Clínica Dr Celso Oliveira - Psicoterapia Integrativa com/sem Hipnose

Clínica Dr Celso Oliveira - Psicoterapia Integrativa com/sem Hipnose Psicoterapia com Hipnose Clínica Centrada na Pessoa e Focada nas Soluções

Ovar
Largo SerpaPinto O que é a Hipnose? Celso Oliveira (Novembro/ 2012)

A Hipnose é um estado Específico de Consciência, natural em todas as Pessoas e que todas as Pessoas podem aprender a usar .
É um estado específico de consciência natural e não modif**ado e muito menos alterado.

É um estado que podemos aprender a usar e que consiste no afunilamento da nossa atenção para o nosso interior. A hipnoterapia é a utilização guiada dessas habilidades naturais da Pessoa para resolver dificuldades e/ou encontrar soluções terapêuticas para essas dificuldades. Tratamentos
A Hipnoterapia pode ser utilizada em variadas situações, nomeadamente:
- Depressão
- Pânico, ansiedade, medos e fobias
- Perturbações Obssessivo- compulsivas (POC)
- Problemas de Concentração e Memória
- Distúrbios do sono
- Distúrbios alimentares (Anorexia, Bulimia, Controlo alimentar, etc.)
- Redução de Peso
- Problemas se***is (Frigidez, Impotência Sexual, Ejaculação Precoce, etc.)
- Hiperatividade e Défices de Atenção
- Problemas de concentração e memória
- Controlo da Dor (Fibromialgia, Artrite, etc.)
- Problemas dermatológicos (Psoríase, Vitiligo, Lúpus, etc.)
- Problemas de Socialização (Timidez e dificuldades de relacionamento)
- Dificuldades no desempenho escolar (insucesso, desmotivação e ansiedade)
- Adições (Tabagismo, Alcoolismo e Dr**as)
- Mudança de Hábitos (roer as unhas, etc.)

«Quando o Corpo Escreve e a Consciência Lê»(por Celso Oliveira)Se pensarmos com Damásio, as emoções são tinta: matéria v...
01/12/2025

«Quando o Corpo Escreve e a Consciência Lê»
(por Celso Oliveira)

Se pensarmos com Damásio, as emoções são tinta: matéria viva, densa, que se espalha pelo corpo antes de sabermos o que nela está escrito. Os sentimentos são, então, a leitura dessa tinta – o momento em que o organismo toma consciência do rasto que a emoção deixou no corpo e o traduz em narrativa interior.

A emoção acontece primeiro, quase como um reflexo.
O coração acelera, o estômago contrai-se, o rosto aquece, os músculos enrijecem.
É o corpo a mergulhar o pincel na tinta biológica: hormonas, pulsação, postura, respiração.
Nada disto, por si, é ainda «signif**ado». É apenas o quadro fisiológico a ser preparado.

O sentimento surge quando a mente se volta para esse quadro e começa a decifrá-lo.
O que antes era apenas alteração corporal transforma-se em experiência subjectiva: «estou ansioso», «sinto medo», «estou comovido». O sentimento é a legenda que escrevemos por baixo da imagem do corpo. Não é só o que o organismo faz, é a maneira como o organismo se compreende a si mesmo enquanto faz.

Neste sentido, as emoções são a gramática profunda do corpo;
os sentimentos, a leitura consciente dessa gramática.

Sem emoção, a vida seria um texto não escrito – uma página vazia, asséptica, sem cor.
Sem sentimento, a vida seria um texto escrito a tinta invisível – o corpo reagiria, mas ninguém leria a história.

Damásio lembra-nos que o cérebro não é um narrador isolado, fechado numa torre de marfim. É antes um escriba atento, permanentemente a receber relatórios do corpo: variações de pressão arterial, de temperatura, de tensão muscular, de composição química do sangue. Em resposta, desenha mapas internos. É quando esses mapas são «vistos» pelo próprio cérebro que nascem os sentimentos. A tinta é a alteração corporal; o sentimento é o mapa lido, interpretado, tornado consciência.

Há aqui uma visão profundamente realista:
não somos apenas o que pensamos sobre a vida, somos a maneira como a vida se inscreve em nós.
Cada perda, cada alegria, cada ameaça, cada abraço escreve linhas microscópicas no corpo: cicatrizes hormonais, hábitos posturais, trajectos neuronais. A consciência é, em boa parte, a arte de ler estes registos, de lhes dar coerência e direcção.

Mas há também lugar para o lirismo.

Imaginemos o corpo como um grande atelier, cheio de frascos de tinta de cores distintas:
a tinta escura do medo, rápida, intensa;
a tinta incandescente da raiva, espessa, que se espalha depressa;
a tinta suave da ternura, que não invade, mas impregna;
a tinta subtil da melancolia, que demora a secar.

As emoções são os salpicos e pinceladas que acontecem quando o mundo nos toca:
uma palavra dura atirada de repente, um olhar de aprovação, um silêncio prolongado, uma perda inesperada.
O pincel bate na tela antes de termos tempo de dizer «não quero sentir isto». A emoção já lá está. A tinta já caiu.

Os sentimentos são o momento em que nos afastamos meio passo, olhamos o quadro e pensamos:
«O que é que este desenho quer dizer de mim, do outro, da vida?»
Podemos interpretar a mesma mancha de maneiras distintas:
uma aceleração cardíaca pode ser lida como ansiedade, excitação, antecipação, pânico ou entusiasmo.
O corpo oferece a tinta; a história que contamos com essa tinta depende da nossa biografia, da nossa aprendizagem, do nosso contexto, da nossa capacidade de regular e simbolizar.

Nisto reside uma implicação clínica delicada e esperançosa:
não controlamos totalmente a tinta, mas podemos aprender a ler de outro modo o que ela escreve.
A emoção é, em grande parte, automática;
o sentimento, embora ancorado no corpo, é também uma construção.
Trabalhar terapeuticamente é, muitas vezes, ajudar alguém a reler a sua própria paleta emocional:
o que antes era vivido apenas como «ameaça» poder ser reconhecido como «alerta»;
o que surgia apenas como «fracasso» poder tornar-se «limite humano partilhado»;
o que era só «vergonha» poder ser traduzido como «desejo profundo de pertença».

Assim, a consciência deixa de ser apenas um espelho passivo e torna-se um leitor activo: sublinha, acrescenta notas à margem, reorganiza capítulos. As emoções continuam a surgir, fiéis à sua raiz biológica, mas os sentimentos ganham espessura, nuance, contexto. Deixamos de ser apenas vítimas da tinta para nos tornarmos, pouco a pouco, co-autores da pintura.

No fundo, ler Damásio é aceitar uma visão da existência em que o espírito não flutua acima da carne, mas se faz dela.
Os sentimentos não são um luxo poético, são a própria forma como a vida se reconhece a si mesma enquanto luta para se manter, adaptar e persistir.

Talvez possamos resumi-lo assim:
as emoções são o gesto do corpo a escrever;
os sentimentos, a consciência a aprender a ler.

E, entre a tinta que cai e a leitura que fazemos, abre-se o espaço onde algo novo pode nascer –
a possibilidade de transformar a experiência bruta em sentido, em escolha, em futuro.

«Coisas más que fazem bem»(por Celso Oliveira)O Tomás aprendeu tarde que havia contrariedades que curavam. Não vinham em...
30/11/2025

«Coisas más que fazem bem»
(por Celso Oliveira)

O Tomás aprendeu tarde que havia contrariedades que curavam. Não vinham embrulhadas em papel brilhante nem ofereciam co***lo imediato. Entravam devagar, quase sempre pela porta errada, e deixavam um rasto que parecia desordem. Só depois, muito depois, revelavam a arquitectura secreta do que estavam a tentar arrumar.

A sua vida era, à superfície, correcta. Horários cumpridos, contas alinhadas, uma compostura de quem sempre evitou abalos. Não por coragem, mas por economia interna: sentia que qualquer tremor lhe podia desfazer o equilíbrio. Por isso, dirigia-se ao mundo com a suavidade estudada de quem não quer incomodar nem ser incomodado.

Foi nessa aparente harmonia que o primeiro «isto não era suposto acontecer» surgiu.

Perdeu um projecto no trabalho, sem aviso. Uma decisão superior, impessoal, quase burocrática. Nada trágico. Mas, naquela manhã, enquanto apagava ficheiros e fechava pastas, sentiu um buraco abrir-se no peito como se alguém tivesse puxado um tapete antigo e ele tivesse f**ado sem chão. A frustração era clara, mas o que o surpreendeu não foi a perda: foi a honestidade brutal que dela emergiu.

No caminho para casa, pela primeira vez em muito tempo, não conseguiu manter a máscara. Andou mais devagar. Respirou com dificuldade. Dentro de si, algo estalou como madeira antiga a ceder: a constatação de que estava exausto de ser sempre adequado.

Nos dias seguintes, não fingiu tanto. A irritação apareceu sem pedir licença. A tristeza, discreta como sempre fora, decidiu sentar-se com ele à mesa. E, ao contrário do que temia, nada se desmoronou. O mundo não ruiu porque ele se permitiu fraquejar; apenas ficou mais verdadeiro.

Percebeu então que aquela perda ― aparentemente má, inconveniente, indesejada ― estava a abrir espaço onde antes havia apenas rigidez. A fricção interna, que antes tentava apagar como quem limpa um vidro, começou a funcionar como bússola. A sensação desagradável, afinal, tinha aviso em vez de castigo.

Numa noite, sentou-se no sofá com um silêncio áspero a acompanhá-lo. O tipo de silêncio que ninguém quer, porque obriga a olhar para dentro. E, no entanto, esse desconforto fê-lo ouvir uma frase que há anos tentava evitar: «Não estou bem.»

A frase era feia, dura, e parecia arrancada a ferro. Mas ofereceu-lhe, inesperadamente, um alívio simples: o de não continuar a representar.

A partir daí, as coisas más ganharam outro signif**ado. Não se tornaram benéf**as por magia; tornaram-se úteis por coragem. A ansiedade matinal, que tantas vezes o apertava sem piedade, passou a ser o sinal de que precisava de abrandar e pedir ajuda. O cansaço extremo revelou a quantidade de batalhas travadas em silêncio. A raiva, que escondia como quem esconde objectos fora de lugar antes da visita, ensinou-lhe limites que nunca tinha aprendido a nomear.

Com esse mapa novo, procurou uma terapeuta. Sentou-se no consultório com a teimosia de quem quase não veio, e disse:

— Eu precisava que isto fosse mais simples.

Ela respondeu apenas:

— Às vezes, aquilo que dói é a porta certa.

Não havia poesia naquela frase. Mas cabiam nela muitas verdades.

As sessões tornaram-se um território onde o Tomás pôde desmontar pacientemente o que parecia sólido. Descobriu que alguns medos eram apenas equívocos antigos, que algumas vergonhas lhe tinham sido ensinadas, que a vulnerabilidade não era falha, mas matéria-prima de relação. Cada revelação era desconfortável; cada desconforto era libertador.

Um dia, depois de uma discussão com um amigo ― pequena, banal, mas inesperadamente honesta ― percebeu algo que o apanhou desprevenido: tinha sido a tensão desse confronto que lhe mostrara que a amizade estava viva. Que ali havia espaço para dizer «não gostei». E que sobreviviam ao que era verdadeiro.

Começou então a agradecer, em segredo, algumas das contrariedades que antes amaldiçoara: a oportunidade perdida que o fez mudar de rumo; a crítica que o obrigou a repensar prioridades; a lágrima inoportuna que abriu conversa com a mãe; a insónia que lhe revelou uma rotina demasiado cruel consigo próprio.

O mal não deixara de ser mal. Não se tornara virtuoso. Mas passara a ser fértil.

Meses depois, encontrou numa gaveta o caderno onde costumava listar objectivos. Em vez de metas, escreveu outra coisa: aquilo que desejava continuar a enfrentar, mesmo quando doía.

Escreveu: «Aprender a suportar a verdade.»
E, abaixo disso: «Permitir que o desconforto me aproxime do que é real.»

Dobrou o caderno devagar, como quem reconhece um gesto novo. Guardou-o na prateleira de cima, não como aviso, mas como bússola.

Porque, às vezes, aquilo que nos fere é o que nos devolve a nós. E o que parece mau pode, com o tempo certo, transformar-se em chão.

E chão, quando finalmente chega, é sempre uma espécie de bênção.

Coisas boas que fazem mal(por Celso Oliveira)O Miguel descobriu cedo que havia coisas que faziam bem como um abraço: che...
30/11/2025

Coisas boas que fazem mal
(por Celso Oliveira)

O Miguel descobriu cedo que havia coisas que faziam bem como um abraço: chegavam sem pedir licença, aqueciam, e por instantes parecia que o mundo se organizava.

Não era uma história dramática à superfície. Trabalhava num escritório com luz branca, respondia a emails que soavam todos ao mesmo, pagava as contas com a teimosia tranquila de quem aprendeu a não falhar. Ao fim do dia, trazia um cansaço fino, quase elegante, como pó em cima dos móveis: não se via de longe, mas estava em todo o lado.

Foi nessa normalidade que o primeiro «só desta vez» entrou.

Numa sexta-feira, depois de uma semana que parecia ter sido escrita por outra pessoa, parou num café. Pediu um copo. Depois outro, porque o primeiro tinha colocado silêncio onde antes havia ruído. Não era alegria; era mais isto: uma trégua. O peito abria um pouco, os ombros desciam, as frases dentro da cabeça abrandavam. Parecia um cuidado.

Em casa, deitou-se mais cedo. Dormiu mais depressa. Acordou com a boca seca e uma espécie de sombra atrás dos olhos. Ainda assim, o dia correu. E quando a noite voltou, trouxe consigo a recordação daquele descanso imediato.

O corpo, fiel à memória do alívio, começou a sugerir o caminho. Não com gritos, mas com pequenos argumentos: «Foste forte». «Mereces». «Não estás a fazer mal a ninguém». Eram frases em voz baixa, ditas no corredor, como alguém que não quer ser apanhado.

O Miguel tinha o seu catálogo de coisas boas que faziam mal. Sabia nomes, sabia consequências. Não era ignorância: era um pacto. E como todos os pactos, vinha com letras pequenas.

No início, era social. Um copo com amigos, uma gargalhada que saía sem esforço, o corpo a fingir leveza. Depois, foi f**ando íntimo. Uma garrafa que esperava no armário como uma solução. Duas, «para o fim-de-semana». E o fim-de-semana tornou-se uma estação dentro da semana, prolongada e pegajosa, onde o tempo parecia escorrer mais devagar.

Não perdeu o emprego. Não perdeu a casa. Não perdeu, de imediato, a imagem que dava ao mundo. Isso ajudou a mentira a aguentar-se. Quando ninguém nos vê a cair, a queda parece menos real — mas o impacto, esse, é sempre no mesmo sítio.

Houve noites em que o Miguel se sentou no chão da cozinha, costas na porta do frigorífico, e ficou a ouvir o som do silêncio. Em criança, tinha medo do escuro; em adulto, tinha medo do que pensava quando estava sóbrio. Percebeu, com um desconforto lúcido, que não bebia para se divertir. Bebia para não sentir.

E era aí que o bem se tornava perigoso: não por ser vilão, mas por ser ef**az.

A primeira coisa que se estragou foi a manhã. Deixou de ser começo; passou a ser reparação. Café forte, banho demorado, a promessa de que «hoje não». E a promessa, tantas vezes repetida, começou a perder autoridade. Como uma palavra dita demasiadas vezes, até f**ar oca.

A segunda coisa foi a relação com a Ana.

A Ana não era dramática. Não fazia cenas. Era pior: observava. Tinha uma forma de olhar que não acusava, mas obrigava a ver. Numa terça-feira, quando ele chegou tarde e demasiado tranquilo, ela perguntou apenas:

— Tem sido pesado?

A pergunta era simples e, por isso, devastadora. Ele queria responder com honestidade, mas o hábito atravessou-se no meio, como um cão treinado. Disse que era cansaço. Disse que precisava de desligar. Disse tudo o que não era mentira completa, mas também não era verdade inteira.

A Ana não insistiu. E o silêncio dela ficou a ocupar a sala.

Nos dias seguintes, o Miguel começou a notar coisas pequenas: o telemóvel virado para baixo quando abria a garrafa; as idas ao lixo com o s**o apertado; a irritação quando lhe perguntavam «Vais beber?». Não era o álcool que o estava a transformar; era a engenharia em volta dele. A vida tornara-se um conjunto de truques para manter a aparência de normalidade.

Num domingo, acordou com a sensação de que tinha sonhado uma vida melhor e, ao abrir os olhos, tinha voltado à mesma. Foi à casa de banho. Viu-se ao espelho. Não estava destruído. Estava apenas… gasto. Como um objecto que ainda funciona, mas já não oferece confiança.

Sentou-se na sala e, pela primeira vez em muito tempo, deixou o desconforto f**ar sem o anestesiar. Percebeu que havia ali uma tristeza antiga, bem educada, que nunca tinha feito alarde. A tristeza de ter aprendido cedo a ser competente e tarde a ser cuidado.

Quando a Ana acordou, encontrou-o sentado, sem televisão, sem telemóvel. Ela ficou parada à porta, como quem procura o melhor modo de se aproximar de um animal ferido.

— Não sei parar — disse ele, antes que qualquer outra frase se metesse pelo caminho. — E eu… eu gosto disto. Faz-me bem. Mas depois faz-me… faz-me muito mal.

A Ana sentou-se ao lado, com a lentidão de quem sabe que qualquer gesto brusco pode acordar a vergonha. Não disse «Já sabia». Não disse «Finalmente». Disse apenas:

— Então temos de tratar do que dói, não do que anestesia.

Foi uma frase sem poesia. E, no entanto, tinha futuro.

Nesse dia, não houve promessas grandes. Houve actos pequenos. O Miguel escreveu num papel, em letras muito simples, o que não queria continuar a perder: manhãs, presença, paz. Depois escreveu o que tinha medo de enfrentar: ansiedade, vazio, cansaço, a sensação de insuficiência. Olhou para a lista e percebeu que a garrafa não era o problema inteiro; era uma resposta rápida a uma pergunta antiga.

Ligou a um amigo que sabia ser discreto. Disse: «Preciso de ajuda». Marcou uma consulta com o Médico de Família. Pediu encaminhamento. Naquela mesma tarde, foi a uma reunião. Sentou-se no fundo, para poder fugir. Não fugiu. Ouviu histórias que pareciam diferentes e iguais. Ninguém lhe tirou a culpa. Mas alguém lhe deu um mapa.

À noite, em casa, abriu o armário onde guardava as garrafas. Ficou a olhar. Não as deitou fora num gesto heróico. Tirou-as uma a uma, como quem arruma um luto. Colocou-as num s**o. Levou-as ao ecoponto. Voltou com as mãos vazias e o coração pesado. Era curioso: para deixar uma coisa que faz bem, às vezes é preciso suportar que a dor volte a ter voz.

Nos dias seguintes, o corpo pediu o seu hábito. A cabeça inventou justif**ações. O Miguel começou a aprender um verbo novo: «aguentar». Não num sentido violento, mas num sentido humano: aguentar o desconforto o tempo suficiente para que ele não mande.

Descobriu que havia outros alívios, mais lentos e menos vistosos. Caminhar à noite e deixar o ar frio reorganizar pensamentos. Beber água como se fosse um acordo consigo. Escrever duas linhas antes de adormecer. Dizer à Ana «Hoje foi difícil» e não ter de acrescentar uma mentira para a frase f**ar aceitável.

E, devagar, notou que o bem verdadeiro não chega com euforia. Chega com espaço.

Nem todos os dias eram bons. Alguns eram ásperos, simples, de sobrevivência. Mas a vida, sem o brilho falso, começou a recuperar uma textura mais honesta. E isso, estranhamente, também fazia bem.

Um mês depois, o Miguel encontrou o papel com as listas. Acrescentou uma frase no fim, como quem aprende a falar consigo sem dureza:

«Há coisas que nos fazem bem em letras pequenas; eu quero aprender a ler antes de assinar.»

Dobrou o papel e guardou-o na carteira. Não como amuleto, mas como lembrança: o alívio rápido tem sempre juros. A paz, quando é real, pode ser lenta — mas não cobra depois.

«A Casa Cheia e o Colo Vazio»(por Celso Oliveira) #Naquela casa, o amor tinha etiqueta de preço e vinha em s**os de pape...
27/11/2025

«A Casa Cheia e o Colo Vazio»
(por Celso Oliveira) #

Naquela casa, o amor tinha etiqueta de preço e vinha em s**os de papel brilhante. À porta, chegavam caixas como se fossem pequenas promessas: uma consola nova, ténis com luz, um telemóvel que fazia do mundo um salão de espelhos. E o rapaz, o Tomás, aprendia o som do carinho pelo ranger da fita-cola.

Os pais chamavam-lhe «mimos». Diziam, como quem reza depressa para não ouvir o eco: «É para ele não sentir falta de nada.» E, ao dizê-lo, aliviavam uma culpa antiga, invisível, que não cabia em palavras. A mãe, a Marta, voltava tarde, com o rosto cansado de gente. O pai, o Rui, vinha ainda mais tarde, com a cabeça cheia de números. Quando entravam, traziam no corpo a pressa e no bolso uma solução rápida. Era mais fácil oferecer do que f**ar.

Ao início, funcionou como funciona um analgésico. Tomás sorria, os pais respiravam. Os jantares tinham assunto.

— Viste o que te trouxe?

A alegria acendia-se, breve, como um fósforo, e morria com um fumo fino que ninguém nomeava.

Depois, o rapaz começou a pedir sem pedir. Bastava um silêncio. Um olhar. Um encolher de ombros bem ensaiado. Os pais, atentos ao sinal, interpretavam-no como alarme. E respondiam com uma compra, como quem apaga um incêndio com notas. O «não» tornava-se uma palavra perigosa, quase indecente, uma coisa que podia estragar a paz.

A casa cresceu em objectos e encolheu em presença. Havia brinquedos em cada canto, mas faltava um canto onde coubesse um colo. Havia fotografias de férias, mas poucas tardes de sofá sem telemóveis. O tempo, esse, era sempre adiado, como se fosse um pagamento incómodo que se pode empurrar para a semana seguinte.

A avó, que às vezes f**ava com Tomás, via tudo com uma tristeza mansa. Não criticava com raiva. Criticava com aquilo que os velhos têm de mais duro: a lucidez. Um dia, enquanto dobrava roupa, disse à filha:

— Tu dás-lhe coisas para ele não chorar. Mas ele vai aprender a chorar por coisas.

A Marta sorriu, como quem ouve uma frase bonita e a arruma depressa. Tinha medo de mexer no que doía.

Tomás cresceu com uma competência nova: sabia medir o amor pelo tamanho da oferta. Quando os pais falhavam um recital na escola, aparecia um presente ao fim do dia. Quando se esqueciam de perguntar como correra o teste, surgia um jantar fora, com sobremesa e fotografia. O rapaz percebia a lógica. E, como todas as lógicas, ela parecia justa, até deixar de ser.

Houve uma tarde em que Tomás chegou a casa com os olhos cheios de um assunto que não cabia num embrulho. Um colega tinha sido cruel. Uma frase atirada como pedra: «És mimado, ninguém te atura.» Ele não queria vingança, nem consola, nem gelado. Queria apenas que alguém se sentasse ao lado dele e f**asse.

A mãe estava ao telefone. O pai respondia a mensagens, sem levantar a cabeça. Tomás ficou ali, de pé, com o peito aberto e sem linguagem para pedir o que precisava. Marta notou-o e disse, distraída:

— O que foi? Queres alguma coisa?

E, naquele «alguma coisa», cabia o mundo todo, mas não cabia ele.

Tomás respondeu o que aprendera:

— Quero uns fones novos.

Disse-o como quem traduz um pedido verdadeiro para a língua da casa. E Marta, aliviada, sorriu:

— Claro, amor. Escolhe os que quiseres.

A noite passou sem sangue visível. Mas ficou um risco fino, uma fissura. O rapaz foi para o quarto com os fones na mão e um silêncio no corpo. Encostou a porta, ligou a música, e o som encheu o espaço onde ninguém estava. Por trás das paredes, os pais moviam-se, ocupados, convencidos de que tinham resolvido mais um problema.

Os meses seguintes ensinaram outra coisa: que o que se compra também se gasta. O brilho dos presentes durava menos. Tomás começou a precisar de mais para sentir o mesmo. E os pais, sempre em atraso, corriam para acompanhar a exigência que eles próprios tinham criado. Era uma dança cansada: o filho pedia, eles pagavam; o filho calava, eles interpretavam; o filho afastava-se, eles ofereciam.

A dada altura, Tomás deixou de pedir. E isso, paradoxalmente, pareceu-lhes bom sinal. Diziam:

— Ele está mais independente.

Como quem celebra um milagre. Só que não era independência. Era desistência.

Há um tipo de abandono que não faz malas. Não fecha portas com estrondo. Não vem com cartas dramáticas. É um abandono que se instala com delicadeza, como pó. O filho deixa de chamar. Os pais deixam de notar. A casa continua cheia de coisas, mas tornada estranha, como um hotel onde todos pagam e ninguém mora.

Quando Tomás fez quinze anos, houve uma festa. Balões, bolo, amigos. Um espectáculo bem montado, com música e gargalhadas. Rui filmava tudo, Marta tirava fotografias, e o rapaz sorria com educação. No fim, quando os amigos foram embora e a cozinha ficou com pratos por lavar, Tomás subiu as escadas devagar, como se carregasse um peso invisível.

Marta chamou-o:

— Gostaste?

Ele parou no patamar. Pensou em responder com gratidão, como era esperado. Mas estava cansado de traduções. E disse, numa voz quase sem raiva:

— Gostei. Só não sei para quê.

A mãe ficou quieta.

— Como assim?

Tomás olhou para ela, não como filho, mas como alguém que procura uma pessoa no meio de um papel de embrulho.

— Eu queria que vocês estivessem. Não é na festa. É… cá.

E apontou para o peito, sem teatralidade, como quem dá uma coordenada simples.

Rui, que vinha atrás, ouviu e riu, nervoso:

— Estivemos, claro que estivemos. Olha a festa que fizemos.

Tomás baixou os olhos.

— Foi isso. Foi a festa.

As palavras f**aram no ar, leves e pesadas ao mesmo tempo. Marta sentiu, por um instante, a nudez daquilo que evitara: não era falta de amor. Era falta de presença. E percebeu a armadilha. Ao tentarem ser amigos, tinham abdicado de ser pais. Tinham medo do conflito, do limite, do desconforto. Preferiram um filho satisfeito a um filho acompanhado. E, sem querer, tinham-no deixado a sós, com um monte de objectos a fazer de muralha.

Nessa noite, Rui entrou no quarto do rapaz com uma ideia, como sempre, com a mesma gramática de urgência que vinha do trabalho e da culpa.

— Amanhã vamos ao centro comercial e escolhes o que quiseres. Combinado?

Era a língua que conhecia. Era a solução que sabia dar.

Tomás tirou um fone, sem pressa.

— Pai… eu não quero mais nada.

Rui ficou desconcertado, como quem perde o mapa.

— Então o que queres?

Tomás respirou fundo. Desta vez não traduziu. Disse, nu, o que faltava.

— Quero que me digas «não» às vezes. Quero que me perguntes como foi o meu dia e que esperes pela resposta. Quero que fiques aqui cinco minutos sem olhar para o telemóvel.

O pai ficou de pé, sem saber onde pôr as mãos. Cinco minutos parecia pouco e, ao mesmo tempo, parecia impossível. Porque nesses cinco minutos havia uma coisa que não se compra: a entrega.

Sentou-se. O telemóvel vibrou. Rui olhou para a mesa-de-cabeceira, como quem olha para uma porta de saída. Depois, devagar, virou o ecrã para baixo. O gesto foi pequeno, mas tinha a gravidade de uma escolha.

Não houve redenção imediata. Não há. Há hábitos que se desaprendem com a lentidão com que se aprende a amar melhor. Nos dias seguintes, Marta tentou chegar mais cedo uma vez por semana. Rui começou a perguntar o que antes não perguntava. Houve discussões, porque os limites, quando chegam tarde, parecem injustos. Tomás respondeu com resistência, porque a confiança não volta por decreto. E, ainda assim, algo mudou: passou a haver espaço para a verdade, mesmo quando ela doía.

A casa continuou com coisas. Mas, aos poucos, ganhava outra espécie de mobiliário: conversas, regras, dúvidas, pedidos claros, desculpas ditas sem compras por trás. O «não» deixou de ser agressão e passou a ser cuidado. O «sim» deixou de ser moeda e passou a ser presença.

E, num fim de tarde banal, sem fotografias, Tomás veio para a sala, sentou-se no sofá e disse:

— Posso falar contigo?

Não pediu nada que coubesse num s**o. Pediu tempo. Pediu escuta. Pediu pai. Pediu mãe.

Foi aí que Marta compreendeu, com uma clareza que lhe apertou a garganta: a pior orfandade não é a ausência do corpo. É a ausência do encontro. E o verdadeiro luxo, aquele que não se compra, é ter pais vivos que estão, de facto, vivos onde importa.

“A Porta que Não Abriu”(por Celso Oliveira)A Marta guardava desejos como quem guarda chaves num bolso pequeno: umas tili...
25/11/2025

“A Porta que Não Abriu”
(por Celso Oliveira)

A Marta guardava desejos como quem guarda chaves num bolso pequeno: umas tilintavam com esperança, outras feriam em silêncio. O maior desejo tinha nome e rosto, e chamava-se João, embora ela nunca o dissesse em voz alta com a simplicidade com que se diz “café” ou “chuva”. Dizia-o por dentro, com a solenidade enganadora das coisas que parecem inevitáveis.

Nessa semana, Lisboa estava húmida e luminosa, como se a cidade respirasse devagar. A Marta caminhava para o trabalho com a sensação de que havia uma porta prestes a abrir-se. Não era uma metáfora, para ela era quase um calendário: o João tinha prometido que, “na sexta”, fariam planos “a sério”.

Na sexta-feira, ao fim da tarde, a Marta pediu um chá numa esplanada perto do Chiado e escolheu uma mesa onde pudesse ver a rua. A espera tinha esse ar de ritual: a cadeira em frente vazia, o telemóvel ao lado, a atenção a fingir que não era atenção.

O João não chegou.
Primeiro, atrasou-se. Depois, silenciou-se.

A Marta tentou não dramatizar. Mandou uma mensagem breve, depois outra. À terceira, o pontinho de “visto” apareceu como uma luz fria num corredor. E ficou tudo igual, excepto ela.

Há desilusões que não gritam. Fazem apenas um som seco, como um galho que parte sem anúncio. A Marta sentiu uma vergonha estranha, como se estivesse a ser observada pelo próprio desejo. Pediu a conta antes de acabar o chá e, ao levantar-se, reparou num casal a rir-se na mesa ao lado. Não era inveja, era a sensação de estar fora do enquadramento.

A caminho de casa, passou por um prédio antigo em obras. Um tapume alto escondia o interior, mas por cima via-se um corredor de escadas e uma janela sem vidro. A Marta pensou, sem saber porquê, que a vida também faz obras enquanto nós insistimos em morar no que já não existe.

No sábado, a Ana apareceu-lhe à porta com um s**o de laranjas e uma paciência que não se exibia. A Ana era daquelas pessoas que não oferecem frases feitas, oferecem presença.

“Ele disse alguma coisa?”

“Ainda não.”

A Ana olhou para a cozinha como se estudasse a melhor forma de arrumar o silêncio.

“Tu não estás triste só por ele, pois não?”

A Marta não respondeu logo. Abriu uma laranja. A casca libertou um cheiro vivo, quase impudente, como se a realidade quisesse lembrar-lhe que ainda havia coisas simples a acontecer.

“Eu achei que era… finalmente.”

A Ana assentiu, devagar.

“Às vezes a palavra ‘finalmente’ é uma armadilha. Parece destino, mas é só cansaço.”

A Marta engoliu em seco. A frase não era delicada, mas era verdadeira. Verdade e delicadeza, percebeu, nem sempre andam de mãos dadas.

No domingo, o João escreveu. Uma mensagem longa, bem pontuada, com aquela serenidade de quem pretende ser razoável enquanto foge. Falava de “confusão”, de “não estar pronto”, de “não querer magoar”. E, no fim, como quem oferece uma flor sobre um erro, dizia: “Tu mereces alguém melhor.”

A Marta leu duas vezes. À terceira, já não era a mesma leitura. Não era só um “não”. Era um retrato do lugar onde ela tinha estado a colocar a esperança: num homem que queria ser visto como bom enquanto praticava a ausência.

Apagou a conversa. Depois voltou a abrir. Depois apagou de novo.
Como quem fecha uma porta que insiste em f**ar entreaberta.

Nessa noite, sonhou com um corredor cheio de portas iguais. Passava por elas com pressa, escolhendo sempre a que tinha o puxador mais brilhante. Quando finalmente a abriu, havia fogo lá dentro, mas um fogo quieto, bonito, quase acolhedor. A Marta hesitava, atraída, até que alguém, sem aparecer, puxava a porta para trás e fechava-a com firmeza.

Acordou com o coração rápido, e com uma frase no peito: “Isto salvou-te.” Não era paz. Era um princípio.

Na segunda-feira, no trabalho, a Marta encontrou o Miguel no corredor. O Miguel era colega de outra equipa, um homem de hábitos discretos, que costumava cumprimentar com um sorriso curto. Naquele dia, reparou nela de um modo diferente.

“Estás bem? Pareces… cansada.”

A Marta quase disse “sim” por reflexo. Em vez disso, disse a verdade em miniatura.

“Não muito.”

O Miguel não tentou consertar. Não pediu detalhes. Não contou uma história maior do que a dela. Apenas disse:

“Se quiseres, almoçamos. E falas do que te apetecer. Ou não falas.”

A Marta sentiu, com surpresa, que aquele convite era um acto de dignidade. Não era romance, não era promessa. Era um lugar onde ela podia descansar sem representar.

Almoçaram numa tasca pequena. Conversaram sobre coisas concretas: o preço dos legumes, a fila do supermercado, um filme antigo que nenhum dos dois acabara. E, a meio, a Marta deu por si a respirar como se alguém lhe tivesse afrouxado o peito.

A desilusão, percebeu, era também isto: uma faxina invisível. Dói porque leva embora o pó acumulado sobre a fantasia. Dói porque, enquanto limpa, levanta partículas no ar. Mas a casa f**a mais habitável.

Numa tarde de chuva, semanas depois, a Marta passou pela mesma esplanada do Chiado. Escolheu a mesma mesa. Não por nostalgia, mas por gesto deliberado, como quem regressa ao lugar de uma queda para provar ao corpo que já sabe levantar-se.

Pediu um chá. Bebeu devagar. Olhou as pessoas a passar. E, de repente, o que se instalou dentro dela não foi saudade do João. Foi uma serenidade estranha, sem música, mas com espaço.

O telemóvel vibrou. Uma mensagem do João, curta desta vez: “Podemos falar?”

A Marta leu. Sentiu a velha pontada a tentar abrir caminho, como raiz num tijolo. Mas havia agora outra coisa, mais tranquila, mais firme: um limite.

Respondeu apenas: “Não.”

E nesse “não” havia uma porta fechada com cuidado.
Não por vingança, mas por higiene.
Não por orgulho, mas por futuro.

Guardou o telemóvel. O chá estava morno. A cidade continuava a mover-se, indiferente e bela. E a Marta, pela primeira vez em muito tempo, não estava a tentar caber na promessa de ninguém.

Quando saiu, a chuva tinha parado. No chão, pequenas poças reflectiam pedaços de céu, como espelhos partidos a oferecer uma luz possível.

A Marta sorriu, sem motivo aparente.
Talvez fosse isto crescer: perceber que certas pessoas nos fazem um grande favor ao falharem connosco. E que há desejos que, quando não acontecem, nos devolvem ao corpo, ao presente, ao que pode realmente f**ar.

E, nessa devolução, havia um milagre discreto:
ela já não precisava de uma chave para existir.

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