09/01/2025
Todos que pesquisam árvores genealógicas ou seus ancestrais na Ilha da Madeira, sabem ser imprescindíveis os nobiliários e escritos existentes, como exemplo "Famílias da Madeira e Porto Santo", do cônego Fernando de Meneses Vaz, "Nobiliário da Ilha da Madeira", de Henrique Henriques Noronha, os manuscritos de Felisberto Bettencourt de Miranda, o "Registo Genealógico de Famílias que passaram à Madeira", de Luiz Peter Clode, "Saudades da terra", de Gaspar Frutuoso. São e serão guias luminosos sempre, mas não estão livres de erros, e cabe a quem localizar fontes primárias que os evidenciem, compartilhar e esclarecer a todos os interessados, sejam profissionais ou amadores, mas sempre gente de alma voltada para a Genealogia, que considero Ciência auxiliar da História.
A Genealogia não só nos proporciona o saber a composição das Famílias, nascimentos, casamentos e falecimentos. Ela também nos permite imaginar como era vida em cada época, seus valores morais, os negócios, e até as mágoas. Também dá-nos a oportunidade de encontrar familiares não tão distantes em consanguinidade, mas desconhecidos, face as imensas emigrações que espalharam a descendência da Madeira por todos os cantos das Américas. As pesquisas relacionadas aos Catanho de Meneses e a frondosa árvore são feitas em parceria por Virginia Maria Gonçalves de Almeida e Cátia Mendonça Dória Flinn, trazendo o entrelaçamento entre os Catanho de Meneses, Dorias, Velosas e Nunes, Franças e Bettencourts, Freitas e Ferreiras, Viveiros e Castros, Frias e Olivais, e tantos outros!
Em nosso trabalho conjunto, temos o hábito de revisitar as fontes existentes no site da Direção Regional do Arquivo e Biblioteca da Madeira, assim como o farto material do site Family Search.org., ambos disponibilizados graciosamente. Em um desses momentos houve o achado que convosco compartilharemos.
Todos os nobiliários e escritos citam Antonio Vieira, o meirinho de Machico, como filho de Helena Cré e Álvaro Vieira, 2º marido de Helena. Sobre esse grupo familiar há contradições, seja em datas, seja na filiação de Helena Cré. Demonstro abaixo cópias recortadas dos nobiliários de Henrique Noronha, Peter Clode e Meneses Vaz, livros e cópias disponibilizados nos arquivos da Madeira e nos catálogos do Family Search.
https://archive.org/details/ahm_20210430/page/n279/mode/2up?q=%22acres%22
No livro acima, do Cônego Meneses Vaz, disponibilizado no site Arquivo Histórico da Madeira (link acima), temos:
1 - A filiação de Helena Cré – Margarida Cré cc Pedro Vieira de Vasconcelos
2 – Nomes dos maridos - João Godinho , 1º casamento, e Álvaro Vieira, 2º casamento
No fascículo 2 do material escrito pelo Cônego Meneses Vaz, também disponibilizado em sites de Genealogia, atestamos contradições entre os escritos. Temos:
1 – O fidalgo que se casa com Margarida Cré chama-se Pedro Vieira de Viveiros, o que entendemos ser o verdadeiro sobrenome dele, e não Vasconcelos, pois há entre seus descendentes a assunção do sobrenome Viveiros. Aliás, em 1613 há o batismo de Gonçalo, em Santa Cruz, no qual Antonio Vieira (o meirinho) é padrinho, e seu sobrenome está como Vieira de Viveiros (ver imagem abaixo, no batismo de nº 139);
2 – A filha Helena Cré casa com Álvaro Vieira em 1530. Sabemos da existência de um certo Álvaro Vieira, meirinho de Machico, através do livro de Gaspar Frutuoso Saudades da terra - capítulo décimo primeiro, mas desconhecemos quaisquer evidências de que seja a pessoa com quem Helena Cré se casou. Ver abaixo citação de Gaspar Frutuoso, e assento de óbito de um certo Antonio Vieira, freguesia de Santa Cruz
3 – Na página seguinte, há outra Helena Cré, cuja filiação seria Guilherme Cré e Maria Gonçalves de Viveiros, com data de casamento com João Godinho no ano de 1575. Essa data é improvável, pois Aldonça Godinho, filha deles, casa-se em 11 de fevereiro 1582 com Manuel Tavares. Ora, não há naquele período, entre a gente comum da Ilha da Madeira, casamento antes da idade de 20 anos; a igreja era bem rígida nessas questões normativas, e vê-se bem nos assentos de batismo, que via de regra aconteciam na mesma semana do nascimento, e as idades dos nubentes. Portanto, embora não tenhamos o nascimento de Aldonça, deduzimos que é anterior a 1562
Gaspar Frutuoso , em seu livro “Saudades da terra”, Cita o meirinho de Machico entre os anos de 1532 e 1533, de nome Álvaro Vieira.
O apontamento acima foi feito por Peter Clode - "Registo Genealógico de Famílias que passaram à Madeira", livro este também disponibilizado em sites de Genealogia, título Crés. Observa-se que o nome do marido de Margarida Cré é Pedro Vieira de Viveiros.
No mesmo livro de Peter Clode, no título de Regos, observa-se que o nome do marido de Margarida Cré é Pedro Vieira de Vasconcelos.
Incluímos estas menções para que se evidenciem as contradições que existem nos diversos estudos de Genealogia da Madeira.
Abaixo, apresentamos imagem do índice do livro de casados de Santa Cruz entre os anos 1539 e 1551. Não há registro sobre casamento de João Godinho e Helena Cré nesse período. Portanto, torna-se difícil associar o marido de Helena, Álvaro Vieira, ao Vieira que foi meirinho nos idos de 1533, e faleceu em Santa Cruz em 1541 (imagem abaixo), pois as famílias logo casavam as jovens viúvas.
Há sempre a possibilidade de Helena Cré ter vivido em outro lugar e noutra freguesia ter acontecido o novo casamento, mas não há evidências.
Índice de Casados Santa Cruz, imagens 101 e 102 - Link para a imagem no site Family Search
https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:3Q9M-CSFW-9S7T?i=100&cat=16770
Óbito de Antonio Vieira - Link para imagem no site Family Search
https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:3Q9M-CSFW-99P6?i=241&cat=16770
Casamento de Aldonça Godinho e Manuel Tavares em 11 de Fevereiro de 1582 Tavares – Link para imagem no site Family Search
https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:3Q9M-C9BF-W946-Z
Batismo de Gonçalo, nº 139, cujo padrinho é ANTONIO VIEIRA DE VIVEIROS, o meirinho – Link para imagem no site ABM – Madeira
https://arquivo-abm.madeira.gov.pt/viewer?id=17875&FileID=1677520&recordType=Description
Na continuidade das pesquisas em Caniço, chamou-nos a atenção o assento de batismo de uma filha de Francisco Fernandes e Maria Dias, cuja madrinha é uma "D.Maria NETA DE JOÃO GODINHO E FILHA DE ANTONIO VIEIRA MEIRINHO DE MACHICO" (ver imagem e link abaixo). Guiávamo-nos pelas informações das tradicionais Genealogias da Madeira, e este assento levou-nos a questionar as informações que, embora contraditas entre si em alguns pontos, ainda assim eram consideradas as únicas fontes da filiação de Antonio Vieira.
Batismo de uma filha de Francisco Fernandes e Maria Dias, cuja madrinha é D. Maria – Link para a imagem no site Family Search
https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:3Q9M-CSF7-G3GF-Z?i=8&cc=4426199
Foi localizado o óbito de João Godinho em MAIO de 1587, ou seja, por ocasião de sua morte, Antonio Vieira já é adulto, com filhos, na profissão de meirinho, e segundo dados dos nobiliários, casa-se novamente – o Cônego Meneses Vaz cita a data 24 de novembro de 1572 - com Branca de França e Vasconcelos. A informação sobre a data também está equivocada, pois localizamos o batismo de uma filha de nome Beatriz, legítima do casal, em outubro de 1570 (ver abaixo imagens e links).
Informação contida no livro “Famílias da Madeira e Porto Santo”, Cônego Meneses Vaz, disponibilizado em arquivo digital do site ABM - Link para a imagem no site da ABM
https://archive.org/details/ahm_20210430/page/n1619/mode/2up?q=%22antonio+vieira%22
Assento de batismo de Beatriz, filha de Antonio Vieira e D. Branca, Caniço, 1570 – Link para a imagem no site Family Search
https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:3Q9M-CSF7-G96B-2
Assento de óbito de João Godinho aos 30 dias de Maio de 1587 – Link para imagem no site Family Search
https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:3Q9M-CSF7-RSR6-6
No assento de óbito há a informação de que "fez testamento, está enterrado em cova de seu pai e mãe, deixa sua terça à sua mulher Helena Cré, e que deem à sua neta D. maria, que criou, 20.000 réis de sua terça, por ter cuidado dele."
Pelos usos e costumes observados nas centenas de assentos dos séculos XVI, XVII e XVIII, não há ninguém que tenha criado um enteado, ou filho de enteado, que cite a pessoa como filho ou como neto; a relação familiar é descrita com clareza, quando há outros herdeiros legais interessados. Abaixo, temos como exemplo o assento de óbito de Maria Martins, mulher de Manuel Fernandes das Covas, que deixa herança a D. Francisca “porque a criou e ser neta de Manuel Fernandes, donde os bens que possui lhe vieram”. O testamento é claro e demonstra que não existe o hábito que chamaríamos de “avô torto” na Madeira.
Assento de óbito de Maria Martins, Faial, 1622 – Link para a imagem no site ABM
https://arquivo-abm.madeira.gov.pt/viewer?id=36055&FileID=1649027&recordType=Description
Os filhos de Antonio Vieira e Margarida Catanho nascem presumidamente entre 1564 e 1570, e temos os seguintes casamentos localizados:
Álvaro Vieira Catanho C.c. Violante Brás - 8/12/1586, Caniço – Link para o site Family Search
https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:3Q9M-C9BF-W94D-X?i=94
D. Maria Catanho C.c. Diogo Dias Saldanha - 27/11/1589, Caniço – Link para o site Family Search
Obs. A testemunha Manuel Tavares é marido de Aldonça Coutinho, tia de D. Maria
https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:3Q9M-C9BF-W946-W?i=101
Deveras, o que temos de fontes primárias leva-nos à conclusão de que Antonio Vieira, ou Antonio Vieira de Viveiros, meirinho de Machico, casado com D. Margarida Catanho, é filho legítimo de João Godinho e Helena Cré, contrariando as Genealogias de autores consagrados, como Henrique Henriques de Noronha, Cônego Fernando Meneses Vaz e Peter Clode.
Esperamos, com este trabalho, contribuir e complementar a riqueza de dados que as Genealogias da Madeira oferecem-nos.
Deixo meu agradecimento a Cátia Mendonça Dória Flinn, pela parceria e efetividade em nossas pesquisas genealógicas.
Virginia Maria Gonçalves de Almeida
Valinhos, 6 de Janeiro de 2023