10/10/2025
Vivemos numa cultura que nos ensina cedo que nunca estamos prontas. A mulher é treinada a olhar-se ao espelho não para se reconhecer, mas para se vigiar. Esta pedagogia da insuficiência não é acidental — é rentável. A indústria da moda, da cosmética, do fitness, até da espiritualidade de Instagram, cresce na medida em que nós diminuímos. A lógica é simples: mulheres inseguras consomem mais.
Enquanto isso, nalgum bar qualquer perto de si, um homem pífio ergue o copo de cerveja como se fosse o cálice sagrado do Olimpo e sente-se um autêntico semi-deus. Simone de Beauvoir não exagerou: “O machismo faz com que o mais medíocre dos homens se sinta um semi-deus diante de uma mulher.” Se tem uma opinião, já é tese. Se tem um emprego, já é herói. Se é pai e muda uma fralda, ui, já tem poderes sobrenaturais.
Mas ora aqui está a ironia cruel: enquanto sentimo-nos sempre a menos, eles sentem-se sempre a mais. O velho contraste, tão bem explanado pela psicanálise, sobre “eles sobram, nós faltamos”. É o que alguns estudos de psicologia social chamam de “overconfidence effect” — a tendência masculina de superestimar as próprias capacidades, mesmo sem lastro de competência. Enquanto isso, nós tropeçamos na chamada síndrome da impostora: mulheres brilhantes, hiperqualificadas, que questionam a toda a hora se merecem sentar-se à mesa, como se o convite tivesse sido um erro administrativo.
E se este vazio que atravessa tanta gente não for um problema individual, mas o sintoma de uma engrenagem maior?
Se o mundo nos quer inseguras e culpadas, a psicoterapia pode ser o lugar onde reaprendemos a ser sujeitos — não objectos. É onde desmontamos a herança cultural da culpa e reconstruímos uma narrativa própria. Trabalhar a auto-estima em psicoterapia não é vaidade: é resistência. Num mundo que lucra com a nossa baixa auto-imagem, aprender a gostar de si é quase um acto de sabotagem económica.
A psicoterapia ajuda-nos a reconhecer os padrões que internalizámos: a exigência desmedida, a auto-crítica corrosiva, a eterna sensação de insuficiência. Ajuda-nos a distinguir a voz própria das vozes impostas. É, em termos psicológicos, um processo de individuação; em termos políticos, um acto de desobediência civil. Porque uma mulher que sabe o seu valor é menos controlável, menos manipulável e menos consumidora compulsiva de “soluções mágicas”.
Nesta crónica que escrevi para a Revista LuxWoman mostro-lhe de que forma ser autêntica, neste mundo, é recusar a lógica de que estamos sempre em falta. É lembrar que somos abundância fecunda, transbordo, sobejo.
O mundo prefere homens pseudo-confiantes a mulheres autênticas porque aqueles mantêm as estruturas intactas, enquanto mulheres autênticas abalam os alicerces. E é por isso que cada passo em direcção ao amor-próprio é um passo mais do que assertivo. É insubmisso.
— A minha crónica deste mês – "Como ser autêntica num mundo que lucra com a nossa insegurança" – está publicada na edição de Outubro da , nas bancas.
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