29/04/2025
O apagão trouxe incerteza, trouxe silêncio… e trouxe vida.
Sem avisar, desligou-nos das rotinas automáticas, dos ecrãs que consomem tempo e atenção, dos sons que já nem notávamos. E, por umas horas, devolveu-nos a nós mesmos.
As crianças voltaram à rua. Sem tablets, sem televisão, sem distrações brilhantes. Voltaram a correr, a inventar jogos, a gritar com alegria. Famílias inteiras desceram à rua, pegaram na trela do cão e andaram juntas, sem destino definido, apenas com tempo. Os vizinhos saíram à janela, sentaram-se nas escadas, partilharam histórias de varanda para varanda como se o mundo não tivesse pressa. Pela primeira vez em muito tempo, as ruas voltaram a ter olhos que se cruzam, vozes que se escutam, risos que se contagiam.
Sem notificações, chamadas ou scroll infinito, sentimos a presença. O calor de estar ali, com quem está. A luz falhou, mas acendeu-se qualquer coisa que nos faltava há muito: o vínculo. E foi num velho rádio a pilhas, na voz trémula de um locutor desconhecido, que muitos encontraram companhia e sentido. O que vale mais afinal: o último modelo de um telemóvel ou a memória viva de um objeto antigo que ainda sabe servir?
E no meio de tudo isto, houve quem não parasse. Profissionais que, com o que tinham, fizeram acontecer. Profissionais de saúde, segurança, técnicos, socorristas, trabalhadores anónimos que não esperaram pela luz para continuar. E aqueles que a trouxeram de volta, fio a fio, poste a poste, noite dentro.
Há quem chame falha ao que aconteceu. Mas talvez tenha sido um alerta. Um rasgo de verdade no meio do ruído constante. Um tempo suspenso onde percebemos que a normalidade a que voltámos não é, necessariamente, melhor do que aquilo que por breves horas redescobrimos.
Foi só um apagão. Mas, por dentro, acendeu muita coisa.