultura avalicionista, uma cultura da produção sem parar e da avaliação contínua. Complementar com o avalie-me constantemente, meça-me permanentemente a partir dos ideais oferecidos pela cultura. Se não bastasse, ainda temos necessidade de contabilizar tudo o que fazemos de tal maneira que isso ganha vida própria e, como consequência, a gente vai se desligando do que seria nossos verdadeiros sonhos, nossa capacidade de desejar. Lembro que, desejar não é fazer metas, não é cumprir objetivos, desejar não é perfazer uma lista de coisas que a gente sabe. Como se vê essa é a característica que aparece no discurso depressivo
Enfim, depressão não tem nada a ver com força de vontade, com pensamento positivo, orientação para a felicidade. Isso é um processo semiautomático, uma coisa que tem sua lógica própria, que a gente pode interferir, mas não se trata apenas de comandá-la pela força de vontade. Aliás, isso costuma atrapalhar. Alguém que está deprimido e que consegue se abrir com você, demonstrando uma pequena parte de sua culpa, sentimento prevalente nesse quadro, você não pode minimizar a dor do outro dizendo: isso não é nada, isso vai passar. Ao agir assim, você estará recusando a oferecer a escuta que essa pessoa está pedindo, está precisando. Lembre-se, escuta é a construção compartilhada de uma história, de uma investigação que a gente não sabe para onde vai dar.
Ronaldo Silva Miranda