31/10/2025
A Senhora da Boa Morte: a Deusa Velada do Submundo Ibérico
No limite entre o dia que declina e a noite que respira, ergue-se a Senhora da Boa Morte, não apenas imagem de piedade, mas sombra viva de uma memória mais antiga que a própria fé que a cobre.
Sob o véu escuro das igrejas, ela guarda o perfume da terra molhada, o murmúrio das nascentes que correm sob as campas, o segredo das sementes que dormem no ventre do húmus.
Antes de ser Senhora do Céu, foi Mãe da Passagem, Senhora da Última Luz, o pulsar mais antigo, o coração da Deusa Velha, Senhora das encruzilhadas, Guardiã do Tempo e da Memória, entre o respirar e o silêncio.
Nos vales de névoa e pedra, quando o mundo ainda falava a língua dos ventos e dos carvalhos, chamavam-lhe por nomes que se perderam. Era a Mãe Negra, era A que morre para que tudo volte a nascer.
Nos seus braços repousavam os mortos, e dos seus dedos brotavam raízes. Ela não chorava o fim, guardava-o, fecundava-o, transformava-o em começo.
Hoje chamam-lhe Boa Morte, como quem tenta domar o mistério com doçura.
Mas nas suas procissões lentas, no calor que faz ondular o ar das aldeias, o povo ainda sente o tremor antigo, o rumor da terra que abre a boca, a promessa do retorno.
Quando a sua imagem é deitada, coberta de flores e panos brancos, não é apenas uma Virgem que parte, é a própria terra que descansa, grávida de silêncio, à espera da semente que há de germinar no escuro.
A Senhora da Boa Morte não é apenas co***lo, é ponte e abismo, luto e germinação, poeira e seiva.
Nos seus olhos, metade lua, metade sepultura, habita a certeza de que morrer é apenas mudar de nome.
Deusa eterna, psicopompa, terra, treva e seiva.
Ela é o ventre e o túmulo, a sombra que acolhe e o chão que regenera.
Força indomável, aquela que conhece todos os nomes e nenhuma fronteira-a Guardiã do eterno retorno.
*Continua nos comentários
da.deusa