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Espaço Neuro Psi Consultório Maristela Lima - Neuropsicóloga

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22/07/2024
Repost Dra. Raquel Del Monde
23/01/2022

Repost Dra. Raquel Del Monde

Não, não adianta procurar no Google. O termo TDAH-plus não existe de verdade.

É só uma expressão que comecei a usar há alguns anos, meio de brincadeira, depois de receber diversos encaminhamentos para avaliar pacientes nos quais a hipótese diagnóstica trazia uma combinação de TDAH e outros transtornos (sim, no plural: TDAH + TOC + Mutismo seletivo ou TDAH + Fobia Social +Transtorno Explosivo Intermitente + TOD etc.).

Em um primeiro raciocínio clínico, sempre levamos em consideração que o TDAH é uma condição do neurodesenvolvimento que pode estar – e está, na maior parte das vezes - acompanhado de outra condição neuropsiquiátrica.

Porém, aprofundando esse raciocínio inicial, quando nos deparamos com vários “transtornos” agrupados numa só pessoa, é obrigatório nos questionarmos se alguma outra condição primária não poderia ser a verdadeira responsável por essa associação. E, claro, em muitos casos, o Transtorno do Espectro Autista explica muitas das manifestações anteriormente atribuídas a esses outros “transtornos”. Ou seja, esses encaminhamentos de TDAH-plus já me deixavam em alerta para um possível TEA.

A ideia de uma ligação próxima entre TDAH e TEA não é nova ou estranha para quem trabalha com neurociência e saúde mental. Além da conhecida sobreposição de sinais e do imenso prejuízo da disfunção executiva comum às duas condições, o parentesco genético entre elas já é bem conhecido (não por acaso, o TDAH é a condição de saúde mental mais frequente em parentes de primeiro grau dos autistas).

De uns anos pra cá, entretanto, essa questão se apresenta sob outro ângulo para mim, com o debate instigante sobre a possível existência de um perfil neuroatípico conhecido como Fenótipo Ampliado do Autismo (ou FAA). Esclarecendo para quem não estiver familiarizado com esse termo (e já me desculpando pelo texto com mais siglas desta página): FAA descreve pessoas que apresentam diversas características autistísticas, que geralmente são parentes de autistas, mas que não “fecham” o diagnóstico de autismo porque não preenchem critérios suficientes para uma conclusão segura. Nesse contexto, o termo TDAH-plus pode ganhar ainda outro signif**ado.

A discussão sobre os limites imprecisos das nossas definições subjetivas continua. É importante lembrar sempre que a mente humana não foi desenhada com linhas rígidas, nem projetada para caber em caixinhas.

09/01/2022

Pois é, a tão esperada e comentada CID 11 entrou em vigor. A comunidade autista, em geral, recebeu a nova classif**ação com entusiasmo. Afinal, depois de mais de 30 anos da publicação da CID 10, a necessidade de atualização científ**a e de formato (permitindo a integração de sistemas de saúde diversos e facilitando o acesso a informações relevantes numa versão digital) era mais que premente.

Mas a chegada da CID 11 também trouxe muitas dúvidas. Além das questões suscitadas pela nova codif**ação do autismo, muitas famílias iniciaram uma corrida para a troca de relatórios profissionais para apresentar às escolas, aos convênios ou apenas para se precaver em relação aos seus direitos. Calma, não há necessidade para isso!

Vamos lembrar que a CID (Classif**ação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde) é adotada por 194 países, Estados-membros da Organização Mundial da Saúde (OMS), como a principal ferramenta para nortear ações de saúde pública. A implantação de um sistema de codif**ação complexo e abrangente como esse não é nada simples. Segundo a OMS, a transição da CID-10 para a CID-11 deve durar de 2 a 3 anos, e os países que a utilizam devem fazer essa transição de forma paulatina, continuada e concomitante com a utilização da CID-10.

A implementação da CID-11 no Brasil será um grande desafio, começando pelo idioma. O português não é língua oficial para a OMS, e o processo de tradução e validação é um dificultador importante, além de outros agravantes, como déficits tecnológicos/ logísticos e os projetos em desenvolvimento que utilizam a CID 10.

Então, não, nenhuma pessoa ou serviço pode exigir uma atualização imediata de relatórios e laudos.

15/07/2021

Não cansamos de falar aqui na página sobre a necessidade de um olhar clínico refinado para a avaliação das características mais sutis do autismo. Não há como avaliar comunicação social, por exemplo, sem alguns conhecimentos sobre a área da comunicação de forma mais ampla. Ou vamos continuar presos indefinidamente àquela coisa do “Mas ele fala tão bem, não pode ser autista!”.

Todo o comportamento comunicativo de um indivíduo envolve muito mais que a fluência na linguagem oral. O modo de usar as palavras é muito mais signif**ativo do que a fala em si.

A participação de um indivíduo numa interação verbal envolve o domínio de vários elementos: processos cognitivos (atenção, memória, velocidade de processamento de informações), habilidades linguísticas em si (tais como repertório semântico - isto é, conhecimento prévio do signif**ado de palavras e expressões - e uso adequado das regras próprias da língua usada), capacidade de inferir aspectos da troca comunicativa (ligada à Teoria da Mente; compreensão das expectativas dos interlocutores, comprometimento ao tema, tomada de turnos, arranjos aceitáveis numa conversa de grupo), entendimento das regras sociais da cultura local (muitas vezes jamais explicitadas, incluindo scripts próprios de determinada situação, reconhecimento de estruturas de poder, compreensão das pistas verbais e não verbais que sinalizam a adequação da comunicação), além de aspectos emocionais.

Nosso tema de hoje refere-se a uma peculiaridade que observamos nos autistas, em meio aos aspectos mais complexos – e sutis - do comportamento comunicativo. A dificuldade no comportamento de solicitação.

Podemos entender o comportamento de solicitação como o ato de comunicar um desejo ou necessidade a outra pessoa com o objetivo de solicitar auxílio. É preciso deixar claro que, quando falamos em dificuldade no comportamento de solicitação no autismo, não se trata da dificuldade de elaborar o pedido por meio de palavras. Ao contrário, alguns dos autistas com essa dificuldade têm domínio absoluto no uso da linguagem oral.

Ainda assim, apesar da fluência verbal, eles apresentam dificuldade de pedir a ajuda de terceiros, mesmo em diferentes fases da vida. Seja para coisas simples como tirar ou colocar o tênis na escola ou para pedir mais um pedaço de bolo na festinha do amigo, quando crianças. Os maiores, talvez para fazer um pedido na cantina da escola ou na padaria, ou para sinalizar questões emocionais. Já adultos, podem passar maus pedaços para pedir informações necessárias no trabalho ou em outros aspectos da vida cotidiana.

Vários adultos autistas já fizeram relatos sobre essa dificuldade. Na clínica, alguns já me contaram episódios em que preferiram andar longas distâncias do que pedir carona a alguém ou perguntar por informações sobre o transporte público. Outros, que preferiram esperar uma chance de pesquisar no Google algo que poderiam ter perguntado para a pessoa ao lado. Muitos confessam ter f**ado muito frustrados por não conseguir expressar seu desejo ou necessidade, mesmo sem saber exatamente por que não o fizeram.

É uma dificuldade relativamente frequente e notável, que acarreta prejuízos variáveis em seu cotidiano e muitas vezes afeta a própria autonomia. As origens dessa dificuldade são de ordem complexa. Falhas na atenção compartilhada explicam alguns casos, mas há vários outros fatores potencialmente envolvidos. O déficit da Teoria da Mente faz com que haja uma grande insegurança em relação a como aquele pedido pode ser recebido pelo outro, como sua fala será percebida, se vai levar ao resultado almejado ou não. Para além disso, podemos observar também a incerteza de contar com recursos para lidar com o desenlace de uma situação que foge dos seus scripts habituais e o receio de mostrar sua vulnerabilidade (de que a máscara da competência social, tão cuidadosamente construída, seja percebida pelos demais).

Como sempre, identif**ar a dificuldade é um passo importante para criar estratégias para lidar com ela.

Gostaria de deixar registrada minha gratidão a Luiz Henrique Magnani por enriquecer tanto minhas observações clínicas cotidianas com suas ponderações e conhecimento. O Henrique é autista, doutor em Letras pela USP, professor na área de Linguagem na UFVJM e está finalizando seu pós-doutorado, também na USP, sobre autismo e linguagem. Me sinto imensamente privilegiada em poder dialogar com ele acerca das minhas inquietações na área.

E você, tem alguma história de dificuldade com o comportamento de solicitação pra contar?

25/04/2021

Com frequência, usamos o termo autismo severo para falar do autismo de nível 3 de suporte. São casos em que as dificuldades limitam a autonomia e, portanto, requerem supervisão e auxílio contínuos.

Vale a pena esclarecermos algumas dúvidas e mal-entendidos sobre o tema.

Pra começar, como definimos esse grau de severidade?

Precisamos lembrar que o diagnóstico do autismo é baseado em critérios que revelam um desenvolvimento atípico em dois grandes domínios do comportamento humano: a comunicação social e interesses e comportamentos restritos e repetitivos (neste último estão incluídas as alterações do processamento sensorial). A severidade deve ser determinada separadamente para cada um desses domínios. O grau em que cada um deles limita as atividades da vida diária, a independência e a plena participação da pessoa em sua comunidade, pode variar muito de pessoa pra pessoa. Ou seja, mesmo autistas “severos” podem ser completamente diferentes uns dos outros.

Um engano muito comum é a crença de que a ausência de fala, por si só, define o autismo severo. Claro que a fala (linguagem oral) é a maneira mais utilizada na comunicação entre as pessoas no dia a dia. Não expressar necessidades, desejos e pensamentos através dela é um aspecto extremamente limitante para a interação social. Entretanto, comunicação social envolve muito mais que a fala. Podemos nos expressar de várias outras maneiras. Há autistas não oralizados que se expressam muito bem pela linguagem escrita ou por meio de sistemas de comunicação aumentativa e alternativa. Além disso, a presença da fala, mesmo quando fluente, não garante capacidade de comunicação efetiva, como acontece com autistas severos cujas falas não alcançam o contexto social e não contribuem para uma troca real com as pessoas à sua volta.

Interesses e comportamentos restritos e repetitivos também podem ser muito limitantes, por vezes. A rigidez pode ser intensa a ponto de causar reações extremas a mudanças no ambiente, na rotina, na dinâmica das relações, na situação. As repetições podem interferir em todas as atividades e interações da pessoa. As respostas aos estímulos sensoriais também podem acentuadas a ponto de determinar ações e comportamentos predominantes na vida do autista.

É importante destacar que todas essas características podem variar de acordo com o contexto (principalmente em função da existência ou não de suportes emocionais, sociais, terapêuticos e pedagógicos) e mudar ao longo do tempo. Por isso a importância de um acompanhamento profissional sensível e criterioso.

Além dos critérios específicos do autismo na determinação do nível de suporte necessário, temos necessariamente que considerar a presença ou não de deficiência intelectual, outras condições médicas e genéticas e outras condições neuropsiquiátricas – as chamadas comorbidades ou condições coexistentes.

Sabemos que pelo menos 70% dos autistas apresentam pelo menos uma comorbidade. Em alguns casos, essas condições ocasionam mais limitações do que o autismo em si – como acontece, por exemplo, em autistas com esquizofrenia, epilepsia refratária e transtornos graves do humor. São situações que demandam abordagens terapêuticas específ**as e que modif**am o prognóstico (o que se espera da evolução de um caso).

Distúrbios do sono, problemas alimentares, agitação, crises de agressividade e outras dificuldades também são mais frequentes no autismo severo.

A tarefa de garantir a segurança física, os cuidados necessários, o acesso a terapias, oportunidades educacionais, tecnologia assistiva, lazer e bem-estar dos autistas severos não é simples. Envolve recursos materiais e humanos dificilmente disponíveis em nosso meio e esbarra em preconceitos e ausência de políticas públicas. Na maioria dos casos, os familiares – especialmente a mães – assumem integralmente essa responsabilidade, para isso tendo muitas vezes que abdicar de emprego, tempo de descanso e convívio social.

É necessário que a discussão sobre níveis de suporte na comunidade autista seja ampla e considere toda a heterogeneidade da condição.

12/04/2021

Hoje vamos dar início a uma trilogia de textos, um tanto quanto ousados, sobre pensamentos comuns no autismo.

Pensamentos repetitivos, pensamentos catastróficos e pensamentos decisivos.

São assuntos ousados na medida em que pensamentos constituem processos cognitivos subjetivos, até mesmo íntimos. Não são aparentes, não podem ser medidos ou verif**ados.

Mas, ao longo de tantos anos atendendo autistas – especialmente os jovens e adultos, que já são capazes de elaborar e expressar esse tipo de atividade mental – foram se acumulando inúmeros relatos incrivelmente parecidos, de pessoas muito diferentes entre si. Não foi difícil observar alguns padrões que se associavam a características comuns no autismo, inclusive referentes a critérios diagnósticos da condição.

Já aviso que não adianta procurar por esses termos no Google: eles não existem oficialmente, foram apenas usados aqui para nomear esses padrões observados. Como sempre, a ocorrência desses pensamentos varia de uma pessoa para outra e também nas diferentes fases da vida.

Tenho certeza que muitas pessoas vão se identif**ar. Deixem seus comentários!

✅ Pensamentos repetitivos

“Interesses e comportamentos restritos e repetitivos” é o termo que agrupa as características do autismo que não são relacionadas à comunicação social. Neste domínio estão incluídos, de forma resumida, as estereotipias motoras e vocais/verbais, o apego à rotina e rigidez de comportamento, os hiperfocos e as alterações do processamento sensorial.

Muito autistas relatam pensamentos intrusivos (que invadem a mente, de forma que foge às tentativas voluntárias de expulsá-los) e que se repetem infinitamente ao longo de horas ou mesmo dias, atrapalhando até a realização das atividades da pessoa. Pode ser uma palavra lida ou ouvida em algum lugar, uma frase, um diálogo, um trecho de texto ou filme. Essas palavras ou frases grudam no pensamento, às vezes com vozes e entonações específ**as, e ecoam por um bom tempo.

É algo que pode ser comparado com ecolalia, porém não é verbalizado oralmente. Às vezes, chamo de estereotipias de pensamento (no texto de Estereotipias, explico por que uso essa palavra aqui, ao invés de stims), porque também podem surgir num contexto de necessidade de regulação (lembram do Sam, de Atypical, e sua frase dos pinguins?) ou aleatoriamente.

Esses pensamentos repetitivos diferenciam-se dos pensamentos presentes no TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo) e dos hiperfocos porque não se referem a preocupações específ**as ou a um interesse ou uma situação em particular.

Embora possam parecer uma atividade mental inocente, os pensamentos repetitivos podem tornar-se tão frequentes a ponto de perturbar o trabalho ou estudo da pessoa, especialmente em épocas de maior ansiedade.

02/04/2021
22/03/2021

Pode parecer que só entendemos de autismo por aqui, mas não é bem assim!
Hoje vamos falar um pouco sobre TDAH, a condição neuropsiquiátrica mais bem estudada de todas - e, ao mesmo tempo, ainda tão mal compreendida.

O próprio “nome de batismo” não ajuda. Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade remete a imagens de crianças que não prestam atenção a nada e que não conseguem parar quietas. Algo que provavelmente se aplica à maior parte das crianças em alguma fase de sua vida. Algo que é observado com tanta frequência em escolas, tão sujeito a palpites e achismos, que o termo ficou banalizado e mesmo desacreditado por muitos. Pior: para muita gente que desconhece o assunto, virou sinônimo de criança mal educada, mimada, sem limites.

Que ninguém se engane: TDAH é uma condição real, que tem um grande impacto na vida das pessoas com esse diagnóstico. Sendo uma condição invisível, necessita de avaliação cuidadosa com profissionais bem preparados para que seja corretamente identif**ada e tratada.

Por que eu disse que o nome não ajuda? Déficit signif**a falta, certo? De onde muitas pessoas concluem que, se a criança assiste um filme inteiro ou f**a horas no videogame, não há possibilidade de ter TDAH. Na verdade, “falta de atenção” não é exatamente o que acontece no cérebro de alguém com TDAH. Nem todos sabem, mas pode acontecer exatamente o oposto: a pessoa f**a tão concentrada em algo (externo ou interno) que nem percebe o que acontece ao seu redor - o que chamamos de hiperfoco. A dificuldade é na modulação da atenção, não falta dela. Vejam bem, nosso cérebro recebe múltiplos estímulos o tempo todo. Para não entrar em curto circuito, nós inibimos os estímulos que não são relevantes naquele momento para focar naqueles que o são. Quando esse sistema inibitório falha, temos prejuízo não só na atenção, mas na organização mental como um todo: memória, capacidade de planejamento e resolução se problemas, no cumprimento das sequências envolvidas na execução de tarefas - das mais simples às mais complexas.

A hiperatividade também é frequentemente compreendida de forma limitada, como se fosse apenas uma questão de inquietação motora. Mas ela pode se manifestar de outras maneiras, como impulsividade, impaciência, fala excessiva, dificuldades no autocontrole e pensamento acelerado.

Existem critérios clínicos bem definidos para a avaliação. Exames complementares podem ser pedidos para excluir algum outro quadro, mas não “fecham” o diagnóstico. É sempre bom lembrar que condições do neurodesenvolvimento podem se sobrepor (existem mesmo evidências de genes em comum entre elas), de modo que podemos ter associação do TDAH com distúrbios de linguagem, aprendizagem, conduta, com autismo e com transtornos psiquiátricos - o que eu chamo brincando de “TDAH plus”.

O tratamento clínico (psicoterapia e uso de medicação) e o suporte escolar adequado fazem toda diferença do mundo para as pessoas com TDAH. O Projeto de Lei 7081/2010 está em vias de ser aprovado, para finalmente garantir a visibilidade e o atendimento das pessoas com TDAH.

Repost Dra. Raquel Del Monde
11/03/2021

Repost Dra. Raquel Del Monde

Muitos profissionais e famílias utilizam a expressão “sair do espectro” para dizer que determinada pessoa perdeu suas características autísticas, portanto, não mais poderia ser considerado autista. É curioso constatar que uma boa parte deles também afirma acreditar ser o autismo uma condição genética (como confirmado pela ciência) - uma configuração cerebral diferente. Este é um posicionamento no mínimo contraditório. Se é uma condição genética, não existe sair do espectro. São perspectivas excludentes.

No texto de hoje, compartilho com vocês cinco motivos pelos quais considero “sair do espectro” uma expressão enganosa, irresponsável e nociva.

1 - Perpetua a desinformação. Alguns alegam que, se a pessoa não mais apresenta os sinais que definem o diagnóstico, não há mais como ser “enquadrada” numa classif**ação diagnóstica oficial. Isso revela que, no fundo, se apegam àquela visão ultrapassada do autismo representada pelo menino do filme, que não fala, não olha pra ninguém e se balança sem parar. Como se não tivéssemos avançado anos-luz desse retrato emblemático e não conhecêssemos todas as variadas formas de manifestação do autismo e seus sinais mais sutis. Além disso, sendo, por definição, uma condição do desenvolvimento, é mais que esperado que os sinais evoluam com o tempo (estamos falando de maturação de sistema nervoso central!). Muitos autistas tornam-se indistinguíveis dos seus pares. Mas continuam sendo autistas. Nenhum manual de critérios diagnósticos diz o contrário. Alguém já leu algo como “os sinais que definem o autismo devem permanecer constantes e imutáveis para que o diagnóstico se mantenha”?

2 - Alimenta a indústria da cura e o ego de profissionais desonestos. É óbvio que todos nós, profissionais da área, trabalhamos para que nossos pacientes adquiram habilidades, desenvolvam estratégias para lidar com suas dificuldades, avancem na aprendizagem, alcancem a autonomia. Cada um dentro do seu perfil. Alguns realmente evoluem de forma surpreendente (até mesmo para "macacos velhos", como eu). Não é raro que alguns profissionais se aproveitem desses casos para promover a si mesmos ou para alardear algum tipo de tratamento, sendo que a única atitude honesta é reconhecer que a evolução resulta da soma de diversos fatores - inclusive de atributos neurológicos particulares de cada indivíduo, sobre os quais não temos muito controle.

3 - Legitima o culto à normalização. “Sair do espectro”, na maior parte das vezes, signif**a que a pessoa fala bem e não mais apresenta estereotipias motoras ou vocais. Ou seja, não vai mais ser apontada como “diferente” em meio a uma multidão, porque suas diferenças não são mais visíveis para os outros. Pais que fazem de tudo e tentam de tudo para normalizar seus filhos, não importa a que custo, estão passando a eles a mensagem de que suas diferenças são motivo de tristeza e vergonha. Por trás de frases como “Eu apenas não quero que ele/ela sofra”, pode haver muito preconceito e negação, muitas vezes não reconhecidos. É como se dissessem: “Você até pode ser autista, desde que ninguém perceba”.

4 - Representa perdas práticas e reais. Não são raros os casos de filhos de pais separados, por exemplo, em que o pai procura um médico que ateste que seu filho saiu do espectro e entra na justiça para parar de custear terapias ou reduzir a pensão. Claro que é possível que a necessidade de terapias e suporte diminua com o tempo ou seja modif**ada, mas daí a suspender qualquer apoio tem uma longa distância. O mesmo pode acontecer com planos de saúde e escolas. Essa postura dá margem para que autistas jovens, sem características visíveis, tenham ainda mais dificuldade de obter algum tipo de suporte terapêutico ou acomodações em escolas, faculdades e ambientes de trabalho.

5 – Aumenta a carga emocional para os autistas. “Mas você/ele/ela não parece autista!” a frase é infalível para aqueles que não apresentam dificuldades aparentes. Na maior parte das vezes, é proferida por puro desconhecimento do assunto. Porém, ter o diagnóstico sistematicamente questionado pode ter consequências muito negativas, como sugerir que a pessoa possa estar se aproveitando de um “rótulo” para obter vantagens ou privilégios, para justif**ar as próprias falhas ou peculiaridades. Para os autistas, que já lidam com uma sobrecarga enorme para sobreviver em meio aos estímulos e demandas do ambiente, ter suas dificuldades vistas como preguiça, falta de vontade, frescura, comportamento manipulador ou temperamento difícil pode ser insuportável. “Sair do espectro” pode signif**ar não ter o reconhecimento de suas dificuldades e o direito ao suporte adequado.

Seria bom que familiares e profissionais pensassem nisso.

Repost Dra. Raquel Del Monde
09/03/2021

Repost Dra. Raquel Del Monde

No último texto da página, questionamos a exigência de renovação de laudos para crianças atípicas na volta às aulas, ainda em meio à pandemia Covid-19.

Separei alguns pontos levantados nos comentários para esclarecer algumas inquietações e dúvidas ainda bem comuns.

✅ A confusão entre laudos e relatórios de acompanhamento:
✏ O termo laudo refere-se a relatório médico no qual consta o CID - código da Classif**ação Estatística Internacional de Doenças, classif**ação da OMS adotada oficialmente no Brasil), documento com finalidade burocrática usado para assegurar o acesso do paciente a serviços de saúde e a outros direitos garantidos por lei. Os relatórios de acompanhamento podem ser elaborados por todos os profissionais que atendem o aluno, como psicólogo, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta e descrevem aspectos das avaliações realizadas e observações importantes acerca das particularidades da criança e adolescente.

✅ Validade dos documentos:
✏ A declaração da existência de condições neurobiológicas (como o autismo, TDAH e transtornos de aprendizagem) tem validade indeterminada, já que estas permanecem ao longo da vida. Relatórios de acompanhamento refletem o momento da vida em que foram realizados e – como o próprio desenvolvimento humano – são dinâmicas, já que todas as crianças e adolescentes, atípicos ou não, adquirem continuamente novas habilidades e apresentam necessidades diferentes em cada estágio da sua vida.

✅ Há uma grande diferença entre intervenções terapêuticas e suportes pedagógicos:
✏ A troca de saberes entre as áreas da saúde e educação é muito enriquecedora para todos os envolvidos. Porém,, cada área tem competências e responsabilidades específ**as que precisam ser definidas de forma autônoma.

✅ Suportes pedagógicos não dependem do diagnóstico:
✏ Não existe “suporte de TDAH”, “suporte de autismo” etc. Mesmo porque, dentro de um mesmo diagnóstico, as particularidades de cada aluno variam muito, inclusive do mesmo aluno ao longo do tempo. Os suportes são estabelecidos para as dificuldades observadas (de comunicação, estilo cognitivo, nível atencional, características motoras e sensoriais) as quais podem ser compartilhadas por alunos com diversos diagnósticos. Vale lembrar que mesmo os alunos típicos são beneficiados.

✅O papel dos professores:
✏ Muitas vezes, quando falamos de forma crítica em relação ao sistema educacional, alguns entendem erroneamente como crítica aos professores. Ao nosso ver, professores são tão vítimas das falhas do sistema quanto os alunos. Somos totalmente solidários aos professores: desejamos melhores condições de trabalho, maior valorização, mais capacitação e mais apoio institucional.

✅Situação de pandemia:
✏ Não dá pra fingir normalidade nos dias atuais. Todos estão sobrecarregados, muitos nos imites das forças. Famílias e educadores precisam exercitar a compreensão mútua e unir esforços nessa fase. Vamos nos ater ao que é possível, aceitando que prejuízos são inevitáveis e que teremos algumas lacunas para sanar nos próximos anos.

✅Desigualdades no país:
✏ Fico desolada de ver como muitas pessoas ainda restringem suas opiniões puramente às suas vivências pessoais. Não temos apenas uma imensa heterogeneidade nos perfis dos alunos, mas também no acesso deles a serviços de saúde e recursos educacionais. A pandemia escancarou essa diferença. Muitas crianças e jovens neurodiversos no país não tem laudos, nem relatórios de equipes, não podem acompanhar aulas online, nem contam com ambientes familiares favoráveis. É dolorido ver alguém atacar a Nota Técnica 04/2014 do MEC, citada no último texto, que busca justamente proteger essas crianças.



👩‍🏫 Hoje vamos falar dos suportes possíveis. Na modalidade online, por motivos óbvios, não é possível instituir todos os suportes pedagógicos, como no modo presencial. Por outro lado, muitos alunos neurodiversos apresentam um melhor aproveitamento nessa modalidade, inclusive pela eliminação dos estímulos sensoriais e das demandas sociais da sala de aula.

♾ Vamos ressaltar acomodações e adaptações simples, que podem ser assimiladas nas aulas virtuais e que costumam ser de extrema ajuda para alunos neurodiversos.

💬 Comunicação: uso linguagem clara, direta e explícita. Valorizar dicção e linguagem gestual. Dar tempo suficiente para a compreensão dos alunos. Fracionar comandos complexos em passos menores. Sempre que possível, utilizar sinalização visual e concreta. Validar a intenção comunicativa do aluno, da forma que for mais funcional para ele.

💬 Ampliar acesso à informação por outras vias: oferecer material audiovisual e utilizar recursos para que o aluno “visualize” o conceito ou o procedimento em questão

💬 Manejo do ritmo: quando necessário, fracionar atividades, diferenciar o volume de trabalho, permitir tempo maior para a execução. A disponibilização das aulas gravadas é muito útil para aqueles que necessitam de intervalos mais frequentes ou de repetição de instruções.

💬 Quando necessário, reduzir a cópia escrita que não for essencial (eliminar exigência de cópias de enunciados, cabeçalhos, de matéria que estiver disponível em apostila ou de outro modo). Permitir uso de letra bastão e uso de materiais alternativos (gizão, adaptadores para lápis, tesouras adaptadas, pincéis grossos, banco de sílabas e banco de palavras).

💬 Flexibilização do modo de execução de atividades: Oferecer maneiras alternativas de executar exercícios e tarefas: permitir que circule ou sublinhe as respostas em cores correspondentes às questões, ao invés de escrevê-las por extenso; permitir que digite pesquisas e trabalhos (a demanda na digitação é muito menor que na escrita manual); utilizar questões de múltipla escolha. Priorizar entendimento e execução correta em relação a quantidade de exercícios e repetições.

💬 Utilizar situações do cotidiano e assuntos de interesse do aluno. Ilustrar com exemplos reais, próximo ao universo dos alunos.

💬 Sensoriais: permitir intervalos mais frequentes ou que desligue câmera e microfone em situações difíceis para o aluno.

💬 Adequar forma de apresentação, volume, nível de dificuldade e prazo de entrega das atividades quando necessário.

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18/02/2021

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🧠🧠📚🧠🧠🧠
O fascínio de muitas crianças autistas por letras é algo que chama muito a atenção de todos que convivem com elas e também dos pesquisadores da área do neurodesenvolvimento.

Hoje vamos falar sobre Hiperlexia.

O texto está publicado na íntegra no site www.raqueldelmonde.com.br

repostDra. Raquel Del Monde
05/02/2021

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Dra. Raquel Del Monde

Há vários motivos para termos uma conversa séria sobre inteligência no autismo.

🧠 O primeiro e mais importante é que devemos aceitar o fato de que ainda sabemos pouco sobre o assunto.

As dificuldades na comunicação social e o perfil atípico de aquisição de habilidades que observamos no autismo tornam difícil uma avaliação realista do potencial intelectual dos autistas. Como discutimos no texto sobre medidas da inteligência (disponível no site - recomendo muito!!), o uso dos instrumentos padrões pode levar a resultados imprecisos e, em grande parte, equivocados.

🧠 O próprio conceito de inteligência não é muito claro para as pessoas em geral.

Não raramente, é compreendido como se fosse um bloco único de habilidades que confere bom desempenho acadêmico. Esse é um entendimento simplista, que não chega perto da realidade. Inteligência refere-se a um complexo processamento de informações, que envolve diversos circuitos cerebrais - e de forma “independente”, é importante ressaltar. Ou seja, áreas cerebrais distintas têm um “peso” maior para o desempenho de uma pessoa nos diferentes domínios da atividade humana. Por isso alguém pode ter uma facilidade impressionante com números e raciocínio lógico, porém dificuldades com questões de linguagem, por exemplo. Ou um talento extraordinário para artes visuais e nenhuma habilidade motora. E assim por diante.

🧠 Conhecer melhor as particularidades da inteligência autística pode nos ajudar a identif**ar melhor suas aptidões. além de oferecer subsídios para o desenvolvimento de suportes individualizados. Isso tem implicações práticas importantes, já que historicamente, autistas tem sido subestimados em relação às suas capacidades, com prejuízo direto da sua educação e empregabilidade.

🧠 É bem provável que tanto a deficiência intelectual quanto a superdotação sejam mais frequentes no TEA do que na população geral. Inclusive, diversos estudos genéticos reforçam essa hipótese. Entretanto, ainda não temos dados suficientes em mãos. O que signif**a que as estatísticas mecanicamente repetidas a pais – e, infelizmente, em ambientes de formação - estão incorretas, contribuindo para perpetuar o ciclo da exclusão.

É preciso f**ar claro que falar de inteligência no autismo não tem nada a ver com a glamourização dos superdotados, com enaltecer o estereótipo do autista com altas habilidades retratado em filmes e séries. Trata-se, na verdade, de ampliar o entendimento sobre essa relação que se estabelece entre uma condição do neurodesenvolvimento e o potencial intelectual como um todo. O senso comum (e a maior parte dos profissionais) sustenta uma falsa ideia de que essa seria uma relação direta: autismo “leve”/ maior inteligência, autismo “severo”/menor inteligência. Não é simples assim.

Bill Nason – um psicólogo americano que trabalha há décadas com autismo – explica a complexidade dessa relação de uma maneira interessante: ele fala para imaginarmos autismo e inteligência como duas dimensões separadas que podem se interceptar em pontos diferentes. Podemos ter uma pessoa cujas características autistas são extremamente limitantes/ severas e que apresenta altas habilidades; e, do lado oposto, uma pessoa com manifestações leves do autismo e deficiência intelectual. Com todas as possibilidades intermediárias.

O DSM- 5 (Manual de Psiquiatria Americana) recomenda a especif**ação acerca da presença ou não de deficiência intelectual no diagnóstico do autismo, mas não de superdotação/ altas habilidades. Lembramos que a identif**ação de ambas não constitui exigência para o diagnóstico (e quase não acontece em nosso meio). Ainda assim, o texto do DSM menciona a questão da superdotação no trecho que trata da evolução do autismo ao longo dos anos, pois – da mesma forma que na deficiência intelectual – há implicações no desenvolvimento de estratégias de adaptação.

Claro que, como o nível de autismo é definido em função da necessidade de suporte, a deficiência intelectual pode ter uma participação signif**ativa nessa demarcação e muitas vezes pode ser difícil de diferenciar a extensão das limitações de cada condição.

Porém, ao contrário do que alguns pensam, a superdotação não é exatamente um prêmio na loteria do TEA. A maior elaboração de estratégias adaptativas e o aparente sucesso na trajetória pessoal tornam esse grupo o mais “invisível” de todos, o menos provável de receber diagnóstico correto e suportes/acomodações necessários. Os prejuízos sociais e ocupacionais nem sempre são compreendidos e tendem a ser minimizados ou atribuídos a questões de personalidade ou caráter. A depressão e a ideação suicida são fantasmas recorrentes.

É nesse sentido que os profissionais que lidam com autismo precisam considerar essas condições, da mesma maneira que consideram a existência de comorbidades neuropsiquiátricas. Todas elas podem modif**ar as manifestações do autismo, todo o quadro clínico e mesmo o prognóstico.

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