25/11/2025
Nos anos 50 ,60 e início dos 70, havia um ritual diário em todas as salas de jardim de infância — tão previsível que dava para acertar o relógio por ele.
Depois das canções, dos lápis de cor e da roda de conversa. Depois dos biscoitos de mel e das caixinhas de leite. A professora diminuía as luzes. Uma música começava a tocar no gira-discos — algo suave, gentil, tranquilo.
E vinte pequenos corpos estendiam- se sobre tapetes coloridos, sapatos empurrados para debaixo de pequenos catres, cobertores gastos puxados até o queixo.
A sala inteira exalava um suspiro coletivo.
Era hora da sesta.
Para milhões de crianças que cresceram nessa época, isso era tão fundamental quanto construir blocos, desenhar ou aprender o alfabeto. Era parte do currículo.
Educadores acreditavam — com razão — que momentos estruturados de silêncio ajudavam as crianças a crescer: davam espaço para a agitação baixar, a imaginação fluír e as pequenas mentes se reorganizarem antes da correria da tarde, com mais jogos de contar e descobertas infinitas.
A ciência confirma: corpos e cérebros infantis ainda estam em pleno desenvolvimento. Descansar é uma necessidade fisiológica.
As professoras tornavam- se guardiãs da calma. Vozes suaves. Passos leves entre filas de crianças adormecidas.
Às vezes uma história lida quase em sussurro.
Uma mão ajeitando um cobertor. Um farol de serenidade na meia-luz.
Para muitas crianças, esse seria o único momento de verdadeira quietude no dia.
Algumas realmente dormiam, exaustas da manhã agitada naquele novo mundo chamado escola.
Outras ficavam deitadas, a olhar partículas de poeira dançarem no raio de luz entre as cortinas, envoltas naquele devaneio que só acontece quando o mundo ainda não as obrigou a viver com pressa.
Até as que odiavam a soneca — os inquietos sabiam que tinham de cumprir aquele tempo, deitados e sem falar. Acabavam a contar quadrados do teto , entretidos com as mãos, ou a divagar ao som da música e da estória contada, sem fechar os olhos — aprendiam algo valioso: é preciso saber ficar quieto mesmo sem querer. Descansar faz parte do trabalho.
Mas nos finais dos anos 1970 , algo mudou. Pressões externas clamavam pela atividade frenetica. E pela liberdade de escolha.
O jardim de infância deixou de ser sobre estruturação do comportamento e socialização através da brincadeira, passou a ser sobre “preparação escolar”, e desempenho.
Os horários apertaram com avalições precoces.
Os próprios pais entregaram as crianças à educação externa, a horários de guarda alargados e à competição. Temiam que seus filhos “ficassem para trás”.
E de repente, a sesta passou a parecer antiquada, demasiado impositiva ,uma perda de tempo.
Daí , o descanso obrigatório foi terminando. Os tapetinhos foram enrolados e guardados.
O gira-discos deu lugar aos retroprojetores, depois aos computadores, depois aos tablets.
Nos anos 1990, a sesta praticamente desapareceu das escolas públicas, sobrevivendo apenas em pré-escolas e creches para os bem pequenos.
Hoje, a maioria das crianças passa o dia inteiro em atividades calendarizadas — grupos de leitura, centros de matemática, computadores, recreio (quando existe), almoço e mais instrução. Depois o estudo dum instrumento, a ginástica, o judo, a natação, os cavalos - no geral sempre de competição.
Sem pausas.
Sem silêncio.
Sem permissão para simplesmente…ficar entediado. Isso que é tão fundamental para crescer com maturidade.
E depois perguntamos por que a ansiedade infantil disparou? Por que não resistem à frustração? Porque não sabem brincar sozinhos da mesma forma que acompanhados?
Para quem viveu aquela época, a memória permanece vívida: as fileiras de tapetinhos, o
chiar da agulha do gira-discos , o sussuro.
E a magia de ser “permitido” — ou até esperado — que fechasses os olhos e descansasses no meio do dia. A sesta não é apenas dormir. É reparação. O descanso tem valor . O silêncio tem função. A pausa faz parte da produção . Não é saudável viver por atacado, na velocidade máxima o dia inteiro, todos os dias.
Aos professores que hoje lutam para manter a sesta na educação infantil: vocês não são “preguiçosos”. Estão a defender o que a ciência sempre soube — crianças pequenas precisam de pausas e tempo completamente liberto para se desenvolverem bem.
E os adultos que não sintam culpas por pausar. Uma curta sesta faz milagres pela saúde, e pelo bom desempenho.
# psicologiainfantil