07/11/2025
Kamakhya — A Deusa que Sangra
Há uma colina sagrada no coração da Índia onde o tempo se curva diante do mistério do sangue.
É ali que repousa Kamakhya, a Mãe do Desejo, a Senhora da Fertilidade, a Deusa que sangra.
O templo dedicado a ela não abriga uma imagem, mas uma fenda na rocha, em forma de yoni, o portal da vida.
Dessa fenda brota uma nascente de água que corre o ano inteiro, como se a Terra respirasse no ritmo do ventre divino.
Durante o tempo das monções, acredita-se que a própria Deusa menstrua.
O templo se fecha por três dias.
Nada se oferece. Nada se pede.
O mundo silencia para honrar o sagrado movimento da criação.
Quando o templo reabre, as águas estão tingidas de vermelho — e o sangue da Deusa é celebrado como sinal de fertilidade e renovação.
Esse é o festival Ambubachi Mela, a celebração do sangue divino.
Homens e mulheres se reúnem para lembrar que o sangue não é impureza — é a memória da vida pulsando.
O que o mundo tentou esconder, Kamakhya tornou sagrado.
Ela não é a deusa da perfeição.
É a Deusa da inteireza.
O ventre que sente, a lua que sangra, o rio que se transforma em mar.
Kamakhya ensina que a criação nasce da entrega — e que dentro de cada mulher habita o mesmo poder de sangrar e ainda assim criar.
Os antigos contam que quando Sati, a esposa de Shiva, entregou seu corpo ao fogo sagrado, Shiva caminhou pelo mundo em luto, carregando seus restos.
E onde caiu o útero de Sati, nasceu o templo de Kamakhya.
Por isso, aquele solo é considerado o ventre do mundo — o lugar onde a Terra sangra, e a vida recomeça.
O feminino dá o sangue através da menstruação, oferecendo vida pelo ventre.
O masculino dá o sangue através da força, oferecendo vida pela ação.
Ambos sustentam o ciclo da criação.
Kamakhya é o sangue que alimenta a vida,
o ventre que acolhe o mistério,
a lembrança de que tudo o que nasce precisa primeiro se desfazer.