09/11/2025
— Outra vez sentada no sofá, Mariana? O bebé só dorme e come, não percebo porque estás sempre tão cansada.
As palavras do Rui ecoaram pela sala como um trovão. Senti o sangue ferver-me nas veias, mas não consegui responder. Olhei para o pequeno Tomás, finalmente adormecido no berço improvisado ao lado do sofá. O silêncio dele contrastava com o tumulto dentro de mim. Era como se cada suspiro do meu filho fosse um lembrete do quanto eu estava sozinha.
Lembro-me do dia em que soube que estava grávida. O Rui chorou de alegria, os meus pais trouxeram flores, e até a vizinha do terceiro andar me deu um abraço apertado. Mas ninguém me avisou que a maternidade podia ser tão solitária. Ninguém me preparou para as noites em claro, para o medo constante de falhar, para o peso esmagador da responsabilidade.
— Mariana, ouviste o que eu disse? — insistiu o Rui, já impaciente.
— Ouvi, Rui. — respondi num fio de voz. — Mas não é só dormir e comer. Ele chora, precisa de colo, precisa de mim a cada segundo. Eu não paro um minuto.
Ele bufou e virou costas. Fiquei ali, sentada, a olhar para as paredes da nossa sala pequena em Almada, onde cada objeto parecia testemunha muda da minha exaustão. O relógio marcava três da tarde e eu ainda não tinha tomado banho. A loiça acumulava-se na cozinha e o cheiro a leite azedo misturava-se com o aroma do café frio.
A minha mãe ligava todos os dias:
— Filha, tens de te arranjar. Não podes deixar que o bebé te consuma assim.
Mas como é que eu podia explicar-lhe que até pentear o cabelo era uma tarefa hercúlea? Que cada vez que Tomás chorava, sentia uma culpa esmagadora por não saber imediatamente o que ele queria?
O Rui chegava do trabalho e esperava jantar na mesa, a casa arrumada e um sorriso nos meus lábios. Mas eu só queria dormir. Só queria que alguém me dissesse: "Estás a fazer o melhor que consegues".
Uma noite, depois de mais uma discussão sobre a desarrumação da casa, fechei-me na casa de banho e chorei em silêncio. Senti-me pequena, inútil, invisível. Lembrei-me das amigas que diziam que ser mãe era a melhor coisa do mundo. Porque é que comigo parecia tão difícil?
No dia seguinte, tentei fazer tudo certo. Preparei o jantar cedo, arrumei a sala enquanto Tomás dormia no sling preso ao meu peito. Quando o Rui chegou, sorri-lhe com esforço.
— Vês? Quando queres até consegues — disse ele, sem notar as olheiras fundas nem as mãos trémulas.
Naquela noite, Tomás teve cólicas. Passei horas a embalá-lo nos braços enquanto o Rui dormia profundamente no quarto ao lado. Ouvia-o ressonar enquanto eu sussurrava canções de embalar e sentia as lágrimas escorrerem-me pelo rosto.
Comecei a evitar os convívios familiares. Não suportava ouvir os comentários:
— O Rui ajuda-te muito?
— Já voltaste ao teu peso?
— O Tomás já dorme a noite toda?
Sentia-me julgada por tudo: pelo corpo, pela casa, pelo choro do meu filho. Até pelo meu silêncio.
Certa tarde, depois de uma manhã particularmente difícil em que Tomás não parou de chorar, sentei-me no chão da cozinha e liguei à minha amiga Sofia.
— Sofia, eu não aguento mais. Sinto-me um fracasso.
Ela ouviu-me em silêncio e depois disse:
— Mariana, tu não estás sozinha. Eu também me senti assim quando nasceu a Matilde. Mas ninguém fala disto porque temos vergonha. Porque achamos que temos de ser super-mulheres.
Essas palavras foram como um bálsamo. Pela primeira vez em meses senti-me compreendida.
Mas o Rui continuava distante. Uma noite, depois de mais uma discussão sobre as contas da casa — porque agora só havia um salário — ele atirou:
— Se calhar devias procurar um trabalho em part-time. Assim distraías-te e ajudavas nas despesas.
Olhei para ele incrédula:
— Achas mesmo que consigo trabalhar neste estado? Achas que alguém me vai contratar com estas olheiras e este cansaço?
Ele encolheu os ombros:
— Outras conseguem.
Foi nesse momento que percebi: ele não fazia ideia do que era ser mãe a tempo inteiro. Não via as horas passadas a tentar adivinhar porque chorava o Tomás, as fraldas mudadas às três da manhã, os banhos apressados enquanto ele gritava no berço.
Comecei a escrever num caderno tudo o que fazia durante o dia: quantas vezes mudava fraldas, quantas vezes dava de mamar, quantos minutos conseguia estar sentada sem ser interrompida pelo choro do Tomás. Mostrei-lhe uma noite à mesa.
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