14/11/2025
"Eu ainda estou no Outono!!! ... e nao tenho pressa de sair daqui..." 🤍
Há algo de profundamente estranho a acontecer com o Natal — e não é apenas a antecipação desajeitada das luzes nos centros comerciais. É uma transformação mais silenciosa, quase imperceptível, que vai mexendo com o sentido das coisas, como se estivéssemos a assistir à mudança de uma estação interior antes da exterior.
O Natal, que um dia foi uma pausa íntima, um recolhimento, um regresso a casa, tornou-se uma espécie de temporada obrigatória. Já não chega viver o dezembro quando dezembro chega: agora somos convocados semanas antes, empurrados para um frenesim que não escolhemos. A publicidade invade-nos como uma maré que não pede licença. Os letreiros brilham antes de tempo, as montras ganham tons artificiais de neve, e a música repetida — aquela que o ouvido já sabe de cor — tenta impor um humor festivo que ainda não amadureceu em nós.
E, no entanto, o corpo sabe que ainda não é a hora.
Ainda cheira a castanhas.
Ainda sentimos o outono a meio do caminho, com a sua luz oblíqua e o rumor tranquilo das primeiras noites frias. Ainda não bebemos o vinho novo, ainda não celebrámos o São Martinho, ainda não fizemos aquele gesto simples de abrandar para escutar a estação a mudar. Mas somos convocados para saltar etapas, como se a vida fosse uma linha contínua sem pausas, sem rituais, sem espera.
O problema não é o Natal — nunca foi. O problema é esta pressa em revestir tudo de festa, sem deixar que o sentido dessa festa se construa. É como tentar acender uma fogueira com lenha molhada: muito brilho por fora, pouca chama verdadeira por dentro.
Talvez por isso tantas pessoas sintam um cansaço difuso quando o Natal chega: porque já fomos forçados a senti-lo antes de o sentirmos realmente. Fomos atirados para dentro de um clima que ainda não estava dentro de nós.
No fundo, o que está a acontecer com o Natal é o que está a acontecer com muitas coisas: perde-se o tempo da espera. E quando se perde a espera, perde-se a intensidade. O Natal não deveria ser imposto — deveria ser vivido ao ritmo da alma, só quando ela estiver pronta para se abrir, lentamente, à luz mais pura do inverno.
Até lá, que nos deixem estar no outono, com calma, no lume brando das coisas simples.