08/11/2025
Falamos muito sobre espiritualidade. Mas poucas pessoas sabem o que ela realmente é. Não é algo doce. Não é algo bonito. E certamente não é algo para ser compartilhado no Instagram...
A espiritualidade não é um refúgio. É um fogo. Um fogo que consome tudo o que pensávamos ser. Que queima as falsas aparências, os discursos bonitos e as identidades douradas que fomos ensinado a adoptar.
Não é uma fuga para a luz. É uma descida ao ventre do mundo, nos redutos da nossa humanidade, onde não podemos mais fingir.
Achamos que estamos a despertar... Mas o despertar não é flutuar acima da vida. É sentir mais, com mais intensidade, é chorar mais frequentemente, é sentir a beleza até na dor.
É ajoelhar-se diante da vida tal como ela é - injusta, perturbadora, paradoxal - e escolher amar mesmo assim.
A verdadeira espiritualidade não é uma máscara de serenidade. É a travessia nua do nosso caos interior. Ela exige que olhemos para tudo: a nossa inveja, o nosso medo, a nossa raiva, as nossas feridas não cicatrizadas...
Não para se livrar delas a qualquer custo, mas para reconhecê-las como mestres. Ela convida a não fugir mais na positividade, a parar de disfarçar a nossa sombra sob o pretexto de luz.
A luz não está acima - ela está no centro. No olho do furacão. No lugar exato onde não queremos ir.
A espiritualidade não tem nada a ver com uma mise-en-scène. Ela é oferecida sem glória ou coroa, mas com o despojamento mais puro.
Ela tira-nos as certezas, as afiliações, as ilusões de controle. Ela despoja-nos até que não sejamos mais nada - e é lá, apenas lá, que ela nos devolve à nossa verdadeira grandeza: a do sopro que sabe que está unido ao Todo.
Não podemos confundir o comercial com o sagrado. O sagrado não procura seduzir. Ele exige. Ele pede um coração nu, uma mente lúcida, uma integridade sem disfarces.
Ele não nos diz "tudo é amor" - ele pergunta: "ainda ama quando tudo se desmorona?"
O sagrado é aquele momento em que já não existem mais respostas, em que não sabemos mais rezar, e ainda assim estendemos as mãos para o céu.
É aqui que começa a verdadeira fé: na perda, não no conforto.
A espiritualidade não é uma coleção de rituais. É o sopro de vida que colocamos em cada um deles. Não é o cristal, mas a intenção. Não é a Sálvia mas a presença. Não é a forma, mas a vibração.
E, acima de tudo, não é um título, nem uma postura, nem um papel social. É um lembrete do essencial.
Uma oração que vive na carne, nos nossos olhares, nos nossos gestos, nos nossos silêncios.
A verdadeira espiritualidade ensina a não contar mais histórias. A parar de "tentar ser luminoso" e simplesmente ser verdadeiro.
Ela traz-nos de volta à nossa natureza cíclica, à nossa dualidade, à nossa poeira, à sabedoria imemorial do Vivente que se conhece através de nós.
E quando o ego tenta retomar o controle, quando ele quer ainda parecer sábio, iluminado, superior, então o sopro do sagrado sussurra:
"Cale-te. Ama. Respira. Escuta."
Porque a espiritualidade nunca foi uma ascensão. É uma descida. Uma descida na carne, no coração e no mundo.
É a arte de permanecer conectado à Fonte no meio do tumulto e da poeira.
É a coragem de permanecer aberto na tempestade. De estender a mão ao outro quando ele treme. De falar a verdade, quando é mais simples o silêncio.
E de rezar sem testemunhas, apenas porque a nossa alma o exige.
A espiritualidade não é tornar-se luz, é parar de fugir da escuridão. É caminhar descalço na lama do mundo, com o coração aberto, até que a vida em si reconheça o nosso fogo.
Hoje, não vamos tentar elevar. Vamos descer. Descer até a raiz do nosso ser. É lá, na profundidade, que a luz nos espera - aquela que ninguém nos ensinou, mas que a nossa alma nunca esqueceu.