25/01/2021
“Eu te amo, filho...”. A declaração soou pesada enquanto ele comia as batatas. Aquele “Eu te amo” refletia carregado de pesares sobre uma vida não vivida. Ele conhecia o suficiente sua mãe para saber dos sonhos que ela nunca realizou por sua culpa. A culpa não era dele, mas da imagem dele nela. Ela o imaginava sempre necessitado, frágil e perdido. E ele realmente foi assim por anos e anos. A diferença é que agora ele sabia disso. Nasceu por um milagre, mas estava longe de ser santo. O “Eu te amo...” continuou na imaginação dele: “Eu te amo, filho. Sacrifiquei o meu tempo e meus outros amores na vida por você”. Os olhos do filho estavam longe. Estava percebendo o porque o amor tanto o assustava: Amar era perder.
Antes de entrarem no drive thru, sua mãe lhe perguntou: “Você gosta de torta de maçã, não é? Vou pegar uma para você”. Sim, ele realmente gostava, mas não queria. Sabia que a frase era um pretexto para ela validar sua vontade de comer. Ele achava estranho que um desejo tão natural precisasse passar por ele, como se fosse por causa dele que estivessem indo comprar comida. Ele nada queria, e apenas deixou, pois se dissesse que não queria, sua mãe passaria fome. Ao chegarem no totem, a moça da recepção fez a pergunta mais indevida possível: “Boa tarde, o que gostariam de pedir?”. Gostar... Se ela soubesse o quanto essa palavra gerava pânico, teria f**ado apenas com o “boa tarde”. Ele percebeu que sua mãe não sabia o que queria por não saber o que poderia gostar. Ele assumiu o desejo dela e pediu o lanche mais generoso do cardápio. As tortas de maçã não estavam prontas, teriam que esperar. A mãe, ao dar a primeira mordida, disse: “Esse lanche não é tão bom”, e ele logo entendeu que era impossível agradá-la. Passaram-se apenas dez segundos que o fatídico “eu te amo” havia tocado em sua ferida: Ser amado comprometia a liberdade. E isso era terrível. (Rhodys R. Sigrist)