16/11/2025
Por estes dias, por todo o lado, ouço falar em superar a perda. Que ilusão. A morte de quem amamos não é um desafio de superação, um episódio de autoajuda. O luto não é um degrau; é um buraco. Não se supera a perda; aprende-se a respirar ao lado dela, com ela sentada no meio da sala, a olhar para nós todos os dias. Torna-se parte da mobília, da rotina, da pele.
Perder alguém é uma amputação sem anestesia. Ficas de pé; mas a coxear para sempre. Não há prótese emocional que devolva o que te foi arrancado. Continuar a viver é reaprender tudo do zero: reaprender a levantar-se, a cozinhar, a sair à rua, a não perguntar automaticamente “já lhe contaste isto?”, porque já não há ninguém a quem contar. Reaprender a sorrir com culpa: reaprender a existir com menos.
Dizem-te que vai passar, que o tempo cura, que vais ultrapassar. A mentira dói mais do que a verdade. Não digam isso. Nunca. Não digam a quem perdeu que um dia vai esquecer. O vazio não se apaga; coabita-se. Tentas preenchê-lo e ele cresce. É uma ferida húmida: se lhe mexes, infecta.
Digam outra coisa.
Digam: “aguenta”.
Digam: “sobrevive como conseguires”.
Digam: “não estás só, mesmo quando estiveres”.
Digam: “não precisas de estar bem”.
Há coisas que não passam. Há dores que se tornam a nossa nova mobília interior. Vai haver dias — raros — em que a dor abranda, em que a ausência deixa de gritar. Nesse silêncio precário, percebe-se: amar alguém é nunca mais ficar inteiro; mas também é nunca mais ficar verdadeiramente só.
Escrito por:
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